A proposta do Governo para a revisão do sistema de avaliações da administração pública, o SIADAP, que se aplica a cerca de 65% dos funcionários públicos (professores, militares, magistrados e oficiais de justiça não incluídos), tem como argumento acelerar a progressão dos trabalhadores, com a perspetiva de que podem atingir as últimas posições da carreira.

Para isso, avançou a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, esta segunda-feira num encontro com jornalistas, o executivo pretende que para progredir, ou seja para passar para o escalão remuneratório seguinte, um trabalhador precise de acumular oito pontos (ao contrários dos 10 que precisam atualmente), que dependem da avaliação de desempenho. Essa, de acordo com a proposta, passará a ser feita em ciclos anuais, ao invés de bianuais.

Com o objetivo de que os trabalhadores consigam “alcançar os lugares de topo das suas carreiras” — algo que neste momento não acontece atualmente porque que existe uma “percentagem sempre muito significativa de trabalhadores nos primeiros escalões” — as notas de avaliação sofrerão alterações, com a proposta de criação de uma nova para diferenciar mais os funcionários.

  • O “excelente” continuará a equivaler a três pontos;
  • O “relevante” passará a designar-se “muito bom” e continuará a equivaler a dois pontos;
  • O “bom” será a nova menção na escala de avaliação e equivalerá a 1,5 pontos.
  • O “adequado” passará a designar-se “regular” e continuará a equivaler a um ponto.
  • O “inadequado”, que atualmente retira um ponto, passará a corresponder a zero pontos.

Tal como o Observador escreveu em janeiro, as quotas de avaliação, que fazem com que só 5% dos trabalhadores possam ter a nota mais elevada, não acabam. Mas existem alterações. O Governo quer que deixem de ser só 25% dos trabalhadores a conseguir obter mais do que um ponto na avaliação para passarem a ser 50%. Isto acontece porque, dessa metade, 25% poderão ser avaliados com o desempenho “bom” e outros 25% com o “muito bom”, sendo que destes últimos é que 5% podem chegar à nota “excelente”.

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Função pública. Governo não acaba com quotas de avaliação mas estuda mudar escala de notas para acelerar progressões

Apesar de a quota de excelência e do nível “muito bom” se manterem as mesmas, a ministra Mariana Vieira da Silva afirmou que a progressão será mais rápida porque os trabalhadores poderão passar a precisar de acumular somente oito pontos ao invés de dez. Um dos exemplos dados pela governante é o de um Técnico Superior com 40 anos de carreira que, nos moldes atuais, mesmo que tivesse sido sempre avaliado com “excelente”, não conseguia atingir o topo, chegando no máximo à 12.ª posição remuneratória (3 238,99€). Com a alterações propostas, indicou, esses mesmos trabalhadores (de excelência) conseguirão com 32 anos de carreira chegar à 14.ª posição, ou seja, ao topo da carreira (3 561,11€).

O mesmo acontece com a carreira de um Assistente Operacional, que demora 28 anos a chegar à oitava posição remuneratória (1 122,84€) mesmo que seja sempre avaliado com excelente. Poderá, com as alterações propostas, chegar a essa posição, que representa o topo de carreira, em 19 anos.

Além destas medidas para acelerar a progressão dos trabalhadores, Mariana Vieira da Silva relembrou que o Governo já aprovou uma outra que faz com que quando os funcionários públicos progridem não percam os pontos que lhes sobrarem.

Funcionários públicos que progridam na carreira mantêm pontos de avaliação sobrantes

Os prémios para os dirigentes

Quando um serviço for considerado excelente, e cada área governativa pode ter 20% de serviços excelentes, “a ideia é que possa ter mais orçamento para garantir alterações gestionárias” que durante alguns anos estiveram congeladas, mas que agora estão abertas, adiantou a ministra. Por isso, “além do desenvolvimento de carreira puro e duro”, os serviços considerados de excelência poderão “aumentar o número de progressões”, naquela que é uma decisão da gestão que poderá, caso assim entenda, levar à alteração do posicionamento remuneratório mesmo dos trabalhadores que não atinjam os pontos necessários.

No encontro com os jornalistas, ao lado de Mariana Vieira da Silva encontrava-se secretária de Estado da Administração Pública. Foi Inês Ramires que explicou que existem também novidades relacionadas com a avaliação dos dirigentes.

  • Os dirigentes superiores, também avaliados anualmente, que estiverem dentro do âmbito dos 20% de serviços que são considerados excelentes terão um prémio, que poderá ir até aos 3.000 euros por ano.
  • Por outro lado, os dirigentes intermédios também poderão receber um prémio. Neste caso, esse já nada tem que ver com os 20% da excelência, mas sim a “sua avaliação própria”. A proposta é que exista uma “diferenciação de 30%, portanto 15% de ‘bons’ e 15% de ‘muito bons’, de onde sai o ‘excelente’ que se mantém 5%”. Aqui, o prémio será “uma percentagem” dos 3.000 euros que não foi especificada.

O objetivo do Governo é que as novas regras comecem a ser aplicadas em 2025, o que significa que os efeitos práticos apenas se traduzem no ano seguinte, 2026. Esta é uma proposta que, admitiu Mariana Vieira da Silva, ainda pode “evoluir” uma vez que existirão negociações com os sindicatos. Esta segunda-feira, STE, Fesap e Frente Comum conheceram o documento, sendo que as negociações vão ser retomadas na segunda semana de setembro.

STE quer maior redução dos pontos  para progredir, FESAP e Frente Comum defendem fim das quotas

O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), que foi o primeiro a reunir-se com a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, considerou que a proposta do Governo tem “alguns avanços positivos”, mas destacou que ainda existe “muito trabalho para fazer”. A presidente do STE, Helena Rodrigues, disse pretender que o número de pontos necessários para um trabalhador progredir desça além dos oito que são propostos. Porém, naquela que foi a primeira reunião desde que é conhecida a proposta de alteração do SIADAP, “não houve disponibilidade” para tal por parte do executivo.

Ao contrário do STE, a Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), que considera que as quotas são um elemento que contribui para “impedir a excelência e o mérito no conjunto dos trabalhadores da administração pública”, disse que o Governo mostrou abertura para negociar. “Queremos acreditar que na negociação possa haver avanços muito significativos” na proposta para um sistema de avaliação mais “justo” e com as quotas “pura e simplesmente ignoradas”, afirmou o secretário-geral José Abraão.

A FESAP notou que foi esta segunda-feira publicada a “alteração ao SIADAPRA”, que é o Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública Regional dos Açores, onde foram “apagadas as quotas” e os trabalhadores continuam a ser avaliados. Desta forma, mostrou ter “sérias dúvidas” sobre se não é possível eliminar as quotas, que “impedem muitos trabalhadores que são excelentes ou até relevantes de poderem chegar ao topo das suas carreiras”.

Se é verdade que até agora dizíamos que tínhamos Técnicos Superiores que nunca chegariam ao topo da carreira, não é menos verdade que com a proposta que nos apresentaram — em que 50% dos trabalhadores terão de ser regulares — 50% dos trabalhadores com este sistema de quotas estarão condenados”, disse José Abraão.

Tal como a Fesap, também a Frente Comum, o último sindicato a reunir-se com a secretária de Estado Inês Ramires, acredita que “não é possível fingir que há um sistema de avaliação justo mantendo quotas, porque isso pura e simplesmente é uma impossibilidade”. “Há aqui linhas vermelhas que vão obviamente ser discutidas novamente com os trabalhadores e serão organizadas as respostas adequadas a isso”, adiantou o dirigente sindical Sebastião Santana. Questionado sobre se serão ponderados protestos ou greve, respondeu o seguinte: “Admitimos tudo”.

Considerando que ainda não consegue “reconhecer positividade nenhuma” na proposta apresentada pelo Governo, a Frente Comum recordou uma sondagem em que 90% dos trabalhadores da administração pública se mostravam “descontentes com o SIADAP”. “Nós achamos que 90% se calhar é pouco, deve ter tido que ver com a amostra, com certeza”, atirou Sebastião Santana, que disse estar disponível para discutir a “evolução da proposta” do executivo liderado por António Costa.

Notícia atualizada às 19h56 com declarações da Frente Comum