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Jorge Vilda, o selecionador espanhol, tem o emprego mais desconfortável do mundo. Em setembro do ano passado, 15 jogadoras enviaram um e-mail à Federação Espanhola onde pediam mudanças na forma de organização da equipa por considerarem que eram utilizados métodos pouco profissionais que afetavam a saúde e o estado emocional das atletas. Assim, alguns dos nomes mais fortes ameaçaram renunciar à seleção até ao treinador ser demitido. A Federação Espanhola não cedeu e, ao dia de hoje, Jorge Vilda ainda é o treinador.

A maior parte das jogadoras voltaram atrás na decisão e inclusivamente divulgaram um comunicado onde referiam que nunca pediram a demissão do treinador, apenas a melhoria das condições de trabalho. Ainda assim, o episódio por certo não caiu no esquecimento. “Penso que os códigos do futebol foram violados. O que se passa no balneário fica no balneário. A porta está sempre aberta para falar e melhorar e acredito que isso pode ser feito”, comentou Jorge Vilda na altura em que a polémica estalou. “Tenho mais força do que nunca para continuar a criar uma equipa competitiva”.

É inevitável pensar que as jogadoras não estão 100% em sintonia com o treinador, mas é fácil, pelo que jogaram na estreia no Mundial, em Wellington, na Nova Zelândia, verificar que, entre as jogadoras, a química é máxima. Contra a Costa Rica, na primeira jogada do grupo C, a Espanha esteve vinte minutos a aquecer, para, em sete, resolver a questão. O domínio de La Roja, através de uma posse de bola nada mastigada e com reflexo na quantidade de oportunidades criadas, as jogadoras espanholas confiaram muito no jogo de corredores, onde Salma Paralluelo e Athenea, atacantes com bastante capacidade em lances de um para um, estavam a ser bastante eficazes.

A partir da direita e da esquerda, chegavam ao coração da área vários cruzamentos atrasados que as jogadoras espanholas mais adiantadas, Esther González e Jenni Hermoso, estavam a ser pouco práticas a finalizar. No entanto, ao perceber que na entrada da grande área existia muito espaço, a Espanha continuava a insistir. Esther forçou a entrada pela esquerda e apanhou a defesa costa-riquenha, Valeria del Campo, em contrapé, colocando a bola dentro da própria baliza (21′). Depois, foi Aitana Bonmatí (23′) que trabalhou na zona da marca de penálti e atirou a contar.

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Teresa Abelleira, com uma missão mais discreta, estava a ser preponderante. Num cruzamento a partir da direita da centrocampista, Jenni Hermoso cabeceou à barra e Esther González (27′) aproveitou as sobras. O momento da Espanha podia ter sido ainda melhor se Jenni Hermoso não tivesse desperdiçado uma grande penalidade e permitido a defesa à guarda-redes da Costa Rica, Daniela Solera.

A seleção sul-americana quase tinha que enviar um pedido por escrito à treinadora, Amelia Valverde, que assumiu o cargo aos 28 anos, para pressionar alto. Poucas vezes a Costa Rica o conseguiu, mas, quando o fez, muito por iniciativa de Melissa Herrera, quase forçou erros em zonas delicadas.

Já com o jogo numa fase adiantada, Alexia Putellas, a melhor jogadora do mundo, entrou em campo. Mesmo com muitas cadeiras vazias, o estádio aplaudiu a entrada da atacante do FC Barcelona que ainda está à procura da melhor forma depois de ter sofrido uma grave lesão.

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A Espanha manteve o domínio até ao final, mas não conseguiu dilatar o resultado. Ainda assim, o 3-0 foi suficiente para segurar o triunfo que marca o início do sonho para La Roja.

A pérola

  • Se Salma Paralluelo e Athenea foram grandes dinamizadoras dos corredores exteriores, também as laterais espanholas tiveram um papel relevante nessa estratégia. Em especial, a esquerdina Olga Carmona chegou com frequência e intenção ao último terço. Depois de na primeira parte ter arrancado, ao sofrer falta de Fabiola Villalobos, o penálti que Jenni Hermoso falhou, na segunda, rematou à barra. Merecia ter saído com um golo ou como uma assistência.

O joker

  • Compensou o esforço de andar constante a correr de um lado ao outro do campo para bater os pontapés de canto e livres laterais da equipa, mas a precisão na maneira como cobrou as bolas paradas que, pelo pendor ofensivo que a Espanha demonstrou, iam surgindo com naturalidade, valeu a Teresa Abelleira um papel de destaque. No entanto, a centrocampista defensiva do Real Madrid não se limitou a isso. Por opção ou falta de capacidade, as centrais espanholas, Irene Paredes e Ivana Andrés, não arriscaram muito verticalizar o jogo. Foi então Teresa Abelleira a assumir o papel de maior relevo na primeira fase de construção, mas sem perder capacidade para chegar à frente e preencher todos os espaços de um meio-campo que dividiu apenas com Aitana Bonmatí. Bela estreia em Mundiais.

A sentença

  • Em condições normais, a Espanha vai seguir em frente, uma vez que Costa Rica e Zâmbia não parecem ter capacidade de competir ao mesmo nível que La Roja e que o Japão. Daqui resulta que as seleções que garantirem o acesso aos oitavos de final provenientes do grupo C têm que ter especial atenção ao que se vai passando no grupo A com o qual cruzam. À partida, a Noruega é uma seleção a evitar. Como as nórdicas perderam o jogo de estreia com a Nova Zelândia, ficar em segundo no grupo C pode não ser mau de todo. Não encontrar a Noruega nos oitavos é um passo importante para a Espanha chegar aos quartos de final, algo que nunca conseguiu nas duas participações anteriores no Campeonato do Mundo.

A mentira

  • Patri Guijarro, Mapi León, Claudia Pina e Sandra Paños são quatro vencedoras da Liga dos Campeões pelo FC Barcelona e são também os nomes, entre as 15 que enviaram e-mail à Federação Espanhola a renunciarem à seleção, que não voltaram com a palavra atrás e são ausências na Espanha. Poder-se-ia pensar que jogadoras com tamanho estatuto iriam fazer falta à equipa de Jorge Vilda. Para já, pelo que se viu em campo, as ausências não se sentiram.