“O jornalismo mudou muito e muitos de nós, nesta profissão, ainda não compreendemos isso. O desafio não é tanto encontrar informação, como antes acontecia, mas dar-lhe um sentido”, declarou Gerard Ryle, diretor do Consórcio Internacional de Jornalistas de Informação, num dos painéis da tarde desta sexta-feira das Conferências do Estoril, na Nova SBE, em Carcavelos. Interpelado por José Manuel Fernandes (publisher do Observador) e Annelise Borges, jornalista da Euronews e “mestre de cerimónias” dos vários painéis, Ryle revelou como foi possível fazer chegar a bom termo investigações que pareciam impossíveis como os Panama Papers ou, mais recentemente, os Pandora Papers. Uma investigação que envolveu uma enorme rede de jornalistas e órgãos de comunicação social em dezenas de países.
Ryle não esconde que houve momentos críticos, como aquele em que, apenas uma semana antes da data combinada para a publicação em simultâneo dos artigos, Vladimir Putin convocou uma conferência de imprensa para reagir ao envolvimento do seu nome nos documentos: “Estávamos a uma semana da data, mas acabámos por perceber isso que jogava a nosso favor. Preparava o público para o facto de algo muito grande estar prestes a rebentar”. E estava. Entre os milhares de nomes envolvidos apareciam alguns líderes políticos que anteriormente tinham manifestado a sua indignação pelo recurso a “paraísos fiscais”. E GerardRyle apontou os casos de dois antigos primeiro-ministro britânicos, Tony Blair e David Cameron.
Mas o jornalista está convencido de que estas histórias pouco edificantes não pertencem só ao passado: “Quando a guerra na Ucrânia acabar, talvez descubramos que os aparentes heróis não são assim tão heróicos.” À questão de José Manuel Fernandes sobre o modo de manter o interesse do público e assegurar o financiamento do jornalismo, numa época em que o modelo tradicional está ameaçado, Gerard Ryle respondeu: “Não podemos perder de vista que o nosso propósito é servir o público e temos de encontrar histórias que realmente importem às pessoas.”
Maior ovação da tarde para a Ucrânia
A sessão da tarde começou com a intervenção do representante permanente da Ucrânia nas Nações Unidas, Sergiy Kyslytsya. Por ser 1 de Setembro, comparou a invasão da Ucrânia com outra invasão, ocorrida há precisamente 84 anos, quando a Alemanha e a Rússia invadiram a Polónia, desencadeando a Segunda Guerra Mundial. Insistindo na necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU, Sergiy Kyslytsya afirmou que “as pessoas no mundo ainda não perceberam o funcionamento das Nações Unidas e porque é que a Federação Russa ainda exerce o direito de veto”. “Como é que nada mudou em 30 anos? De acordo com o artigo 3 da Carta das Nações Unidas, só os países que trabalham pela paz é que têm direito a estar no Conselho de Segurança.”
O diplomata, que sofreu perdas pessoais na guerra como a morte de um sobrinho, de 4 anos, na semana passada, garantiu que “o sofrimento torna os ucranianos ainda mais resilientes”. E acrescentou que “apesar de desiludida com as Nações Unidas, a Ucrânia não abandonará a assembleia-geral porque isso seria dar um trunfo ao inimigo”.
Ainda na área da política internacional, Danilo Türk, ex-Presidente da Eslovénia, falou sobre o Clube de Madrid, que junta antigos estadistas de 73 países do mundo inteiro, de que ele é presidente. Criado há 20 anos, este Clube tem como objetivo melhorar a qualidade da democracia. Um objetivo hoje mais importante do que nunca: “Há cerca de dez anos, percebemos que a democracia estava, e está, a enfrentar grandes desafios. Não sei onde podemos chegar, mas temos uma orientação que queremos seguir”.
Ainda neste painel, Václac Klaus, antigo Presidente da República Checa, falou da sua experiência como estadista num momento particularmente delicado: “A divisão da Checoslováquia foi bem sucedida, em boa parte devido à minha atuação. Compreendi que os eslovacos tinham direito a ter um país e a serem uma estrela na bandeira da União Europeia. Nasci na Checoslováquia unida, mas há muito tempo que compreendi que havia grandes diferenças entre checos e eslovacos.”
Inclusão e direitos humanos
O painel que se seguiu juntou Elida Bautista, responsável máxima pela diversidade da Berkeley’s Haas School of Business, e Pedro Carmo Costa, co-fundador e CEO da Pulsey – um projeto que promove a inclusão no local de trabalho no mundo inteiro. Ambos concordaram que as diferenças não devem ser “toleradas”, mas sim “celebradas”. A moderadora da conversa, Jenny Hoobler, professora na Nova SBE, referiu que “uma discussão sobre reumanização não estaria completa sem se falar sobre diversidade”.
“Diversidade é garantir que temos representação dentro da organização, que temos um espelho dos mercados que servimos. Inclusão é garantir que toda essa diversidade se reflete em quem pertence à organização ou empresa.”, notou Pedro Carmo Costa
Elida Bautista acrescentou que “é muito importante que os líderes de empresas e futuros empresários conheçam os desafios e benefícios da diversidade”: “Se estão à procura de atrair talento, têm de tornar o ambiente de trabalho mais acolhedor, ou correm o risco de tornar a entrada numa porta giratória”.
As últimas talks da tarde foram dedicadas ao desporto, com três atletas a contarem as suas histórias: Carolina Duarte, atleta paralímpica velocista e vice-campeã do mundo nos 100 e 200 metros nos Campeonatos da Europa de atletismo adaptado em 2018; João de Macedo, surfista de ondas gigantes e co-fundador da Save The Waves Coalition, uma organização sem fins lucrativos dedicada à proteção dos ecossistemas de surf; e ainda Maya Gabeira, surfista brasileira que conquistou, na Nazaré, o recorde do Guinness para a maior onda surfada por uma mulher em 2020.
Este artigo faz parte de uma série sobre as Conferências do Estoril, evento de que o Observador é media partner.Resulta de uma parceria com a Nova Medical School, Nova School of Business and Economics e a Câmara Municipal de Cascais. É um conteúdo editorial independente.