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“Não podemos falhar.” O papel das mulheres na resolução dos conflitos marca o arranque das Conferências do Estoril

Políticas públicas, paz, inteligência artificial, saúde e longevidade. Durante dois dias, o futuro do planeta está em discussão nas Conferências do Estoril.

José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, foi o convidado de honra da primeira manhã das Conferências do Estoril
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José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, foi o convidado de honra da primeira manhã das Conferências do Estoril

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, foi o convidado de honra da primeira manhã das Conferências do Estoril

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“A liderança é a chave para o sucesso”. A frase de José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste, resume bem os temas que estiveram em destaque no arranque das Conferências do Estoril. A nona edição do evento arrancou esta quinta-feira com vários painéis sobre o caminho para a paz num mundo em conflito e o papel da mulher na construção de um futuro melhor, numa manhã que contou ainda com a presença da primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska.

Ramos-Horta, o convidado de honra da primeira manhã do evento, subiu ao palco da NOVA SBE (que mais uma vez acolhe o evento), em Carcavelos, para uma conversa ancorada numa ideia: olhar para o passado à procura de lições para o futuro. Recordando os anos da ocupação indonésia e o caminho para a resolução do conflito e a independência de Timor-Leste, o Nobel da Paz sublinhou que nenhuma paz se faz sem acordo.

A primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, foi um dos destaques da manhã

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“É preciso dois lados, não apenas o nosso. A democracia em Timor só foi possível porque a Indonésia se comprometeu nas Nações Unidas a realizar um referendo e honrou esse acordo”, disse, antes de acrescentar que é também necessária uma liderança forte e com uma visão de futuro. “O que a África do Sul é hoje não seria possível sem Nelson Mandela”, exemplificou.

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Esses mesmos líderes devem também exibir coerência de convicções – algo que o histórico líder timorense disse nem sempre ser o caso, apontando as reações internacionais às guerras atuais como um exemplo a não seguir. “Não podemos falhar, tomar posições diferentes, aplicar dois pesos e duas medidas”, disse Ramos-Horta, num dos vários momentos da sua intervenção que arrancou aplausos da plateia. “Não podemos ter uma posição moral sobre a Ucrânia e outra sobre Gaza, por exemplo.”

Outro dos focos de atenção da manhã centrou-se no discurso da primeira-dama ucraniana. Olena Zelenska, cuja presença foi confirmada apenas esta quarta-feira, instou os presentes a levarem a sério as ameaças russas. “Não devemos tomar as palavras da Rússia apenas como um exercício de retórica. Essa foi uma das lições valiosas que aprendemos na Ucrânia”, disse. Numa altura em que a guerra se aproxima do marco dos mil dias, Zelenska afirmou que “a urgência da guerra molda o nosso entendimento de tempo” e que a comunidade internacional não pode ficar paralisada. “O tempo gasto em discussões deve traduzir em ações decisões.”

Um momento de ligação entre líderes e jovens

O primeiro dia do evento arrancou com um vídeo-manifesto desafiando os presentes a “repensar” o futuro. Depois da habitual sessão de boas-vindas encabeçada pelo autarca de Cascais, Carlos Carreiras, este ano incidindo sobre o tema da guerra, foi a vez de um “momento solene” protagonizado pelo Presidente da República.

Marcelo Rebelo de Sousa enumerou vários dos desafios no horizonte do mundo Ocidental, das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente à ascensão dos movimentos autoritários, e sublinhou que agora é hora de agir para construir o futuro. “Ontem foi dia de especular sobre o que poderia ou deveria ser. Agora é altura de pavimentar o caminho, preparar os próximos passos, que estão próximos. É tempo de agir, porque amanhã pode ser tarde”.

Yulia Svyrydenko e Senida Mesi juntaram-se em palco para uma conversa sobre o papel da mulher na construção da paz

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Nuno Piteira Lopes, vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, que organiza novamente o evento, considera que a edição deste ano é de especial importância atendendo ao panorama internacional. “É diferente pelo período em que vivemos. Com várias guerras no mundo, em que temos de parar e pensar que futuro queremos. Acredito que temos de refletir, de nos juntar e de caminhar todos no mesmo sentido, de por fim às guerras”, disse ao Observador.

Nesse sentido, a parceria com a NOVA SBE iniciada em 2019 (até aí o evento era exclusivamente organizado pela autarquia), é importante sobretudo no acesso que permite às gerações futuras, como diz a diretora executiva das Conferências do Estoril, Laurinda Alves. “É um momento por excelência para os jovens se ligarem pessoalmente. Têm a oportunidade de conhecer e trocar ideias com ativistas, Prémios Nobel, líderes científicos e políticos. E eles envolvem-se muito, com sessões até na véspera do evento… é uma coisa que fica com eles para sempre”.

Mulheres na liderança, por um futuro melhor e mais inclusivo

“Como podemos afirmar proteger os direitos humanos no Século XXI”? A questão, deixada no ar por Oleksandra Matviichuk, não teve resposta imediata. A ativista ucraniana e presidente do Centro pelas Liberdades Civis, distinguida em 2022 com o Prémio Nobel da Paz, relatou alguns dos horrores diários vividos pela população ucraniana, “transformada em números” por um conflito cuja escala há muito ultrapassou os limites da imaginação.

“Os russos matam crianças, violam as mulheres ucranianas, pilham, roubam e destroem tudo no seu caminho. Não há necessidade disto, a Rússia fá-lo porque pode.” A advogada defendeu a necessidade de “repensar a ordem mundial” e o Conselho de Segurança da ONU que, diz, está a “colapsar”, e estabelecer um pacto de não-agressão que verdadeiramente responsabilize Vladimir Putin e os líderes de outros países belicistas. “As democracias têm de saber ganhar guerras”, finalizou.

Pavilhão da NOVA SBE encheu-se para ouvir líderes políticos, ativistas e Prémios Nobel

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O papel das mulheres na construção da paz foi, de resto, uma constante ao longo da manhã, com várias líderes a subir ao palco neste primeiro dia das Conferências do Estoril. Primeiro, numa conversa com esse mote entre a ex-vice-primeira-ministra da Albânia, Senida Mesi, e a atual homóloga ucraniana, Yulia Svyrydenko. Deepois foi a vez de Marta Lorenzo, diretora da UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos, deixar no ar um lamento: “Podemos vacinar as nossas crianças, mas não as podemos vacinar contra as bombas”.

A crise dos refugiados esteve também em foco na intervenção de Zaynab Abdi, ativista somali radicada nos EUA. Ao Observador, Abdi relatou a sua história e a da irmã, que fugiram da Somália para o Egipto e acabaram separadas – ela conseguiu ir para os Estados Unidos, mas a irmã foi forçada a atravessar o Mediterrâneo (está agora estabelecida na Bélgica). “Acredito que, depois de conseguirmos a nossa segurança, não devemos ficar confortáveis, porque o sofrimento dos outros continua. Por isso foi importante para mim falar”.

Oleksandra Matviitchuk, Mónica Ferro e Zaynab Abdi: três das várias mulheres que subiram esta quinta-feira ao palco do evento

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A jovem, de 29 anos, olha com preocupação para o aumento dos extremismos um pouco por todo o mundo e para a desconfiança da sociedade perante os refugiados. Uma desconfiança que diz, precisa de ser trabalhada. “Não podemos simplesmente dizer às pessoas, ‘é a nossa política, têm de aceitar’. Temos de encorajar a população a falar com as pessoas, a ir além daquilo que os media e os políticos dizem sobre os refugiados e a descobrir os pontos culturais que nos unem. É a partir daí que as pessoas deixam de sentir que estão a receber ‘o outro’, e estão sim a receber um membro da sua família”.

Mónica Ferro, diretora da delegação londrina do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) trouxe à NOVA SBE uma reflexão sobre a forma como a igualdade de género e o respeito pelos direitos das mulheres tarda em chegar. “Os dados mostram que vamos demorar pelo menos 140 anos a chegar lá. Temos de fazer melhor, as mulheres querem sentar-se à mesa, ver as suas vozes ouvidas. Se nos disseram que a mesa não tem lugar, têm de colocar mais cadeiras.”

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