A Relação de Lisboa manteve o despacho do tribunal de primeira instância que se declarou incompetente para julgar a impugnação da Câmara Municipal de Lisboa à multa de 1,25 milhões de euros por divulgação de dados de ativistas russos.

Em acórdão datado de 28 de setembro, o coletivo de três desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu rejeitar o recurso interposto pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, confirmando o despacho da primeira instância.

Em causa está um despacho de 8 de setembro de 2022, no qual o juiz do Juízo Local Criminal de Lisboa se declarou incompetente para julgar a impugnação judicial da Câmara Municipal de Lisboa (CML) à multa de 1,25 milhões de euros aplicada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) no caso da divulgação pela autarquia de Lisboa à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.

Em 12 de outubro de 2022, a CNPD apresentou recurso desse despacho da primeira instância, que se declarou incompetente para julgar o caso “em matéria de facto”, por entender que é competência dos tribunais administrativos, entendimento agora subscrito na íntegra pelo TRL.

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Um processo foi aberto devido a uma participação – que deu entrada na Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNDP) em 19 de março de 2021 – relativa à comunicação pela autarquia de Lisboa à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.

Os ativistas, dissidentes do regime russo, tinham realizado em janeiro de 2021 um protesto pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo, e argumentaram que a Câmara Municipal de Lisboa, liderada então por Fernando Medina, atual ministro das Finanças, pôs em causa a sua segurança e a dos seus familiares na Rússia aquando da divulgação dos seus dados.

Fernando Medina pediu “desculpas públicas” pela partilha desses dados, assumindo que foi “um erro lamentável que não podia ter acontecido”, e disse que soube do caso através da comunicação social.

Um mês depois de conhecida a divulgação de dados às autoridades russas, a Câmara de Lisboa aprovou por maioria (com oito votos a favor, seis contra e três abstenções) a exoneração do encarregado de proteção de dados do município e coordenador da equipa de projeto de proteção de dados pessoais, Luís Feliciano.

A presidente da CNPD, Filipa Calvão, ouvida no parlamento sobre esta matéria, defendeu que o encarregado de proteção de dados não deveria ser destituído, sublinhando que a responsabilidade deveria ser imputada apenas ao município.

Medina recusou que a exoneração do responsável tivesse servido como “bode expiatório” e definiu-a como uma necessidade para “restabelecer a confiança no funcionamento dos serviços”.

Questionado na altura sobre a polémica, o primeiro-ministro, António Costa, considerou não haver responsabilidades políticas a extrair da transmissão de dados, lamentando a ideia lançada de que a CML seria “uma espécie de centro de espionagem do senhor Putin”.

Também confrontado com o caso, o embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou em junho de 2021 que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes do protesto, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.

Já em janeiro de 2022, a CNPD multou a CML em 1,25 milhões de euros no processo relativo ao tratamento de dados pessoais de participantes em manifestações, depois de ter identificado 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.

A coima relativa à contraordenação pela ausência da avaliação do impacto sobre a proteção de dados poderia atingir 10 milhões de euros, enquanto as restantes 224 poderiam ir, cada uma, até aos 20 milhões de euros.