Foram pelo menos dez as mulheres que denunciaram casos de assédio sexual e moral à Comissão Independente do Centro de Estudos Sociais (CES), ocorridos “em atividades dirigidas por Boaventura de Sousa Santos e por outros membros da sua equipa, em quem delegava poderes”, entre 2000 e 2023.
O número é revelado pelo Público, que avança ainda que o dossier, composto por 213 páginas, foi entregue no passado sábado, 30 de setembro, dia em que terminava o prazo para a apresentação de queixas à Comissão Independente (CI), criada a 1 de agosto, após o lançamento do livro Sexual Misconduct in Academia, que contou com o artigo The walls spoke when one else would — inspirado no graffiti a dizer “Todas sabemos”, desenhado nas paredes do CES.
Este capítulo, escrito por três alegadas vítimas, Catarina Laranjeiro, Lieselotte Viaene e Miye Nadya, continha denúncias contra os investigadores Boaventura de Sousa Santos (apelidado “Professor Estrela”), Bruno Sena Martins (o “Aprendiz”) e Maria Paula Meneses (a “Sentinela”).
Apesar de o artigo, editado pela Routledge e publicado a 31 de março, ter saído de circulação, por receber ameaças, até da própria investigadora Maria Paula Meneses, levou a que outras mulheres apresentassem o seu testemunho e fizessem novas denúncias.
Foi o caso de nove mulheres, com nacionalidades portuguesa, brasileira, peruana, mexicana e espanhola, representadas pela advogada brasileira Daniela Felix, que confessaram que a publicação do artigo científico “foi decisiva” para que conseguissem falar. As alegadas vítimas reforçaram os seus casos com “cinco testemunhos escritos adicionais” e “ainda 18 testemunhas”, como detalha o comunicado enviado ao jornal Público.
Segundo o mesmo, estes testemunhos basearam-se “na memória de episódios”, sendo que o dossier entregue “contém um conjunto razoável de elementos probatórios”. “Além disso, no momento da entrevista com a comissão, iremos disponibilizar provas complementares”, acrescentou a representante do coletivo de vítimas na nota.
A décima denunciante é a ativista indígena mapuche Moira Ivana Millán, da Argentina, que acusou Boaventura de Sousa Santos de a agredir sexualmente após uma palestra e um jantar em 201o. Quando estas alegações foram tornadas públicas, o sociólogo desmentiu-as imediatamente, apelidando-as “acusações falsas e caluniosas”.
Tendo adjetiva como “exíguo” o período em que as vítimas puderam apresentar queixa — de sensivelmente dois meses —, as denunciantes apelaram ainda ao CES que fosse “mantido aberto um espaço para acolher vítimas que possam decidir apresentar denúncias num outro momento”.
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Todas assistimos à dimensão do poder de Boaventura de Sousa Santos e sofremos retaliações sempre que resistimos. Nunca encontrámos um espaço seguro no CES para abordar estas questões ou uma estrutura que fosse suficientemente forte para nos proteger”, acrescentaram no mesmo comunicado.
Já a direção do CES disse ao diário que a CI “trabalha com completa autonomia e independência, não tendo o CES acesso a qualquer informação relativa a eventuais denúncias que lhe tenham sido apresentadas”, acrescentando ainda que “até ao final do ano está prevista a produção de um relatório por parte do mesmo organismo”.