As Assembleias Gerais do Sporting são muito diferentes daquilo que se passava há alguns anos. Pela forma como agora decorrem com a votação a ser aberta logo no início da reunião magna quase como se fosse um ato eleitoral, pelo reduzido número de pessoas que ficam no Pavilhão João Rocha a ouvir os argumentos que são apresentados pelo Conselho Diretivo ou pelos associados que querem usar da palavra, pela maneira como não há aqueles habituais aglomerados de sócios que aproveitam a data para colocar a conversa em dia. No entanto, e como há muito não se via, voltou a haver muita discussão sobre um ponto em concreto, neste caso a possibilidade de voto eletrónico à distância salvaguardado nos Estatutos do clube. E foi esse ponto que levou a alguns momentos de maior discussão, com a expetativa do que poderia sair do resultado.

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Se a questão do Relatório e Contas do exercício de 2022/23 (com um lucro líquido de 431 mil euros entre os recordes de receitas a nível de quotização e a redução do passivo em 1,8 milhões), a atribuição do nome de Cristiano Ronaldo à porta 7 do Estádio José Alvalade e a venda de um imóvel que pertence ao clube em Benavente a pedido de um grupo de associados que pertencem reativar nesse espaço o Núcleo dos leões não mereciam grande discussão aparente, era no ponto 2 que entroncavam todas as atenções, perante a proposta que colocava nos Estatutos a possibilidade de voto eletrónico à distância, “que deve garantir o segredo do voto e a autenticidade do meio utilizado e dos resultados, sendo o processo assegurado por uma entidade independente ao clube e devidamente auditado”, sendo que para passar necessitava de 75%.

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Em princípio seria de 75% dos votos, como está nos Estatutos, afinal também poderia ser 75% dos sócios em número nominal, algo explicado pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, João Palma, tendo em conta o que está previsto no Código Civil para alterações de estatutos. Esse foi um dos pontos de interesse ao longo do dia, com um associado a perguntar também o porquê das entrevistas e artigos de opinião a defender uma proposta apresentada pelo Conselho Diretivo tendo em conta a posição que ocupa, algo explicado pela condição de sócio antes da condição de líder da Mesa. Mais tarde, Palma admitiu também ter recebido antes propostas de alteração de estatutos de grupos de associados que nunca chegaram a ser votadas depois em Assembleia Geral por considerar que a apresentação das mesmas não competia à Mesa.

Houve ainda mais um ponto extra discussão dos temas que seriam sufragados, quando um sócio perguntou ao vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral, Pedro Almeida Cabral, se não tinha nada a dizer depois do fim do processo Cashball após as críticas que fez aos então dirigentes do clube num caso que acabou com um arquivamento mas o assunto acabou por “morrer” por aí. Outros sócios foram usando da palavra, sendo que a cerca de três horas do fecho das urnas tinham votado menos de 2.000 associados, número que acabou por crescer e muito mais perto das 20h. O aproximar da hora de jogo do futebol com o Arouca pode explicar esse acréscimo mas o jornal O Jogo noticiou que chegaram entretanto autocarros de 51 centros de adeptos dos Núcleos. O Observador sabe que alguns sócios pediram para ficar dentro do Pavilhão João Rocha para assistirem à contagem dos boletins, que desta vez foram colocadas em quatro urnas separadas por pontos e não por números de votos (como é habitual), mas essa solicitação acabou por ser recusada.

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Os resultados seriam conhecidos mais de três horas e meia depois, com o ponto 2 a acabar chumbado apesar de ter merecido uma percentagem próxima dos 75% necessários: em 3.771 votantes que valiam 21.045 votos, votaram a favor 2.632 associados (69,8%) num total de 15.079 votos (71,65%). O Observador apurou que essa “recusa” acabou por apanhar de surpresa os responsáveis leoninos, que irão avaliar a Assembleia Geral para perceber se voltam ou não a apresentar a proposta. Os restantes pontos passaram, sendo que o que teve menor votação acabou por ser a porta 7 com o nome de Cristiano Ronaldo, com 70,49% de votantes e 75,59% de votos (os restantes passaram à vontade com mais de 80% de aprovação em votos e votantes).

“Os quatro pontos de uma forma geral tiveram votações acima de 70%. Foi clara a vontade dos sócios em aprovar os quatro pontos. O segundo ponto que quero destacar é que votaram 4% dos sócios elegíveis para votar. Uma das razões para este Conselho Diretivo trazer a discussão do voto eletrónico à distância era exatamente por noites eleitorais [neste caso, de Assembleias Gerais Ordinárias] como estas. Dos 4% elegíveis que vieram votar, 70% demonstraram que queriam uma mudança. É uma vitória esmagadora de quererem evolução nos estatutos mas uma vitória não suficiente para uma maioria qualificada de 75%. Isto significa duas coisas: não é a primeira vez que os sócios têm a ilusão de que as coisas passam por si. Não duvido que se tivesse existido uma participação de 5.000 ou 10.000 sócios, o segundo ponto também teria passado. Mas a vontade dos sócios é esta e respeitaremos. Enquanto presidente respeitarei sempre e não esquecerei que 70% das pessoas que votaram querem mudança. Não foi suficiente para 75% mas este assunto será revisitado”, comentou Frederico Varandas após o escrutínio.

“Não há maior risco que ter 400 ou 600 sócios a decidirem por mais de 140.000”

“Apresentamos o Relatório e Contas do exercício 2022/23. Um Relatório marcado pelo rigor e transparência das contas, associado à competitividade exigível às nossas equipas das mais variadas modalidades. Mas este exercício ficará na história do nosso clube pela concretização da maioria do capital da SAD pela conversão dos VMOC em ações, ficando o clube com 83,9% do capital da SAD. Prometido e cumprido. O futuro do Sporting ficou garantidamente nas mãos dos sócios do Sporting e não em nenhuma instituição bancária como muitos vaticinavam o Sporting estar condenado”, comentou Frederico Varandas na AG.

“Hoje, e garantido por estes órgãos sociais, o futuro do Sporting é decidido exclusivamente pelos sócios do Sporting. Mas nós não queremos que seja decidido apenas pelos sócios da região de Lisboa ou pelos sócios que têm tempo e condições financeiras para gastarem centenas de euros e várias horas de viagem só para virem votar numa assembleia qualquer do seu clube. Queremos que seja decidido por todos os sócios. Todos. Vivam eles perto ou longe do estádio José Alvalade, tenham eles muito ou pouco tempo livre, tenham eles muita ou pouca capacidade financeira. São sócios. E essa é a única condição que nos interessa. Não sei o que são notáveis, ilustres, os esclarecidos, os de Lisboa, os de fora, os emigrantes. Para nós só existe o sócio do Sporting. E para nós é um dever moral tentar garantir que todos, mas todos os sócios possam poder exercer o seu direito de voto em igualdade de circunstâncias”, prosseguiu no discurso feito no Pavilhão.

“Não é o distanciamento físico, nem a condição financeira as principais razões de apenas uma reduzida percentagem dos nossos sócios participarem nas assembleias gerais. Cerca de 77% dos sócios do Sporting são do distrito de Lisboa e Setúbal. Considerando o valor médio de participação das Assembleias Gerais dos últimos dez anos, chegamos à conclusão que nem 5% dos sócios da região de Lisboa e Setúbal votam. Significa isto que a principal razão para que os sócios não participem nas Assembleias é por falta de comodidade e disponibilidade. Hoje, o voto universal, o voto eletrónico à distância permite que todos votem em comodidade, sem perdas de tempo e em segurança. E dizemos em segurança porque para nós só existe uma maneira de implementar o voto eletrónico à distância: adjudicando este processo a uma das melhores empresas do sector. A uma empresa reputada, certificada e com sólida experiência no mercado. E com algo indispensável neste processo: independente e externa ao Sporting”, continuou o presidente leonino.

“Já sabíamos que mal lançássemos esta ideia viria alguém defender para que nada se mude, que nada se altere porque tem o risco A, B e C. Lembro-me bem quando a revolução digital chegou ao sector bancário, o medo que era de fazer transferências e pagamentos nos sites bancários. Lembro-me bem dos medos que havia ao fazer compras online. Hoje já fazemos tudo isso com uma naturalidade e com uma segurança que até fica difícil imaginar o que seria o nosso dia em dia sem estas simples ações. Mas sobre os riscos tenho de dizer-vos o seguinte: não há maior risco para o Sporting que ter 400 ou 600 sócios a decidirem por mais de 140.000. Isso é que tem riscos e basta recordar o passado recente do nosso clube para percebermos como esse risco é bem real e como o Sporting pagou bem caro. Ao ler a biografia de Winston Churchill, guardei uma frase para sempre: sempre que surge uma ideia boa e disruptiva, logo aparecerão três excelentes argumentos de iluminados para que nada se faça e tudo fique na mesma”, concluiu Varandas.