“Foi impressionante. Ela é dura, pá. Aguentou-se e tocou alheada de tudo o que se passava.” As palavras são de Bill Belichick, mítico treinador dos New England Patriots, que as proferiu depois de ter visto Taylor Swift atuar no seu estádio, o Gillette Stadium, em Foxborough, no Massachussetts, por baixo de uma chuva intensa. Umas semanas depois, Bill também não evitou comentar a relação de Swift com Travis Kelce — “tight end” dos Kansas City Chiefs, equipa que venceu a Superbowl em 2022: “Travis Kelce has had a lot of big catches in his career. This would be the biggest” (perdoem a falta de tradução, perdia-se a piada). Desde que foi anunciado o namoro que a cantora tem aparecido em alguns jogos dos Chiefs (nota: ela é adepta dos Philadelphia Eagles, que foram os derrotados na mesma final em que a equipa de Kansas City venceu) e as aparições até são usadas nas promoções de alguns jogos da NFL. Quase como se Taylor Swift fosse maior do que a NFL. E não será?
A relação de Taylor Swift e Travis Kelce foi muito comentada há umas semanas como uma espécie de campanha de marketing da cantora, a propósito do lançamento do filme Taylor Swift: The Eras Tour e do álbum 1989 (Taylor’s Version) (sairá a 27 de outubro). Criaram-se muitas teorias, coisas tão mirabolantes como relacionarem o nome “Travis” com o de um ator que apareceu nos primeiros vídeos do álbum ou a hipotética ligação entre a canção Red e as cores dos Chiefs. Mesmo que pertençam ao campeonato do disparate pop, estas teorias provam a constante necessidade que Taylor tem de se afirmar, de mudar as regras do jogo, de provar que é capaz do impossível. Há quem diga que ela gosta de estar nesse papel. Isso pouco interessa. Importa o que faz. Como, por exemplo, o impossível, que é esta The Eras Tour.
[o trailer de “Taylor Swift: The Eras Tour Concert Film”:]
Taylor Swift não fazia uma digressão desde 2018 — a Reputation Stadium Tour — e, desde então, editou quatro álbuns. Até Reputation , a cantora e compositora estava habituada a fazer digressões em volta de álbuns — algo que faz questão de mencionar no filme — e The Eras Tour nasce da vontade de voltar aos palcos para revisitar carreira e dez discos. Algo que se julgava impossível até a digressão começar a 17 de março. Surgiu a descrença sobre a capacidade de alguém fazer uma digressão com espectáculos de três horas e meia: diziam que Swift não iria aguentar, que o seu corpo iria estar sobre tanto stress que não iria ser capaz. Fez, aguentou e até deu alguns espectáculos por baixo da tal chuva intensa.
The Eras Tour, o filme, é mais um manifesto da cantora a dizer que tem controlo. Não é um documentário sobre a digressão, é um filme-concerto sobre o presente da sua vida. Ação promocional? Claramente. E depois? Quantos músicos antes dela arriscaram colocar no cinema aquilo que mais de meio mundo ainda vai ter de esperar para ver num estádio? Nenhum. Foi ela que assegurou a distribuição do filme nos Estados Unidos — para descontentamento de muitos —, avisando que a estreia iria acontecer muito em cima da data da mesma, assim baralhando por completo o sistema. Por cá, o filme é um exclusivo das salas NOS. A versão cinema de The Eras Tour tem “apenas” 168 minutos (algumas canções foram cortadas) e regista os últimos concertos da digressão norte-americana em 2023, no SoFi Stadium em Los Angeles, no início de agosto. Sem chuva, mas o esforço de Taylor Swift é notado e sentido.
Mesmo à distância, fora do estádio, ver The Eras Tour pela primeira vez num grande ecrã confirma que que o concerto é um evento e é, de facto, impressionante. Há qualquer coisa de bizarro em ver um filme sobre uma digressão ainda a decorrer; por outro lado há aquela sensação de que isto é um cheirinho do que irá passar por Portugal em maio do próximo ano. O filme é um magnífico gesto de Taylor Swift em registar o momento para a posteridade. Sam Wrench (que tem no currículo gravações de concertos de Billie Eilish, Lizzo e BTS) sabe disso e, nos primeiros minutos, transforma a cantora num gigante naquele palco, jogando de várias formas a centralidade da figura com o público em redor. Não há dúvidas de que a multidão está rendida, mas os planos da câmara de Wrench brincam também com a perceção da audiência do cinema, afirmando a cada segundo de que este é “O Momento” de Taylor Swift.
Taylor Swift. Afinal é ela que manda neste mundo? E até quando?
E é. Porque algo como The Eras Tour talvez seja irrepetível. Taylor Swift consegue tocar o repertório sem nos deixar a pensar que algumas daquelas canções têm mais de década e meia. Ainda consegue cantar as canções de Fearless como se estivesse em 2008 e atravessar fases posteriores da carreira sem se questionar mudanças e transições. Não é uma questão de idade, mas de atitude, de memória. Os temas das canções mudam, os cenários, os vídeos e o guarda-roupa transmitem uma série de outras ideias, mas em nenhum momento Taylor Swift parece afastada do que canta. The Eras Tour não é um concerto de greatest hits, é um passeio pela sua vida, de artista, de pessoa, de estados e realizações diferentes. Fazer isto acontecer num momento em que também está a regravar e a lançar os primeiros álbuns em modo “Taylor’s Version” pode ser o último momento em que Swift tem de revisitar muitas destas canções com o peso de quando foram criadas. Há que dar-lhe crédito por recuperar a adolescente nela própria quando canta canções de Taylor Swift ou mesmo de Fearless.
O que se vê no ecrã é tão admirável que, por vezes, até se questiona como é que aquilo pode funcionar num estádio, num palco, na vida real. Dúvidas sobre as quais poderemos argumentar daqui a uns meses. Em sala, a experiência é qualquer coisa. Apesar da sessão da noite do IMAX do Colombo não estar esgotada, era impressionante como às vezes não se percebia se certos sons vinham do público ou do filme. Em vários momentos reagia-se como se fosse um concerto, o ponto mais alto aconteceu com Shake It Off, quando algumas pessoas da sala se levantaram para dançar: o espetáculo é filmado de forma tão dinâmica e intensa que é normal que se seja iludido e transportado para o estádio.
A quente, é difícil de dizer se é um dos melhores filmes-concerto da história. Mas a mensagem de Taylor Swift passa, impressiona como consegue revisitar a carreira desta forma, incansável, criativa e grata por quem está do outro lado a vê-la e a ouvi-la. Quando Taylor agradece, faz-nos crer que é genuíno. Quando se move em palco como a maior estrela pop da atualidade e confirma que sem os seus fãs, sem o apoio que deles teve durante todas as mudanças que protagonizou ao longo de mais de década e meia, não poderia sentir-se como aquela pessoa. Taylor Swift tem o dom de expressar, fazer valer essa importância, de a relembrar em diferentes momentos do concerto. Faz muito dinheiro com isto, mas também proporciona aos fãs este inédito, que muitos outros artistas não teriam coragem para fazer: colocar em sala um concerto de uma digressão que ainda está a decorrer. Belichick está certo sobre Taylor Swift, ela é dura e não quer saber o que cai em cima dela. Nada a impossibilita de fazer o que acha que tem de ser feito.