Não é propriamente um cenário desconhecido, uma história por contar ou uma narrativa inédita. No desporto, tal como na música, no cinema ou na arte, são muitas as memórias de pais que projetam sonhos nos filhos e levam a exigência até níveis poucos razoáveis. No caso dos irmãos Ingebrigtsen, porém, a alegada exigência terá ido mesmo longe demais — e já está a ter consequências.
Jakob, Henrik e Filip, três irmãos noruegueses que competem essencialmente nos 1.500 metros, acusaram o pai de “violência física” e comportamento “agressivo e controlador” enquanto este cumpria as funções de treinador, garantindo que não têm qualquer relação com o progenitor desde há dois anos. Numa carta enviada ao jornal Verdens Gang, os irmãos Ingebrigtsen revelam que os episódios de violência ocorriam tanto em contexto pessoal como profissional.
“Escrever aquilo que estamos a escrever dói, em muitos sentidos. Dói porque afeta uma pessoa que significou muito para nós e para a nossa carreira. Crescemos com um pai que foi muito agressivo e controlador e que utilizou a violência física e as ameaças como parte da sua educação”, começam por referir os noruegueses de 23, 32 e 30 anos, que em conjunto somam várias medalhas em Europeus e Mundiais, para além de presenças em Jogos Olímpicos, sendo que Jakob é mesmo o atual campeão olímpico dos 1.500 metros depois de ter conquistado o ouro em Tóquio.
“Ainda sentimos o desconforto e o medo que nos acompanharam desde a infância. Vivemos com isso e, na idade adulta, seguimos em frente. Pensávamos que sim, pelo menos. Se olharmos para trás, percebemos que fomos ingénuos. Há dois anos, voltaram a ocorrer as mesmas agressões e castigos físicos e isso foi a gota que fez o copo transbordar. A situação por que passámos enquanto família era insustentável e devia ter sido travada antes. A pressão que sentimos foi desumana. Ficámos sem energia e a alegria de praticar desporto desapareceu”, acrescentam.
A relação conturbada entre pai e filhos já tinha ficado visível nos recentes Mundiais de Budapeste, em agosto, onde Jakob vetou a presença do pai na concentração da comitiva da Noruega — em que este estava incluído enquanto treinador de outro atleta, Narve Gilje Nordas, algo que forçou a separação da equipa em duas unidades hoteleiras distintas. Em comunicado, porém, Gjert Ingebrigtsen negou todas as acusações.
“As afirmações carecem de fundamento. Nunca utilizei a violência contra os meus filhos. Também me apercebi de que tenho fragilidades enquanto pai e de que fui demasiado treinador, mas só demasiado tarde. A nossa família viveu no foco público durante muitos anos e escolhemos deixar que o público entrasse nas nossas vidas através de séries de televisão, entrevistas e muito mais. Que tenha existido violência nesta vida familiar pública é impensável. O povo norueguês viu as nossas vidas, para o bem e para o mal. Estou longe de ser perfeito enquanto pai e marido, mas não sou violento”, atirou.
Por agora, a Federação Norueguesa de Atletismo já indicou que não vai atribuir a acreditação de treinador a Gjert Ingebrigtsen tanto para os Mundiais de pista coberta do próximo ano, em Glasgow, como para os Europeus de Roma, em Itália. Na mesma linha de pensamento, o organismo instou o Comité Olímpico do país a ter a mesma atitude relativamente aos Jogos Olímpicos de Paris de 2024.