O seu pessimismo vem sempre ao de cima. Até na conferência de apresentação do livro “A Crise do Capitalismo Drmocrático”, com a chancela da Gradiva, Martin Wolf, o economista e comentador do Financial Times, teve de responder ao tema sobre se é otimista ou pessimista. Cita (“talvez inadequado para um público respeitável”), mais uma vez (como o faz no livro e como já tinha feito na entrevista ao Observador), Antonio Gramsci: “o pessimismo da razão, otimismo da vontade”, para dizer que é obrigação moral trabalhar, defender e alcançar o melhor, mesmo que alguém esteja convencido que vai falhar. “Não sei se estou otimista, mas sei que o desespero é um pecado, e não é um pecado pelo qual esteja disposto a cair nele”.

Martin Wolf: “O sistema democrático (que acreditávamos ser duradouro, estável e bem sucedido) é frágil, instável e não tão bem sucedido”

Na audiência ouvia Martin Wolf um conjunto de gestores, ex-gestores, ex-políticos, académicos. Na primeira fila, Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro, ao lado de Leonor Beleza, ex-ministra social-democrata e que hoje preside à Fundação Champalimaud, onde foi a conferência do economista, conduzida por Pedro Brinca, professor de macroeconomia da Nova SBE, incluída nas Novas Conferências do Casino.

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“Que mundo nos espera? (Democracia, Autocracia e Caos)” era o tema da conferência e Martin Wolf falou dos desafios do mundo, o que, aliás, foi o ponto de arranque do seu livro, que começou a ser pensado em 2016 quando o mundo viu Donald Trump a ganhar as eleições norte-americanas e no Reino Unido o país votou pela saída da União Europeia. Dois momentos chave para o “pessimista” Wolf que garante ter considerado ser possível a vitória de Trump. E é a pensar em Trump e no que sucedeu, depois, quando perdeu as eleições de 2020, e dos episódios no Capitólio a 6 de janeiro de 2021, quando uma multidão entrou no edifício que Martin Wolf afirma: “Uma condição necessária para uma democracia é que os perdedores assumam a vitória. Os vencedores são legítimos. Essa é uma condição necessária. A democracia não durará muito quando aparecer alguém que perdeu a eleição e diz: ‘Eu não perdi a eleição. Ganhei a eleição’. Aí há um problema”. A declaração chega sem se referir aos acontecimentos de 6 de janeiro mas com a ironia: “Não consigo imaginar do que estou a falar.”

“As divergências são importantes, mas ainda fazem parte da mesma comunidade e podem conviver com o resultado”, assume Wolf, que não tem dúvidas: “A democracia americana está em ligada à máquina”.

A preocupação de Wolf não melhorou em relação aos Estados Unidos e também não é boa em relação a alguns países europeus, embora aplauda o resultado das recentes eleições polacas (pela dimensão do país e pela localização).

“A União Europeia vai continuar a enfrentar desafios nacionais importantes. Costumo dizer quando converso com amigos do continente europeu que os britânicos fizeram um grande favor porque decidiram partir e perceberam que não era uma ideia muito brilhante e muitas outras pessoas acabaram por ver isso”, realça Wolf, que se mostra contra o Brexit. Por isso para a União Europeia dar certo as pessoas, diz Wolf, têm de perceber que a alternativa é pior. O economista admite que viu o bloco europeu tremer em particular na crise da zona euro, e hoje diz acreditar que se não fosse Mario Draghi à frente do BCE possivelmente o projeto ter-se-ia desmoronado. “A tensão era enorme”. Agora, há questões geopolíticas em relação ao alargamento, que era inevitável que se estende-se ao leste, porque a Alemanha não iria permitir que os vizinhos não entrassem no comboio, até por uma questão de segurança e proteção.

“Era inevitável o alargamento. Havia muito em jogo. Eles vão insistir no alargamento, onde acabará é outra questão”, realça Wolf, mas o desenvolvimento da União Europeia também não pode ser dissociado do que acontece nos estados Unidos, mas não vê que o caminho europeu seja uma federação.

“Se pudesse fechava as redes sociais, mas isso não vai acontecer”. Foi assim que Wolf abordou o tema das redes sociais, dizendo que não sabe como resolver o seu papel. A democracia, concretizou, é um sistema em que o poder é entregue às pessoas com base num debate nacional que não pode deixar de ser feito sem a partilha de factos. E isso fica limitado. Moveu-se para “tribos leais” identificadas com uma pessoa, o que “é muito assustador”. “Não sei como se volta atrás disso”. Sem estes media, o Brexit talvez não tivesse acontecido, já que houve mensagens e argumentos que foram transmitidos que eram um disparate e as propostas também e “não foram contestadas devidamente”.  Martin Wolf acredita que este é um risco para a própria democracia.

Um tema que não fugiu da agenda foi o do descontentamento das sociedades e as desigualdades existentes que reforçam o ceticismo pela democracia capitalista. Wolf acredita que hoje o nível de vida não está a melhorar de forma tão rápida como há uns anos e isso cria tensões e insatisfações. O desempenho económico deteriorou-se o que teve um efeito dramático na situação de muitas pessoas de baixo e médio-baixo rendimentos.

E hoje a inovação tecnológica não está a gerar aumentos na produtividade. Os setores que têm maiores crescimentos tornaram-se pequenos. Já quase não há indústria e “ficámos com os setores” intensivos em mão de obra, mas que é difícil transformar pela tecnologia, como a educação, saúde, até os serviços de entrega, o turismo.

A produtividade estagnou e há, por outro lado, um conflito intergeracional. Os mais jovens não veem os níveis de vida a aumentar de forma como acontecia, e os são menos que os mais velhos.