O encenador João Mota, que vai estrear “As alegres comadres de Windsor” no Teatro da Comuna, em Lisboa, no próximo dia 2 de novembro, considera esta peça de William Shakespeare uma comédia com registo de farsa.

Para o diretor artístico e fundador da companhia, “As alegres comadres de Windsor” constituem “um hino às mulheres, à inteligência das mulheres que os homens, infelizmente, ainda não têm”, uma inteligência que lhes permite “brincar com todos”.

Estreada em 1602, provavelmente escrita nos últimos anos do século anterior a pedido da rainha Isabel I de Inglaterra, segundo a lenda, a peça “As alegres comadres de Windsor” é a única escrita exclusivamente em prosa, centrando-se em Falstaff, personagem que o autor já incluíra nas duas partes de “Henry IV” e em “Henry V”.

João Mota confessa o interesse nesta personagem que considera “verdadeiramente espantosa”: além de beber, personifica tudo que é luxúria e pecado; “pecado inclusive de dinheiro, porque a troco de tudo que faz, Falstaff vai exigindo um título”.

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O encenador afirma por isso tratar-se de uma peça “muito, mesmo muito, muito, muito atual”, equiparando-a aos atuais presidentes de Câmara ou de junta de freguesia que também não querem perder regalia alguma.

Toda a peça trata de “lobby e de amiguismo”, frisou, ressalvando outro lado importante, que reside “no triunfo do amor, como quase todas as peças de Shakespeare”.

“Tal como hoje na vida, tudo se compra e tudo se vende”, observou João Mota, aludindo depois à situação de guerra entre Israel e Palestina, à guerra da Ucrânia ou à forma como “a Pérsia” — referindo-se ao Irão — “está a entrar no jogo nos dois lados”.

Falstaff, fidalgo em decadência, protagonizado por João Grosso, nesta encenação, tenta conquistar duas mulheres casadas com maridos ricos, desconhecendo que são comadres, no intuito de as enganar.

Num cenário despojado onde figura apenas uma parede e quatro portas — onde pontualmente é colocado um banco e numa única vez um pequeno móvel de apoio —, o casamento de Ana Page é outra das tónicas do texto, servindo como alavanca de ascensão social.

O casamento “aqui é visto como uma coisa de época”, mas numa situação que ainda acontece, porque “ainda hoje as pessoas ricas casam-se com os ricos e os pobres têm de se casar com os pobres”, frisou João Mota.

O texto que João Mota põe agora em cena é a tradução de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), levada à cena no Teatro D. Maria II, onde João Mota também gostava de a ter feito quando dirigiu aquele teatro no Rossio, entre 2011 e 2015, e que o encenador ainda recorda.

“O Nacional fez a peça toda; tinha três horas. Numa semana fazia o Costa Ferreira, noutra semana o Ruy de Carvalho”, disse, referindo-se à personagem Falstaff e aos atores que a interpretaram, acrescentando que o elenco contava ainda com Lourdes Norberto e Fernando Curado Ribeiro.

Como se tratava de uma peça muito longa, João Mota pediu há uns anos ao professor e escritor João Maria André para fazer uma adaptação, e só agora a põe em palco.

Além da atualidade da peça de Shakespeare, João Mota enfatizou ainda o facto de ser um texto “brejeiro”, o que lhe agrada muito, até porque, “hoje, sem brejeirice, a farsa perde muito”. Daí que, mais do que a abordagem de uma comédia, tenha também posto esta peça em cena “ao jeito” do autor de ‘vaudeville’ Feydeau”, afirmou.

A interpretar o espectáculo estão também Gonçalo Botelho, Almeno Gonçalves, Francisco Pereira de Almeida, Hugo Franco, Luis Gaspar, Rogério Vale, Miguel Sermão, Maria Ana Filipe, Margarida Cardeal, Sofia Grilo, Luciana Ribeiro e Renato Godinho.

“As alegres comadres de Windsor” vão estar em cena até 17 de dezembro, com sessões à quarta e quinta-feira, às 19h00, à sexta e ao sábado, às 21h00 e, ao domingo, às 16h00.