“Sobre L’Adamant”

O documentarista francês Nicolas Philibert (Ser e Ter, La Maison de la Radio), ao qual a Cinemateca está a dedicar uma retrospetiva ao longo deste mês, centrou o seu novo filme numa inédita estrutura flutuante instalada em pleno Sena (o L’Adamant do título), em Paris, uma barcaça concebida e construída para dar assistência psiquiátrica a pessoas com problemas mentais, e onde a arte e as atividades artísticas têm um papel terapêutico fundamental. Philibert segue e ouve médicos, cuidadores e sobretudo os pacientes e as suas histórias e opiniões, destacando o carácter informal e muito próximo da organização, das várias atividades e das relações entre os que trabalham na instituição e os que a frequentam, e o convívio e o calor humano que lá existem, e na qual aqueles têm voz atuante no dia-a-dia. Só no final, em duas ou três legendas antes da ficha técnica, é que o cineasta explica as origens do L’Adamant. O filme (que ganhou o Festival de Berlim este ano) podia ter dedicado um pouco mais de tempo a essa história, e teria ficado mais completo se o tivesse feito.

“Dalíland”

Ben Kingsley interpreta um já idoso e bastante frágil Salvador Dalí nesta fita de Mary Harron, e faz a festa, deita os foguetes e apanha as canas. Passado no início dos anos 70, o filme inventa a personagem de um jovem apaixonado por arte e admirador de Dalí, James Linton (Christopher Birney), que trabalha na galeria de Nova Iorque que representa o artista nos EUA, e que se vê designado de urgência para o ajudar a montar a sua nova exposição na cidade, que está atrasada porque ele ainda não pintou quadros suficientes. Linton entra assim no extravagante círculo íntimo de Dalí, ou Dalíland, que inclui desde outros artistas e gente do espectáculo (como Amanda Lear ou Alice Cooper), a admiradores e aproveitadores descarados. O argumento, da autoria de John Walsh, marido da realizadora, combina histórias e factos reais e biográficos com outros inventados, e dá todo o espaço  a Kingsley (também produtor executivo) para personificar Dalí nos seus momentos mais geniais e excêntricos, como nos patéticos e humilhantes, e na sua complicada e arrebatada relação com a mulher e musa Gala (Barbara Sukowa).

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“Não Abras”

Terror sobrenatural e questões de identidade cultural entrançam-se em Não Abras, de Bishal Dutta. Uma adolescente indiana-americana, Sam (Megan Suri), com pais tradicionalistas, começa a ser perseguida por um demónio que se apoderou de uma amiga e colega de escola, e foi trazido da Índia para os EUA por outra família, cujo filho matou e arrasou-lhes a casa. A criatura só pode ser combatida com preces e invocações indianas, e a família de Sam acaba também por ser envolvida no horror. Quaisquer pretensões de originalidade e de diferença que o realizador tivesse, desvanecem-se à medida que Não Abras se vai transformando num “monster movie” convencional, e sobretudo quando o demónio (de aspecto nada convincente e com a dentadura de um “alien” ) se manifesta e Sam começa a lutar com ele, até à forma insólita como a situação é resolvida, e que aparenta deixar uma porta aberta para uma parte 2. E já agora, andar por todo o lado com um demónio preso num frasco de vidro não é lá muito boa ideia…

“O Rapaz e a Garça”

Inspirado num livro juvenil publicado em 1937, How do You Live?, de Genzaburo Yoshino (e que aparece a certa altura no quarto do protagonista), O Rapaz e a Garça poderá (ou não) ser o derradeiro filme de animação do octogenário mestre japonês Hayao Miyazaki. A história passa-se em 1943, em plena II Guerra Mundial, e tem um protagonista masculino — pouco habitual na obra de Miyazaki —, o jovem Mahito, que perde a mãe quando o hospital em que esta trabalha é bombardeado pelos americanos e vai mais tarde viver para o campo, num casarão da família. Entretanto, o pai voltou a casar-se, com a cunhada, Natsuko, que é parecidíssima com a irmã e está grávida. Ali chegado, Mahito começa a ser perseguido e incomodado por uma garça falante, que esconde dentro de si um estranho homenzinho com um nariz enorme e dentes horríveis, e que lhe diz que a mãe afinal não morreu. O Rapaz e a Garça foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.