O foco já esteve em Espanha, Áustria, França ou Itália e, neste momento, incide sobre a Alemanha. Desde 2007, ano após ano, o conceito de país-tema (ou região, ou entidade geográfico-cultural) vem servindo de fio condutor a cada nova temporada na Casa da Música, no Porto. Ora, chegou a vez de Portugal, anunciou o diretor artístico e de educação, António Jorge Pacheco, nesta quinta-feira, ao apresentar a programação para 2024. Há várias razões para justificar a escolha, mas a primeira é esta: no ano que se avizinha, comemoram-se os 50 anos do 25 de abril. E a festa também passa por ali.
Num programa que tem como pano de fundo a música nacional e os seus criadores, entre solistas, compositores e maestros, não faltam propostas de diversos géneros, para diversos públicos, mês após mês. E abril traz nova edição do festival Música & Revolução, desta vez centrado nos 50 anos da Revolução dos Cravos. Pretende-se recordar e celebrar “os compositores da resistência, que viveram os períodos difíceis da ditadura, com muito pouca ou nenhuma liberdade, e às vezes até com a perda dela”, nas palavras de António Jorge Pacheco; mas sobretudo atentar nas “portas que se abriram” para aqueles que, no pós-25 de abril, beneficiaram, por fim, das “liberdade de criação e circulação internacional”.
José Afonso, Emmanuel Nunes e Carlos Paredes são só algumas das figuras evocadas num festival que visa “celebrar o que o 25 de abril permitiu e nos trouxe”, na expressão do diretor artístico da Casa da Música. O arranque é no dia 19 de abril, com estreias mundiais a cargo de Daniel Moreira e Vasco Mendonça — o primeiro debruça-se sobre poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen ligados à Revolução dos Cravos, pondo em campo a Orquestra Sinfónica, o Coro Casa da Música e o Coro Infantil. Vasco Mendonça, por seu lado, apresenta uma composição assente em poemas norte-americanos que abordam temáticas como o racismo e o neocolonialismo.
Já no dia 23 de abril, tem lugar uma homenagem a Carlos Paredes, levada a cabo por Maria Sá Silva, que fez arranjos para harpa das obras para guitarra daquela “figura incontornável da vida musical portuguesa”, na expressão de António Jorge Pacheco. E, no dia seguinte, “Venham mais 300” traz à memória a obra de José Afonso num “formato completamente inusual”: uma orquestra de 100 flautas, 100 clarinetes e 100 saxofones; ao todo, três centenas de músicos, de escolas vocacionais e de bandas filarmónicas. Outro destaque prende-se com o espetáculo “Abril”, agendado para dia 26. Celebrar a liberdade, a democracia e o fim da Guerra Colonial é o objetivo desse projeto artístico comunitário que envolve ex-combatentes do exército português, jovens músicos e estudantes de dança.
O Música e Revolução é um dos festivais mais longevos da Casa da Música. Arrancou em 2007, motivado pela Revolução dos Cravos (tanto que a primeira edição foi dedicada a José Afonso), e foi conhecendo diferentes abordagens. Houve até uma edição sobre o maio de 68 e o que se passou na altura, em termos de composição musical. “Sendo que o pano de fundo era sempre o 25 de Abril, nunca houve um Música & Revolução que se centrasse no tema e evocasse a diferença que há e houve, em Portugal, entre o antes e o depois do 25 de Abril”, sublinhou António Jorge Pacheco, em declarações à margem da sessão. “As novas gerações, se calhar, já estão um bocado afastadas desse período histórico de há 50 anos, mas nunca é de mais relembrar que houve um 25 de Abril que mudou radicalmente o rumo de Portugal e a vida das pessoas. Na música também.”
Mas primeiro… “À nossa!”
Abrindo o leque, verificamos que as “Narrativas da temporada” decorrem a um ritmo praticamente mensal, logo a partir de janeiro. “À nossa!”, uma espécie de “brinde à música portuguesa”, nas palavras António Jorge Pacheco, surge nas primeiras páginas da agenda. Em fevereiro, chega “Invicta.Música.Filmes”, o habitual ciclo que alia música e cinema. Em março, há concertos de Páscoa. Maio traz o ciclo “Rito de primavera”. Entre junho e setembro, celebra-se a música com formatos mais acessíveis ao grande público, muitos concertos de entrada livre. Em outubro, regressa o festival “Outono em jazz”. Em novembro, retoma-se um clássico: o festival “À volta do barroco”. Em dezembro há “Música para o Natal”. E pelo meio não faltam sugestões para encher os dias de música, seja erudita, rock ou jazz.
Na base da programação “Portugal 2024” está um repertório que compreende uma seleção de música produzida por artistas nacionais, desde o Renascimento até hoje. Também são chamados a participar intérpretes portugueses na música erudita e popular, muitos dos quais “têm agora as suas carreiras estruturadas como solistas ou membros de grandes orquestras, no estrangeiro”, como notou o diretor artístico da Casa da Música. Entre eles, conta-se o acordeonista e compositor João Barradas, “artista muito versátil” que vai estar em residência (lá iremos). Grandes compositores que passaram por Portugal e cá deixaram a sua marca vão ser, igualmente, tidos em conta.
No ano que se aproxima, continua a aposta na produção própria, em vários domínios. Entre os agrupamentos residentes está a Orquestra Sinfónica, que se “mantém um dos pilares da Casa”, com concertos a um ritmo quase semanal, e que se distribui por diferentes séries (“Clássica”, “Fora de Série”, “Descobertas” e “Famílias”), para ir ao encontro de diferentes públicos, segundo António Jorge Pacheco. O Remix Ensemble continua rente às “principais tendências da música contemporânea, nacional e internacional”, mostrando como ela é diversa, como abarca diferentes estilos. Não faltam espetáculos da Orquestra Barroca nem dos coros adulto e infantil. Há ainda várias iniciativas a decorrer no âmbito do Serviço Educativo, entre elas uma novidade que, no fundo, são duas: os ciclos de concertos “Future Rocks” e “Future Jazz”, que põem em palco jovens estudantes de música.
Há novidades também nas residências artísticas. O primeiro jovem compositor em residência, em 2007, foi Vasco Mendonça, que agora surge como o compositor em residência principal. Acresce que foi criada, pela primeira vez, a figura do maestro em associação — o premiado maestro Nuno Coelho, que vai dirigir três concertos com a Orquestra Sinfónica. Quanto ao artista em residência, já foi dito, é João Barradas, que há de subir ao palco para dois concertos com a Orquestra Sinfónica e um de jazz, a provar a sua versatilidade. Falta apresentar a jovem compositora em residência: é Sara Ross, a quem foram feitas três encomendas, em diferentes formatos.
Entre os espetáculos projetados para o ano que vem contam-se alguns regressos, como o de Maria João Pires, que atua no âmbito do Ciclo de Piano, assim como Mário Laginha, entre outros. No que toca à música popular, espera-se concertos de nomes bem distintos, e de diversas latitudes — de Nitin Sawhney a Tomatito, passando por vultos familiares, como Manel Cruz, Táxi, Best Youth ou Rui Horta com Micro Audio Waves. Ou não fosse este o ano de Portugal, pelo menos na Casa da Música.