O encaminhamento de grávidas do Hospital de Santa Maria, cuja maternidade está em obras, para o Hospital São Francisco Xavier vai terminar no último dia de 2023. A partir de 1 de janeiro, os obstetras do Santa Maria que têm garantido (embora com várias falhas no último mês) parte das escalas da Urgência de Ginecologia e Obstetrícia no São Francisco Xavier deixarão de o fazer. A apenas dez dias de 2024, a Direção Executiva ainda não divulgou a solução de encaminhamento a implementar no próximo ano, nem informou o Hospital de Santa Maria quanto ao destino das grávidas seguidas no maior hospital do país.

A decisão de interromper a participação de obstetras do Santa Maria nas escalas do Hospital de São Francisco Xavier foi tomada pelo Conselho de Administração (CA) do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN, que integra o Santa Maria e o Pulido Valente), numa deliberação com data de 15 de novembro, a que o Observador teve acesso.

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No ponto 5, é “deliberada a não realização de mais escalas a partir de 1 de janeiro de 2024 de profissionais do CHULN para colaborarem com as equipas em funcionamento integrado da urgência de Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Francisco Xavier, ao abrigo do protocolo celebrado com o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, no âmbito da operação Nascer em Segurança no SNS.

Ao Observador, fonte do Hospital de Santa Maria diz, no entanto, que a decisão do CA (ainda liderado por Ana Paula Martins, que renunciou ao cargo, mas que se vai manter como presidente até haver uma nova equipa nomeada) foi apenas “um pró-forma” e seguiu a indicação dada pela Direção Executiva do SNS.

Dias antes da reunião do CA do Santa Maria — que tomou a decisão de não integrar as equipas da urgência de Ginecologia e Obstetrícia do São Francisco Xavier em 2024 –, o organismo liderado por Fernando Araújo reuniu com os dois hospitais e decidiu rever o protocolo entre o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (que abarca o São Francisco Xavier) e a CHULN e que tinha sido a própria Direção Executiva a impor, em abril, quando se soube que a maternidade do Hospital de Santa Maria iria ser requalificada, com o início das obras previsto para agosto — no entanto, esse prazo acabou por não se concretizar, segundo o ex-Diretor do Departamento de Obstetrícia-Ginecologia e Medicina de Reprodução Diogo Ayres de Campos, que, ao Observador, garantiu que as obras só começaram “há cerca de um mês” e “não devem durar menos de 9 meses”.

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Uma possibilidade, segunda a mesma fonte de Santa Maria, é reabrir parte da urgência de Obstetrícia e Ginecologia naquele hospital já a 1 de janeiro, conciliando o atendimento com as obras que estão em curso. No entanto, não se sabe que parte do serviço de urgência poderá regressar a Santa Maria já em janeiro. Certo é que, a apenas dez dias de 2024, a Direção Executiva do SNS ainda não divulgou a solução de encaminhamento a aplicar às grávidas do Hospital de Santa Maria no próximo ano. O próprio hospital não sabe que indicações transmitir às suas utentes, queixa-se a mesma fonte. Contactada pelo Observador, a DE-SNS não respondeu às questões colocadas.

“Não se sabe o que vai acontecer às grávidas do Santa Maria que estão perto da data de parto, é muito estranho”, diz uma outra fonte do hospital, ouvida pelo Observador. Se a opção for reabrir parte da urgência em Santa Maria, essa decisão poderia ser vista como um recuo da parte da Direção Executiva e do próprio hospital, que sempre recusaram a possibilidade de manter o serviço de urgência em funcionamento enquanto decorressem as obras. Esse foi, aliás, o principal motivo de discórdia entre o Conselho de Administração do CHULN e os médicos Diogo Ayres de Campos (ex-Diretor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia) e Luísa Pinto (ex-diretora do Serviço de Obstetrícia), que foram exonerados do cargo, em junho, por terem “de forma reiterada, têm posto em causa o projeto de obra e o processo colaborativo com o Hospital São Francisco Xavier, durante as obras da nova maternidade do HSM [Hospital de Santa Maria]”.

Eu sempre afirmei que não era necessário ir para o São Francisco Xavier para fazer as obras no HSM“, relembra Diogo Ayres de Campos. Foi essa decisão, somada às exonerações dos diretores de serviço, que acabou por gerar um forte descontentamento no seio dos obstetras. “Foi dito que iriam a título voluntário e, ao mesmo tempo, isso foi sendo apresentado como um facto consumado”, sublinha o médico.

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Já no final de junho, o diretor interino do Diretor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Alexandre Valentim Lourenço (e que ainda se mantém no cargo), admitia que alguns médicos não se sentiam “confortáveis” com o processo de transição para o Hospital São Francisco Xavier e que “há sempre um risco de desagregação das equipas nestes processos”.

O receio acabou por se cumprir, com sete médicos a rescindirem contrato com o hospital. “Sete médicos saíram, como avisei que iria acontecer após as exonerações, e quatro estão de licença de maternidade”, adianta Diogo Ayres de Campos. Uma redução significativa dos obstetras que afetou a capacidade do Santa Maria de preencher as escalas no São Francisco Xavier. “Desta forma, não é possível manter as escalas”, diz o ex-diretor de Departamento. Nas últimas semanas, têm-se, aliás, sucedido os encerramentos da Urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, sempre nos turnos que deveriam ser assegurados pela equipa vinda do Hospital de Santa Maria.