Os portugueses que tirem no estrangeiro uma licenciatura ou um mestrado reconhecido em Portugal e que venham trabalhar para o país também podem, afinal, ter acesso ao “prémio salarial” que, na prática, corresponde à devolução das propinas, até um certo limite, pelo número de anos que durou o curso. O mesmo se aplica a estrangeiros que estudem fora de Portugal mas venham trabalhar para cá, confirmou o Ministério do Ensino Superior, ao Observador.
O mecanismo que permitirá a devolução das propinas (que o Governo denomina agora como “prémio salarial”) estava previsto no Orçamento do Estado para 2024 e o decreto-lei que o cria foi publicado esta quinta-feira em Diário da República. Segundo o fiscalista da Ilya Luís Leon, em declarações ao Observador, não há no decreto “nenhuma limitação” que impeça um licenciado ou mestre, seja português ou estrangeiro, que tirou o curso fora, de receber o prémio — desde que venha trabalhar para Portugal.
Na visão de Luís Leon, o desenho que o prémio agora tem é diferente daquilo que foi anunciado pelo Governo: “É um incentivo para que, independentemente de onde tirou o curso, venha trabalhar para Portugal”, e não um incentivo a que quem cá estudou por cá fique, analisa.
Segundo o fiscalista, além de a redação do decreto-lei permitir a portugueses que tiraram o curso fora beneficiar da medida, não impede que o prémio seja pago a estrangeiros que tenham tirado o curso fora de Portugal se vierem trabalhar para território português (e aqui sejam residentes fiscais). Ambas as possibilidades foram confirmadas pelo Ministério do Ensino Superior, ao Observador, já após a publicação deste artigo. As licenciaturas e os mestrados têm, porém, de ser reconhecidos em Portugal.
Decreto vai mais além do anunciado
A redação do decreto-lei é diferente do anunciado por António Costa, a 6 de setembro, quando falou pela primeira vez publicamente sobre a medida: “Em cada ano de trabalho em Portugal iremos devolver cada ano de propinas pagas em Portugal“, disse, na altura. No relatório que acompanhou a proposta de Orçamento do Estado para 2024, também se lia que a medida “será aplicada a todos os estudantes do ensino superior, público e privado, e cuja licenciatura ou mestrado tenham sido frequentados numa instituição portuguesa de ensino superior”.
Mas o decreto-lei publicado esta quinta-feira define que podem receber o prémios os trabalhadores com um “grau académico de licenciado ou mestre, ou de grau académico estrangeiro reconhecido, com data de atribuição no ano de 2023 ou seguintes, inclusive, considerando-se como tal o primeiro grau académico obtido pelo beneficiário atribuído por instituições de ensino superior nacionais, públicas ou privadas, ou reconhecido em Portugal“; que tenham auferido rendimentos de categoria A ou B do IRS (ou seja, trabalhadores dependentes e independentes); tenham, no ano de atribuição do prémio salarial, até 35 anos de idade (inclusive); sejam residentes em território nacional; e tenham a situação tributária e contributiva regularizada.
O decreto esclarece que se entende por “graus académicos estrangeiros” aqueles que sejam “objeto de reconhecimento automático, reconhecimento de nível ou reconhecimento específico” nos termos do regime jurídico em vigor para o reconhecimento de graus atribuídos por universidades estrangeiras.
Segundo o decreto-lei, e neste caso em linha com o que já tinha sido anunciado por António Costa, o prémio terá um limite de 697 euros por ano nas licenciaturas (a propina máxima numa universidade pública para o ano letivo 2023-2024) e 1.500 euros por ano no caso dos mestrados. Se for mestrado integrado, aplicam-se os mesmos valores, respetivamente, para o período correspondente à licenciatura e para o período do mestrado.
Entre (muitas) dúvidas, anúncio de Costa deixa uma certeza: as propinas não vão acabar
O prémio é pago anualmente durante o mesmo número de anos da duração normal do curso. Ou seja, se a licenciatura for de três anos, o jovem terá direito à devolução da propina anual durante os três anos após a conclusão do curso, a partir de 2023. Mas apenas se ficar a trabalhar em Portugal. Sobre o prémio não incide IRS nem contribuições para a Segurança Social.
A atribuição não será automática. De acordo com o decreto-lei, “é requerido pelo sujeito passivo em formulário eletrónico, após a obtenção do grau académico de licenciado ou de mestre, ou do reconhecimento do grau académico estrangeiro”. O pagamento é efetuado pela Autoridade Tributária, por transferência bancária, através do IBAN constante no sistema. O prémio é pago “por abate à receita de IRS”, o que significa que o prémio deverá ser atribuído apenas aquando da entrega do IRS. Ou seja, se terminou o curso em 2023, só em 2024, com a liquidação do IRS de 2023, é que o deverá receber.
O decreto determina, ainda, que terá de ser publicada uma portaria pelas Finanças com o “âmbito, procedimentos e demais condições específicas de operacionalização que se revelem necessárias ao apuramento, atribuição e pagamento” do apoio.
Quem terminou o curso antes de 2023 também pode vir a receber
O decreto prevê um “regime transitório” que permite a alguns alunos que terminaram o curso antes de 2023 receber o apoio, mas apenas desde que tenham começado a trabalhar há menos anos do que o número de anos que decorreu o curso. E apenas “pelo número de anos remanescente”. Por exemplo, segundo Luís Leon, quem teve uma licenciatura de três anos que terminou em 2021 e esteja a trabalhar em Portugal, apenas receberá o prémio referente a um ano (e no IRS referente a 2023). Já se a licenciatura tiver sido de quatro anos, pode beneficiar em 2023 e 2024.
“Os beneficiários que tenham concluído um grau académico elegível em ano anterior a 2023 podem beneficiar do prémio salarial desde que o número de anos subsequente à atribuição daquele grau académico seja inferior ao número de anos equivalentes ao ciclo de estudos respetivo”, lê-se no decreto-lei, que acrescenta: “os beneficiários podem receber o prémio salarial pelo número de anos remanescente”.
No Orçamento do Estado para 2024, o Governo estima que a devolução das propinas (o “prémio salarial”) custe 215 milhões de euros.
Artigo atualizado com confirmação do Ministério do Ensino Superior sobre elegibilidade de portugueses e estrangeiros que estudem fora de Portugal