Era um quase desconhecido com um cartão de visita onde constava uma Taça UEFA acabada de ganhar pelo Gotemburgo. Quando aterrou pela primeira vez em Portugal, no ano de 1982, poucos poderiam pensar que ali estava um treinador que mudaria a história do Benfica e do próprio futebol nacional. Ao longo de duas passagens pelos encarnados, Sven-Göran Eriksson desafiou a maldição de Béla Guttmann apesar dos dois desaires em finais europeias no início dos anos 80 e depois de 90. Mais do que isso, deixou uma marca. Uma marca de cavalheirismo, de respeito, de classe e de processos à frente do tempo que tiveram o condão não só de fazer história na Luz mas de deixar uma imagem positiva entre os rivais. Eriksson era “só” Eriksson.

Eriksson. “Uma palavra em português? Benfica”

Afastado do futebol como treinador desde 2019, quando teve aquela passagem relâmpago sem sucesso pela seleção das Filipinas, Eriksson, de 75 anos, manteve a ligação possível à modalidade entre comentários episódicos sobre um determinado tema ou jogador e análises a jogos ou figuras. Agora, o seu jogo passou a ser outro. E de uma forma quase crua, sem filtros, revelou que foi diagnosticado com um cancro terminal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Toda a gente acha que eu tenho uma doença que não é boa. Toda a gente acha que é cancro e é. Mas tenho de lutar o máximo que puder. Tenho talvez, na melhor das hipóteses, um ano de vida. Na pior das hipóteses, ainda menos. Ou, na melhor das hipóteses, suponho que ainda mais. Não creio que os médicos possam ter uma certeza absoluta, eles não têm uma data”, contou o antigo técnico ao programa P1, numa revelação que não demorou a chegar a vários cantos do mundo, sobretudo a Inglaterra onde passou pelo comando da seleção e deixou também essa marca forte apesar de nunca ter conquistado um grande título.

“É melhor não pensar nisso. Temos de enganar o cérebro. Podia ficar a pensar nisso o tempo todo e ficar sentado em casa a sentir-me infeliz, pensar que não tenho sorte e por aí em diante.. É fácil acabar nessa posição. Mas não, vejo o lado positivo das coisas e não me enterro em contratempos, até porque este é o maior revés de todos, claro”, acrescentou ainda Eriksson na mesma entrevista ao P1, explicando que foi por causa do cancro que se afastou do futebol em fevereiro quando era diretor desportivo do IF Karlstad.

Depois de uma carreira modesta como lateral direito na Suécia em clubes como Torsby IF, SK Sifhälla ou KB Karlskoga FF, Eriksson começou a carreira de treinador em 1977 no Degerfors IF com apenas 29 anos (e foi aí que se sagrou campeão do terceiro escalão), tendo atingido o primeiro momento de glória no Gotemburgo entre 1979 e 1982, quando conquistou a Taça UEFA frente ao Hamburgo com triunfos nos dois encontros da final (1-0 em casa, 3-0 fora). Foi esse sucesso que convenceu Fernando Martins, então líder do Benfica, a apostar no sueco em 1982, numa primeira passagem pela Luz de dois anos onde foi bicampeão, ganhou uma Taça e foi a nova final da Taça UEFA, com derrota frente ao Anderlecht (0-1 na Bélgica, 1-1 em Lisboa).

Em 1984, Eriksson mudou-se para a Itália, estando três temporadas na Roma com a conquista de uma Taça e um segundo lugar na Serie A antes de rumar à Fiorentina, onde treinou os viola durante duas épocas. Foi aí que João Santos, que sucedera a Fernando Martins na presidência dos encarnados, conseguiu resgatar o sueco para mais três épocas na Luz, onde foi campeão, ganhou uma Supertaça e voltou a uma final europeia, neste caso da Taça dos Clubes Campeões Europeus contra o AC Milan (0-1). A Serie A voltaria a ser o destino de Eriksson a partir de 1992, com cinco anos na Sampdória com uma Taça antes de quatro que seriam dos melhores de sempre na história da Lazio (de Fernando Couto e Sérgio Conceição, entre outras estrelas): foi campeão transalpino em 2000, ganhou a Taça dos Vencedores das Taças em 1999 (2-1 ao Maiorca) após ter perdido na época anterior a final da Taça UEFA (Inter, 0-3), conquistou a Supertaça Europeia de 1999 (1-0 frente ao Manchester United) e ainda somou mais duas Taças e outras tantas Supertaças italianas.

Eriksson garante que Benfica tentou, mas AC Milan era “muito forte” em 1990

Seriam esses os últimos troféus de Eriksson, que depois dos laziale assumiu a seleção inglesa até 2006 sem o ambicionado grande título entre duas derrotas consecutivas nas grandes penalidades frente a Portugal nos quartos do Europeu de 2004 e do Mundial de 2006. O sueco passou ainda por Manchester City (2007/08), México, Costa do Marfim, Leicester, Guangzhou R&F, Shanghai SIPG e Shenzhen até ser selecionador das Filipinas, último cargo como técnico em 2018/19. Pelo meio, teve ainda a remota possibilidade de voltar a Portugal para treinar o Sporting em 2009, sendo o técnico escolhido por Paulo Pereira Cristóvão em caso de vitória nas eleições que terminaram com um triunfo esmagador de José Eduardo Bettencourt. Até fevereiro de 2023, Eriksson foi diretor desportivo do Karlstad, já longe dos grandes palcos.