Mais de 2000 alunos de todo o país visitaram, esta sexta-feira, o Museu do Holocausto do Porto, para assinalar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Os estudantes, acompanhados por professores, vieram de escolas de educação básica e secundária para conhecer o museu e prestar homenagem às mais de seis milhões de vítimas judias do genocídio.

Na entrada do museu, há um jardim. Os visitantes passam por um pequeno corredor, entre folhas verdes. Hugo Vaz, curador do museu, afirma que esta parte retrata a vida antes da perseguição em massa e genocídio de judeus.

Depois do jardim, há uma réplica da entrada do campo de concentração e extremínio, Auschwitz-Birkenau. Aqui, pode ler-se a frase “Arbeit Macht Frei” (em português, “o trabalho liberta”). Os estudantes ouvem a história deste antigo campo, onde cerca de um milhão de judeus perderam a vida. Atualmente, as instalações encontram-se na Polónia, em território que estava ocupado pela Alemanha Nazi na data da sua criação e funcionamento.

De seguida, outra réplica: desta vez dos dormitórios do campo.

Ao continuarem, os estudantes chegam à sala da memória. É um compartimento com mais de 30 mil nomes de vítimas escritos na parede. Entre eles, está o de Anne Frank, a jovem judia que relatou, no seu diário, a vida num esconderijo durante a ocupação nazi nos Países Baixos. Hoje, é considerado um dos diários mais famosos do mundo.

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“Começo a pensar que a história pode vir a repetir-se”

Maria João é estudante de Línguas e Humanidades em Guimarães. Tem quinze anos, e veio em visita de estudo ao museu. É o primeiro sobre o Holocausto que visita. Quando questionada como olha para o crescimento da extrema-direita em vários países do mundo, e para a perseguição de judeus ainda existir, a estudante diz que teme pelo futuro. “Se não começarmos a ter cuidado, começo a pensar que a história pode vir a repetir-se. Mesmo [este período da história] sendo dado nas escolas, podemos ver a sociedade mais jovem a começar a apoiar políticas completamente do nazismo e do fascismo, e isso começa-me a assustar enquanto pessoa, numa futura sociedade adulta, porque eu acho que não é isso que queremos — não queremos repetir a história que se viveu”.

Maria João espera ter acesso a testemunhos e de sair com mais aprendizagem, e sublinha que visitas a museus como este podem fazer a diferença. “Só com a informação que aprendemos na escola, não conseguimos ter a mente totalmente aberta. Aqui, com testemunhos reais, conseguimos ter a mente mais aberta e conseguimos pensar que podemos prevenir que a história se volte a repetir.”, comenta a jovem.

Maria Eduarda Pontífice, professora de História em Fânzeres, concorda com Maria João. “Uma coisa é falar [aos estudantes] e mostrar imagens dos locais onde [os judeus] dormiam. Outra coisa é virem ao museu. Ficam mais sensibilizados”. A professora acrescenta que tenta chamar à atenção dos seus alunos de que “os extremos são sempre maus”: “Tanto a extrema-direita como a extrema-esquerda são coisas que devemos lutar e evitar que aconteçam”, diz.

Maria João foi uma das jovens que acendeu a chama na sala da memória, para prestar homenagem às vítimas do Holocausto, juntamente com Michael Rothwell, diretor do museu e membro da Comunidade Judaica do Porto. Quando as chamas começaram a subir, Rothwell pediu aos presentes um minuto de silêncio.

A visita continua por um corredor. De um lado, há uma descrição cronológica história antes, durante e depois do Holocausto. Do outro lado, há cerca de 400 registos de judeus refugiados que passaram pelo Porto durante a Segunda Guerra Mundial. No final, os jovens ouviram o testemunho de Chaja Lassman, sobrevivente do Holocausto.

No início do museu, há um jardim. A meio, uma árvore sem folhas que simboliza o fim da vida. Inês Cortez/Observador

No início do museu, há um jardim. A meio, uma árvore sem folhas que simboliza o fim da vida. Inês Cortez/Observador

“Guerra é guerra”

Quando questionado sobre como a comunidade judaica olha para o conflito em Gaza e as decisões do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, Hugo Vaz começa por sublinhar que é importante separar o Holocausto de outros acontecimentos.

“O Holocausto foi um genocídio que atacou um grupo em específico por vários motivos, o principal deles seria a ideia de que os judeus eram uma raça inferior, sendo que a raça superior era a raça ariana. Foi estatal, envolveu várias nações, e foi sistemático, portanto, houve um projeto para levar a cabo aquele genocídio. Pessoalmente, acho que é importante não colar uma questão política ou uma guerra com a temática do Holocausto”.

O curador partilha que, dentro da comunidade, as opiniões divergem. “Mesmo relacionado com o Holocausto, os judeus não são um grupo coeso que pensa de uma única forma.” Para Hugo Vaz, estas divergências de opiniões são um efeito natural da democracia. Contudo, tem uma mensagem: “Independentemente da guerra que estamos a falar, guerra é guerra, e a guerra levou, ao longo da história, a vários genocídios”, conclui, reforçando que “é importante evitar que se chegue a guerras e evitar aquilo que as guerras podem gerar”, usando o Holocausto como um exemplo.

Em serviço da memória

O curador do Museu do Holocausto do Porto partilha que a comunidade judaica tem, em todo o mundo, sentindo um “despertar” do antissemitismo. “Diria que não é um crescimento, é um despertar do antissemitismo. Quer dizer que o antissemitismo existia e estava adormecido. Daí a necessidade deste e outros museus para, no fundo, informar”. Hugo Vaz diz que os extremismos “sempre existiram”, mas que sente confiança nos jovens. “Tenho de ter, se não, não estava aqui a fazer nada”.

Michael Rothwell olha para o antissemitismo com preocupação e sublinha que torna que a educação tenha um significado mais importante. “É fundamental que a memória do que aconteceu não desvaneça”, disse o diretor do Museu do Holocausto do Porto e membro da Comunidade Judaica do Porto. Michael Rothwell partilhou sobre a sua vida com os estudantes, algo que começou a fazer recentemente, nomeadamente sobre os seus familiares que morreram em Auschwitz.

“Não gostava de falar sobre o tema, mas, em determinada altura, nós, na Comunidade Judaica do Porto, decidimos lançar algumas ações de formação de professores em relação ao tema do Holocausto. Foi nessa altura que eu tive de falar da minha experiência, que foi possível devido a uns registos antigos que o meu tio tinha escrito, e a partir aí comecei a habituar-me a falar da minha história familiar”.

Hugo Vaz destaca que o lema geralmente associado ao Holocausto é “nunca mais”: “Que nunca mais ocorra algo assim, que relacionado a este grupo, quer relacionado seja a que grupo for”. Apesar do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto ser, oficialmente, a 27 de janeiro, o evento foi antecipado um dia para não acontecer a um sábado (Shabat), dia semanal de descanso na comunidade judaica.

Inaugurado em 2021, este é o primeiro museu sobre o Holocausto da Península Ibérica e já recebeu embaixadores de trinta países. Desde a sua abertura, o museu abre portas às escolas para marcar este dia. Desde 7 de outubro, está aberto exclusivamente a estabelecimentos de ensino por motivos de segurança.