No prédio na Figueira da Foz parcialmente evacuado, na sexta-feira, devido a uma fuga de monóxido de carbono (CO), aconteceu uma situação semelhante, em novembro de 2023, com dois moradores hospitalizados por intoxicação, disse à agência Lusa fonte dos bombeiros.
Os moradores em causa, um jovem casal residente num apartamento do 8.º andar (os mesmos que, agora, deram o alerta às autoridades, ao se depararem com duas aves mortas que tinham na cozinha, quando chegaram a casa), foram hospitalizados há dois meses, por intoxicação com monóxido de carbono.
Na altura, foram enviados para o hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, para serem sujeitos a tratamento numa câmara hiperbárica, um equipamento usado em casos graves, que possibilita a inalação de oxigénio em estado puro, administrado em alta pressão, superior à pressão atmosférica, em ambiente controlado.
À Lusa, o comandante do Corpo de Bombeiros Sapadores da Figueira da Foz e coordenador municipal da Proteção Civil, Nuno Pinto, notou que o alerta dado agora pelo casal terá contribuído para evitar um incidente mais grave, com possíveis vítimas mortais.
“O monóxido de carbono é a chamada droga perfeita. Não se vê, não tem cheiro nem sabor, não faz barulho, mas é muito perigoso, porque é um gás altamente tóxico”, enfatizou Nuno Pinto, admitindo que, ao se terem deparado com as duas aves mortas, os dois residentes avaliaram bem o perigo que corriam e alertaram as autoridades.
A operação, cujo alerta foi dado às 23h41 de sexta-feira e envolveu meios dos bombeiros Sapadores e Voluntários e da PSP da Figueira da Foz, culminou com a retirada de 14 pessoas, oito adultos e seis crianças, residentes em apartamentos do 6.º ao 9.º andar, todos da mesma fração, localizados na fachada noroeste do edifício de 10 andares, localizado na rua Rancho das Cantarinhas, em Buarcos.
Fuga de monóxido de carbono na Figueira da Foz obriga a realojar 14 pessoas
Estes 14 moradores acabaram por ser acolhidos em casa de amigos e de familiares e, na tarde de sábado, técnicos da companhia de gás propano canalizado que abastece o edifício procederam ao corte do gás e retirada dos contadores dos apartamentos onde foram detetadas as concentrações anormais de monóxido de carbono.
“O gás vai continuar cortado até toda esta situação estar resolvida e ser feita uma vistoria geral por uma empresa certificada. Estamos a fazer tudo o que é possível, com a maior brevidade”, disse à Lusa Sara Costa, da empresa responsável pelo condomínio do imóvel afetado.
Ao longo do dia desta terça-feira, continuarão os trabalhos de vistoria das condutas do prédio, iniciados na segunda-feira, com recurso a equipamentos especializados (onde se inclui uma pequena câmara de vídeo) que percorre as tubagens “de andar a andar”, explicou a administradora do condomínio.
Embora, segundo Sara Costa, a causa da fuga de monóxido de carbono ainda não esteja identificada, estão sob investigação eventuais problemas de ligações às respetivas condutas — que terão de ser autónomas, uma para a extração de gases de aquecimento (onde se inclui o monóxido de carbono) e outra para os vapores de água dos exautores de cozinha — tendo sido já realizada uma ação de desobstrução na conduta dos gases.
“A câmara [de vídeo] anda para cima e para baixo e partiu-se parte de uma chaminé no 10.º andar para se fazer uma desobstrução na conduta. E vai ser realizada outra ao nível do 9.º andar”, revelou.
Já sobre o incidente de novembro, que levou à hospitalização do casal residente na habitação do 8.º andar, por intoxicação com monóxido de carbono, a responsável da empresa de condomínios afirmou que a causa será diversa da atual, já que terá incidido sobre o esquentador daquele próprio apartamento: “O problema foi na fração deles, eram os únicos que tinham botija e tiveram de trocar o esquentador”.
O prédio em causa, construído há mais de 30 anos, possui 64 apartamentos — mais de metade habitados, maioritariamente por arrendatários, e os restantes fechados — sete por cada piso do primeiro ao nono andar e um único, recuado, no 10.º andar, propriedade do construtor do imóvel, fração que aparenta estar em obras há vários anos.
No intervalo dos dois incidentes com fugas de monóxido de carbono nos últimos dois meses, uma terceira ocorrência, provocada pela alegada instalação de uma salamandra numa antiga loja do rés-do-chão transformada em habitação, levou os bombeiros ao edifício, que ficou cheio de fumo.
A salamandra, que, segundo as autoridades, já foi retirada, terá sido inadvertidamente ligada a uma conduta de exaustão de vapores de água, provocando a dispersão do fumo pelo edifício, num episódio que sobressaltou os moradores.
Os mesmos que, desta vez, foram surpreendidos (e alguns acordados) pela PSP e bombeiros, quando estes últimos entraram em vários apartamentos envergando máscaras e aparelhos respiratórios.
Valores de monóxido de carbono do prédio eram potencialmente fatais
O monóxido de carbono (CO) medido no prédio da Figueira da Foz afetado, na sexta-feira, por uma fuga daquele gás tóxico, revelaram níveis passíveis de provocarem problemas de saúde graves ou mesmo a morte, disse fonte dos bombeiros.
Em declarações à agência Lusa, o segundo-comandante dos bombeiros Sapadores da Figueira da Foz, João Matias, que esteve no terreno nas operações de socorro que levaram à retirada de 14 moradores, indicou que num dos apartamentos foram detetados valores de 900 a 1.000 ppm (partes por milhão) de monóxido de carbono, uma cifra que é cerca de 20 vezes superior ao limite considerado de segurança.
Embora os sintomas da exposição ao monóxido de carbono variem de pessoa para pessoa, o limite considerado de segurança é de 50 ppm (ligeiramente acima do fumo de tabaco, que é de 35 ppm) de concentração daquele gás no meio ambiente, ainda assim já passível de provocar cefaleias leves a moderadas.
Aqueles valores foram detetados numa habitação do 8.º andar, onde mora o casal que deu o alerta ao chegar a casa, por se ter deparado com duas aves mortas que tinha na cozinha.
Aquando das medições na habitação, a maior concentração de CO “estava na zona dos quartos e até na varanda [ao ar livre] foi medido monóxido de carbono”, frisou João Matias.
Segundo os dados recolhidos pelos operacionais dos Bombeiros Sapadores e Voluntários da Figueira da Foz, o apartamento da mesma fração do 7.º andar registava, na altura, valores de 300 ppm, enquanto no sexto andar os valores rondavam as 100 ppm, o que levantou a hipótese de a origem da intoxicação, ainda não identificada, estar nos pisos abaixo do 8.º andar, já que o CO é mais leve do que o ar e tem tendência a subir.
No entanto, as medições efetuadas entre o primeiro e o quinto andares do bloco de 11 pisos não registaram a presença de monóxido de carbono, mas este existia, também, no 9.º andar, embora em concentrações inferiores ao do apartamento imediatamente abaixo.
“O ideal é que o valor seja zero”, vincou, por seu turno, Nuno Pinto, comandante dos bombeiros Sapadores, lembrando que aquele gás é altamente tóxico e que a sua existência em habitações decorre de uma qualquer forma de combustão, seja de aparelhos a gás para aquecimento ou de lareiras.
Por seu turno, um estudo disponível na internet da autoria de Armando B. Pereira, intitulado “Intoxicação pelo Monóxido de Carbono”, revela sintomas passíveis de serem observados nas diferentes concentrações de CO, e aponta as 800 a 1.200 ppm (correspondentes a uma concentração no sangue de 50% a 70%) como responsáveis por convulsões, depressão cardíaca e respiratória e coma.
Segundo o mesmo documento, valores no sangue acima de 40% são considerados uma intoxicação aguda por CO (concentrações entre as 300 e 500 ppm) e necessitam de tratamento hospitalar, nomeadamente com oxigenoterapia hiperbárica, em que os doentes inalam oxigénio a 100%, com uma pressão superior à pressão atmosférica.
O gás, que é considerado um “assassino silencioso” por ser invisível e não ter cheiro, foi também alvo de uma publicação da associação Chama Saúde, que presta auxílio médico aos bombeiros voluntários, e onde se estipula que a concentração sanguínea de CO entre os 41% e os 59% é considerada grave e acima dos 60% fatal. Outro estudo, com cerca de 20 anos, de especialistas do Hospital Dona Estefânia (Lisboa) avisava que os níveis fatais são usualmente superiores a 70%, mas a morte pode ocorrer com valores inferiores.
Em Portugal, faltam dados sobre o número de acidentes e de mortes provocados por intoxicação por gases. As exceções aparentam ser dados divulgados, em duas ocasiões, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) sobre o número de vítimas mortais intoxicadas, sujeitas a autópsia.
Segundo aqueles dados, no período de seis anos, entre 2005 e 2011, morreram 111 pessoas por inalação de monóxido de carbono, um valor que aumentou consideravelmente entre 2018 e 2022, quando morreram 171 pessoas, em situações onde se incluíam incidentes com lareiras, braseiras e esquentadores, segundo o INMLCF.