Um excerto, dois excertos, mais um excerto. Desde 18 de janeiro que as redes sociais da RTP foram fazendo a promoção da entrevista de Jorge Nuno Pinto da Costa, líder do FC Porto, ao programa “Primeira Pessoa” de Fátima Campos Ferreira, com partes que tão depressa abordavam o clube, a candidatura de André Villas-Boas e os “inimigos externos” como questões mais pessoais do presidente dos dragões. No entanto, ninguém podia imaginar que essa mesma entrevista surgiria no dia em que foi desencadeada a “Operação Pretoriano”, que levou à detenção de 12 pessoas entre as quais Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões e dois funcionários do clube (um deles Fernando Saúl, Oficial de Ligação aos Adeptos dos portistas). Mais: ninguém podia imaginar que esse mesmo processo iria envolver Adelino Caldeira, um dos homens de confiança.

As suspeitas contra Madureira. “Quem não está com Pinto da Costa vai morrer!”

“Nós somos dragões. Mas alguma vez uma guerra em que temos os clubes uns contra os outros, em que temos a maioria dos jornais contra nós, não é uma guerra? É uma guerra. Quando a gente diz ‘Somos os dragões’, não quer dizer que somos os anjinhos ou que somos aqueles gajos em quem vocês põem a mão no cachaço. Vocês podem tentar lixar-nos, mas, atenção, nós somos dragões”, tinha referido num dos últimos excertos revelados. “Se alguém me condecorar a título póstumo, não quero que ninguém lá vá. Ai de quem for, que eu venho cá abaixo e dou um par de estalos. Estátua? Para quê, para os cães irem lá mijar?”, disse também nesse último trecho mostrado pela RTP, onde destaca o papel histórico de Sérgio Conceição.

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Ameaças, agressões, intimidação e denúncias: os dois meses e meio que aceleraram a “Operação Pretoriano”

“André Villas-Boas? Então os nossos inimigos é que apoiam um candidato para o meu clube? Aqui há gato… Mesmo gostando de animais, desse tipo de gatos não gosto. Isso pode ser um argumento para eu tomar decisão diferente daquela que eu acho que, para mim, era a melhor. Quando vejo uma pessoa que quer ser presidente, porque é uma obsessão que tem, isso não é servir o FC Porto. Não é ser diretor do FC Porto como eu fui, eu comecei como chefe de secção. Se eu visse que havia uma pessoa que aceita a missão, eu não me recandidataria de certeza. A cadeira de sonho dele acabou quando lhe acenaram com dinheiro. Teve uma cadeira de sonho, ganhou o Campeonato, ganhou tudo, tinha uma equipa fenomenal. Estava eu tranquilo para a época seguinte, fui chamado pelo Antero [Henrique, diretor geral do FC Porto] porque ele queria ir embora, tinha um contrato milionário no Chelsea. Quando os sonhos terminam com dinheiro, para mim são sonhos que não são de recordar”, destacara no primeiro excerto conhecido da mesma entrevista.

“Então os nossos inimigos é que apoiam um candidato para o meu clube? Aqui há gato…”, diz Pinto da Costa sobre Villas-Boas

Se o registo até agora conhecido era este, e mesmo tomando em linha de conta que a entrevista foi gravada ainda antes de anunciar publicamente a recandidatura numa cerimónia marcada para o próximo domingo, a totalidade da conversa despertava especial interesse num dia em que, além de todo o impacto da “Operação Pretoriano”, “uma ação conjugada no sentido de devolver às instituições e aos cidadãos a sua liberdade de decisão e, promover ainda, que o sentimento de impunidade e insegurança seriam restaurados no âmbito desta realidade desportiva e não só”, Pinto da Costa tentava ainda fechar mais um central para o plantel liderado por Sérgio Conceição depois das contrariedades nas negociações por Otávio do Famalicão. O contexto era no mínimo estranho mas o número 1 dos azuis e brancos tinha mais mensagens para deixar.

Após um início de reportagem que passou pelo Instituto Nun’Álvares e pelo Colégio das Caldinhas, por onde passou tal como Ary dos Santos, António Arnaut ou Dom Duarte Pio. “Foi aqui que fiz alguns dos melhores amigos”, contou, dizendo também que foi ali que aprende a ser pontual e a exigir pontualidade dos outros entre outras histórias que foi contando nos tempos de miúdo. “Era um aluno médio, tinha muitas medalhas mas por ser bom a Desporto, Português e Religião. Tinha uma memória fantástica, decorava muita poesia”, referiu, antes de passar para Santo Tirso, onde costumava lanchar e ouvir os relatos do FC Porto quando a equipa jogava fora. “Olhe, espero é que o meu médico, Filipe Macedo, não veja isto porque caso contrário vai dar-me nas orelhas por isto…”, ironizou enquanto comia um jesuíta recordando ainda esses tempos.

“Calhou-me a mim avançar, como podia ter calhado a outro”, salientou também sobre o momento em que o movimento onde estava inserido com Neca Couto e outros portistas queria avançar com uma lista em 1982. “A minha mãe e a minha avó eram 100% do FC Porto e do Porto. Ao futebol comecei a ir com o meu tio, Armando Lima. Ia ver o Famalicão com ele, tinha uma quinta lá. Depois a minha avó deu-me como prenda de anos quando fiz 16 o cartão de sócio. Era o sócio 26.636. Se me tivesse dado um saco com barras de ouro, não tinha ficado mais contente. Memórias positivas? A primeira é a Taça dos Campeões de 1987 contra o Bayern, tinha escrito no programa tínhamos de ir a uma final europeia. Em 1984 perdemos bem gamadinhos em Basileia com a Juventus mas disse que era o intervalo, que tínhamos de ganhar. Depois a inauguração do Estádio do Dragão. Mais tristes? Um jogo em Penafiel porque sabia que o Pedroto tinha um cancro… Pelo significado foi difícil. Depois a perda do Reinaldo, do Rui Filipe, do Pôncio…”, referiu.

“Apito Dourado não foi difícil. Não tinha pernas para andar, sabia como tinha nascido, que não ia dar nada como não deu. Para ser detido basta eles querem mas sabia que tinha sido tudo montado. Só vou publicar o livro sobre isso para mais tarde e porque sei que vai ter grande impacto. Não quero ser nada no FC Porto a não ser sócio quando sair. Não é a minha verdade, é a verdade. A deles já foi provado que era mentira, em Tribunal não me conseguiram culpar de nada”, frisou. “Treinadores? O Sérgio Conceição vai ficar sempre porque foi uma opção minha contra a vontade de muita gente e sabia que ia ter sucesso. É mais do que um afilhado. Filho podia ser ofensivo para o meu pai mas é quase como um membro da família. Depois, Bobby Robson e José Mourinho marcaram-se. Relação com Mourinho hoje? É ótima. Criei outras amizades claro, Fernando Santos é como um irmão”, prosseguiu, antes da falar da comunicação social.

“Entrei em 1982 e tinha a melhor relação com os jornalistas da época, iam connosco nas viagens, iam a todos os almoços e jantares oficiais e ficávamos depois no bar na conversa. Em 1987 recebi prémios de melhor dirigente do Record e do Correio da Manhã por exemplo. Eu sou o mesmo, eles mudaram. O FC Porto deixou de ser o clube simpático e passou a ganhar, foi o problema. É só porque o FC Porto está a ganhar. Santinho? Não mas considero-me inteligente para perceber algumas coisas. Há jornalistas que quando mostram a sua independência não são verdadeiros”, explicou, dando alguns desses exemplos.

“Eu defendo a regionalização. Se não querem, vão à Constituição e tiram. Há isso e combatem? Presidência da Câmara do Porto? Entendi que era incompatível com o FC Porto e os portistas nunca me iriam perdoar se saísse para qualquer cargo. Amizade com Fernando Martins? Fazíamos tudo em conjunto, avisávamos na altura das contratações para não nos metermos e criámos uma amizade grande, ainda hoje vamos para o hotel Altis porque o imagino a vir à sala de jantar desejar bom jogo. Luís Filipe Vieira? Tinha boas relações no início, sim. Continuo a dar-me. No Natal enviou-me as Boas Festas, retribuí. Falei mais tarde com ele sobre a saída do Benfica, que precisava de ser paciente. Se você meteu o pé na argola, aguente, se tem a consciência tranquila tem de esperar, até lhe falei do caso do Apito Dourado”, contou Pinto da Costa.

“Eu não ganhava nada, o FC Porto não tinha representação nos órgãos do futebol, a combinação era que o presidente da Federação tinha de ser entre Benfica, Sporting e Belenenses. Isto não se podia mudar na paz. Teve de haver guerra, teve de haver lutas. Não podíamos ser os Passarinhos da Ribeira, tínhamos de ser os dragões do FC Porto. A Taça de Portugal tinha de ser em Lisboa, a Federação marcou para as Antas, deu FC Porto-Benfica e depois tinha de ser no Estádio Nacional porque era mais helénico. Eu respondi ‘Ai é, tem de ser helénico? Então vamos jogar a Atenas’. Decidimos que não íamos. Até perdemos mas aquilo que estava em causa era a nossa honra e tanto que nos ouviram que foi mesmo nas Antas”, disse o líder portista.

“Fui operado ao coração e davam mais para o lado de lá do que para cá. Quando fui para a operação, achava que não abria mais os olhos mas estou aqui. Deixei cartas escritas para os meus filhos e fiz comunicados, um a comunicar a minha morte e outro a comunicar que tinha corrido bem. Não tenho medo da morte, não a desejo mas é o fim de todos. Enquanto cá andar vou comendo os meus jesuítas, fazendo as minhas asneiras. Perder? Fico preocupado quando me elogiam do que com isso. Fui presidente do FC Porto por missão, não por ambição. Não tenho tempo para pensar em eleições com tanta coisa para fazer”, prosseguiu.