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Steve Paxton (1939-2024): o criador de uma dança para todos

Este artigo tem mais de 6 meses

Bailarino, coreógrafo e improvisador, foi um dos nomes cimeiros da dança pós-moderna e contemporânea, incontornável nas últimas cinco décadas, criando técnicas e gerando legado. Morreu aos 85 anos.

Ao contrário do percurso convencional de um bailarino, imposto pela prática, o coreógrafo acreditava que mesmo um bailarino sem formação poderia contribuir para a forma da dança e desenvolver a sua própria marca como intérprete
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Ao contrário do percurso convencional de um bailarino, imposto pela prática, o coreógrafo acreditava que mesmo um bailarino sem formação poderia contribuir para a forma da dança e desenvolver a sua própria marca como intérprete

Ao contrário do percurso convencional de um bailarino, imposto pela prática, o coreógrafo acreditava que mesmo um bailarino sem formação poderia contribuir para a forma da dança e desenvolver a sua própria marca como intérprete

É um dos nomes invocados quando se fala da dança pós-moderna e contemporânea que brotou em força nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. De forma disruptiva, usou-a como plataforma de base para o seu trabalho coreográfico, mas depressa a desconstruiu, colocando o movimento num lugar mais próximo a todos, mesmo para aqueles que não tinha formação em dança. Steve Paxton foi bailarino, coreógrafo e improvisador. Passou as últimas seis décadas a desenvolver uma técnica de dança conhecida como Contact Improvisation e tornou-se numas das figuras cimeiras no domínio das artes performativas. Morreu esta quarta-feira, 21 de fevereiro, aos 85 anos de idade.

Nascido em 1939, em Phoenix, no Arizona, o impacto deste criador norte-americano no domínio da dança foi profundo e de grande alcance. Iniciou-se na ginástica, mudou-se para Nova Iorque, em 1958, onde estudou desde as técnicas de ballet e dança moderna. Passou igualmente pelas artes marciais orientais, que acabaram por contaminar o seu trabalho. Nesse período de formação inicial passou anos a aprender técnicas movimento junto de coreógrafos reputados como Merce Cunningham e José Limón.

No princípio dos anos 60, foi membro fundador do Judson Dance Theatre, onde desenvolveu criações com Yvonne Rainer e Trisha Brown e, posteriormente, fundador do grupo experimental Grand Union. Foram os anos de experimentação, que o tornaram num nome conhecido da vanguarda que despontava na cidade, aliada à música e às artes plásticas. Uma década depois, em 1972, Paxton tornou-se conhecido pelo desenvolvimento de uma técnica de dança conhecida como Contact Improvisation, baseada no toque, sensível ao peso, conversacional e frequentemente atlética que, desde então, se tornou praticada em todo o mundo. As suas raízes refletem a sua infância, crescendo em Tucson, onde se tornou um ginasta de sucesso.

Ao contrário do percurso convencional de um bailarino, imposto pela prática, o coreógrafo acreditava que mesmo um bailarino sem formação poderia contribuir para a forma da dança e desenvolver a sua própria marca como intérprete, tendo desenvolvido grande interesse no movimento de pedestres. “Estava a tentar encontrar algo antigo, talvez fundamental, no corpo, e o andar foi a primeira coisa em que pensei. É certamente antigo, é certamente básico, mas acabou por se tornar interessante de estudar”, explicou numa entrevista ao jornal Público, em 2019.

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Steve Paxton em palco com Merce Cunningham, em 1963

Getty Images

Os grupos dos quais se tornou fundador já eram, aliás, um sinal dessa jornada na qual iria centrar a sua carreira. Ambos – o Judson Dance Theatre e Grand Union – foram contra as convenções da dança moderna, abraçando o movimento comum e a improvisação arriscada. Colaborou não só com contemporâneos desta área, mas também com músicos e artistas, como Robert Rauschenberg, Robert Morris e o percussionista David Moss, enquanto ensinava, coreografava e atuava em todo o mundo.

Numa entrevista concedida à revista ArtForum, Paxton explicava que estes coletivos, em especial o Judson Dance Theatre, lhe deram liberdade para uma exploração da forma no movimento coreográfico. “Se olharmos para a história da dança moderna, as figuras que nos lembramos eram rebeldes. Atualmente, estamos num período em que temos de conservar a dança moderna se quisermos saber o que era, mas nos primeiros tempos ainda tinha uma vertente mutante. Cunningham tinha essa vantagem, tal como Cage, tal como, claro, muitos outros artistas desse período: De Kooning e Kline são os meus favoritos, mais tarde Rauschenberg e Johns e Frank Stella e Brice Marden. Temos este desfile de explorações formais que eram alucinantes. Judson foi tudo isso para mim.”

Tendo passado muitos anos em digressão, improvisando em solo, dueto ou em grupo, Paxton viveu desde a década de 1970 numa comunidade artística no norte de Vermont, que desenvolvia novas técnicas de movimento. O coreógrafo ficou conhecido por eliminar quaisquer influências externas que impediriam que a peça fosse apenas aceite como era e compôs um conjunto de vocabulários de movimento que não eram provenientes da dança, mas que o aproximavam de outros públicos e de outras expressões de movimento artístico. Pelo meio, criou igualmente a técnica Material for the Spine, que se foca nos músculos que suportam a coluna vertebral e nas ligações que ela mantém com a pélvis ou a cabeça dando origem a formas perfeitas.

Na mesma entrevista que concedeu em 2019, ao Público, explicou como certos movimentos do corpo, como a extensão, interagem de igual forma como a parte psicológica. “Vemos a toda a hora pessoas no topo de colinas com os braços abertos assim, como se fossem abraçar o mundo. O ballet é este momento transformado numa técnica que se ensina às crianças, e depois elas crescem e transformam-se em adultos capazes de lidarem com este espaço extremo, alargado, capazes de fazerem grandes gestos para grandes audiências. É um sistema fantástico e estamos a perdê-lo com as formas modernas de dançar.”

Ao longo do seu percurso, Steve Paxton minimizou as diferenças entre o público e o artista, propondo um movimento “quotidiano”, que continha em si um potencial individual, do qual se tornaram exemplo algumas das suas criações mais icónicas. Ao longo da carreira, foi agraciado com diversos prémios, entre os quais o Leão de Ouro pela conquista da vida na dança na Bienal de Veneza, em 2014. Em 1987 e 1995, Paxton ganhou os prémios Bessie de dança e performance de Nova Iorque, e em 2015 Paxton foi premiado com o Bessie pela conjunta da sua carreira.

O criador norte-americano passou ainda pela Culturgest, em Lisboa, em 2019, onde lhe foi dedicado um ciclo, que incluiu uma exposição com curadoria Romain Bigé e de João Fiadeiro e a apresentação de algumas performances históricas em palco. Passou também pelo palco, onde deu uma conferência sobre o percurso que fez e as técnicas que criou.

O seu legado, agora devidamente relembrado, recorda a importância de um criador que transcendeu as fronteiras convencionais da dança e o seu papel na criação de um movimento que ligou as pessoas ao movimento coreográfico através do quotidiano. Num perfil publicado em 2017, no New York Times, Steve Paxton era descrito como um dos budas da dança americana e um contador de histórias, que passou a vida a pensar na dança de forma ascética. “Tudo o que sempre quis fazer foi dançar”, dizia. Em resposta aos limites convencionais impostos, Steve Paxton respondeu com um regressar ao movimento aparentemente mais básico, em busca dessa verdadeira religação com o corpo.

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