Trendy sem grande esforço, ou um clássico intemporal polvilhado de cor e diversão. A fórmula mantém-se, as dimensões saíram reforçadas depois de um mês de renovação. No edifício do século XVIII que habita desde março de 2001, numa das esquinas do Chiado, a Hermès reabriu portas no passado dia 24 de fevereiro. No essencial, tudo segue como está, mas o espaço reservado às montras encolheu para se poder expandir a área de exposição interior — apenas cinco das oito janelas acolhem agora os projetos de vitrismo que disputam atenções com o recheio do espaço — neste trimestre cabe à designer neerlandesa Kiki van Eijk o display inspirado no espírito do Faubourg, no ano em que a marca francesa assinala os cem anos da sua loja icónica, em Saint Honoré.
Os 133 metros quadrados escalaram para os 155. Pode não parecer muito mas a novidade permite acomodar dois novos nichos de entre os 16 métiers da Hermès: a joalharia e as peças costumizadas Les Ateliers Horizons, uma área bespoke onde é possível encomendar objetos tão diversos como skates, patins, artigos de viagem, fatos neoprene e uma prancha de surf (que já teve solicitações). Fica apenas a faltar o métier petit h, que vai viajando por diferentes países, e com casa permanente em Paris, na loja da Rue de Sèvres.
Num mundo convocado com veemência para o desafio da IA, a Hermès viaja em ritmo de regresso ao futuro. Conhecida pela artesania, o lado manual continua a ser decisivo em todos os processos, da confeção das peças à receção do cliente em loja, para um luxuoso contraciclo que não prescinde da inovação — basta lembrar que o double faced carré lançado há poucos anos permite uma técnica de impressão ambos os lados. É deste encontro permanente entre o mais sofisticado e o descontraído que vive a marca nascida no século XIX, com a sua extensão em Lisboa a acompanhar a vibração local.
Logo à entrada, no chão, o selo de assinatura, presente em todas as lojas, aqui sobre uma reinvenção da calçada portuguesa. O código arquitetural está a cargo, como habitual, do RDAI, o atelier fundado em 1972 por Rena Dumas, mulher de Jean-Louis Dumas, rosto da quinta geração do clã Hermès, e pai do atual diretor artístico Pierre-Alexis Dumas.
Se o chão foi mantido, também a área que dá as boas vindas, a seda — , bem como os perfumes, beleza e acessórios, que continuam a funcionar como até aqui. Em destaque uma peça do artista Dimitri Rybaltchenko, que desenhou o carré verde que de novo homenageia o faubourg.
Na cosmética, alinham-se os coloridos esmaltes e batons para a estação. A curta distância das bases plein air, as peças maison entre porcelanas, mantas, coffee table books e outros acessórios e referências de mobiliário, como um banco criado pelo arquiteto Siza Vieira, que dá continuidade a uma linha encetada em 2017 — aqui revela-se o Karumi, apresentado em 2022, feito em bambu. A estes junta-se a linha para bebé ou para os animais de companhia, com exclusivas trelas e badanas para os four legged friends da etiqueta.
Ao nível do solo, tapetes portugueses, presentes em várias lojas da marca mundo fora, remetem para o por do sol num degradé de tons dentro da familiar paleta Hermès. Nas paredes, o reflexo das escolhas pessoais de Pierre-Alexis Dumas, que elege todos os quadros que adornam o espaço, e que aqui regressam ao ponto de partida desta história encetada em 1837, resgatando cenários equestres, selas e arreios. Obras do costa marfinense Joël Person cruzam-se com aguarelas do século XIX de modelos icónicos de carruagens puxadas por cavalos, uma tela do francês Hubert de Watrigant, e ainda desenhos saídos do século XIX do ilustrador e litógrafo, que ilustram as mantas e proteções usadas por cavalos, os primeiros a serem vestidos pela Hermès, antes das coleções femininas e masculinas.
“Flow” é provavelmente a expressão que melhor se ajusta ao convite deixado pela Hermès nesta visita guiada. Ou como a intervenção permitiu alargar o fluxo de circulação pelo espaço a expandir os níveis de luz. À medida que se vai circulando, avista-se a treliça nos mesmos tons característicos, uma separação que acrescenta leveza e separa o pronto a vestir feminino do masculino, com as peças de primavera-verão já instaladas. Os looks de desfile chegarão mais tarde mas já pode conferir de perto as novas variantes das Oran, provavelmente umas das mais cobiçadas (e replicadas) sandálias nos últimos anos, fruto da inspiração de Pierre Hardy numa viagem a África.
O trajeto da marca cotada em bolsa mas ainda mantida nas mãos da família fundadora revela-se nos pormenores. Do H Constance presente nos loafers (assim batizados pela artesã que estava grávida e também batizou a sua filha com o mesmo nome) aos pequenos cadeados da lendária carteira Kelly, aqui aplicados às sandálias ou em micro detalhes na joalharia. E ainda os prints importáveis de carrés que acabam por entrosar-se com outras peças do pronto a vestir.