A maioria dos imigrantes em Portugal está preocupada com os atrasos na atribuição de documentos legais, que classifica como um dos maiores problemas para a integração, revela um estudo esta quinta-feira divulgado.
Denominado “Perceções e Expectativas dos Nacionais de Países Terceiros (NPT) na Diocese de Lisboa”, o estudo é apresentado esta quinta-feira em Mafra pela Caritas de Lisboa e pela Obra Católica Portuguesa das Migrações.
Nele, os autores, Rita Nascimento e Ricardo Zósimo, da Nova SBE, consideram que o fim do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a transferência de parte das suas competências para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) acentuou os problemas, “nomeadamente questões burocráticas, atrasos nos processos de regularização e lacunas/falhas nos sistemas de suporte“.
A AIMA herdou 300 mil processos pendentes do SEF, um atraso que é ampliado por outros casos a que o Estado tem de dar resposta, como os vistos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou outras renovações, gerando atrasos de anos.
O estudo esta quinta-feira apresentado inclui entrevistas a dirigentes de associações de imigrantes no universo do Patriarcado de Lisboa e “permite uma análise qualitativa mais aprofundada daquilo que são as suas preocupações” em relação ao “ecossistema de acolhimento” português, explicou à Lusa Rita Nascimento.
A questão que mais preocupa os imigrantes “está associada à regularização dos processos, por causa das mudanças institucionais recentes”, e ao “bloqueio que isso está a causar na vida das pessoas”, disse a autora.
“Estamos a falar de pessoas, não é? Pessoas que têm a vida bloqueada, à espera de papéis que lhes permitam continuar a sua vida”, acrescentou, salientando que a falta de documentação afeta a integração profissional e social no país.
“Sem documentos é mais fácil a exploração, é mais difícil ter acesso a uma casa ou a um emprego bom e há um aumento da exclusão por pobreza”, explicou à Lusa a investigadora.
Os temas da criminalidade e da insegurança nunca foram referidos e a autora diz que a população portuguesa é acolhedora e está sensível aos problemas dos imigrantes.
Segundo o estudo, encomendado pela Caritas à Nova SBE, o “Governo português tem vindo a adaptar as suas políticas para melhor gerir as dinâmicas da migração”, desde “a simplificação dos processos para obtenção de documentos” a “iniciativas de integração e proteção dos direitos” de quem chega.
Nas entrevistas, as associações mostraram-se preocupadas com os atrasos dos “processos de emissão e regularização de documentos pela AIMA” e muitos entrevistados apontaram que “a promoção de políticas favoráveis à migração regular” por parte da tutela não foi acompanhada pela “adaptação das instituições” públicas.
Esta “demora nos processos de regularização limita, por um lado, o acesso dos imigrantes à habitação, emprego e serviços básicos, dificultando, por outro lado, a integração dos mesmos na sociedade e aumentando a sua situação de vulnerabilidade”, alertam os autores.
As associações queixam-se também de serem pouco ouvidas, defendendo um “fórum de colaboração oficial” com os diferentes atores do sistema e canais de diálogo entre as associações e os decisores políticos.
Com a falta de documentos, surgem “problemas de emprego e exploração”, com “inúmeras situações relatadas de trabalho informal — sem contrato ou descontos -, ausência ou atraso do pagamento de salários, e entradas no país através de redes de imigração ilegal ou tráfico humano, com condições desumanas”, referem os autores.
“Muitas falhas são atribuídas ao ‘suporte governamental e institucional’, com a falta de apoio financeiro às associações bem como a falta de comunicação com os atores que ‘estão no terreno’, em contacto diário com os imigrantes”, lê-se no estudo.
Apesar dos problemas, os entrevistados referiram que “Portugal é um país acolhedor e não há um sentimento de exclusão”, mas admitem “um aumento da discriminação face aos imigrantes na sociedade portuguesa”, relacionado também com “a conjuntura política atual e com a narrativa divulgada pelos media”.
No documento, os autores propõem à Cáritas ações para promover o apoio jurídico e documental aos imigrantes, bem como a formação sobre os seus direitos no país e “serviços de saúde mental na estrutura de apoio” da organização católica.
Defendem ainda formação para as associações de migrantes em áreas como “integração social e tópicos legais”, mas também formação em multiculturalismo e diálogo intercultural e “campanhas de consciencialização” para as comunidades locais e a sociedade como um todo sobre os contributos dos imigrantes para o país.