Uma “clínica” onde as empresas podem desenvolver um “maior nível de maturidade” na forma como utilizam e protegem a sua propriedade intelectual e uma ‘alavanca’ da inovação e da competitividade no mercado nacional e internacional. É esta a premissa do IP Management Clinic, programa lançado esta terça-feira pela Cotec Portugal — Associação Empresarial para a Inovação, em parceria com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
O projeto-piloto é pioneiro na Europa, depois de já ter sido lançado na Ásia, na América do Sul, nos Estados Unidos e no Médio Oriente. O parceiro escolhido para a estreia no mercado europeu foi a Cotec, congratula-se o diretor-geral Jorge Portugal, que, em entrevista ao Observador dias antes do lançamento oficial do programa, explica que a associação sempre sentiu que existia “uma falha de mercado”. Isto porque “são muitas as empresas que estão expostas à concorrência internacional e que não têm competências” para saber como podem proteger e gerir a propriedade intelectual dos seus ativos.
Desta forma, a Cotec defende que as empresas devem ter uma “estratégia ativa de proteção” da sua inovação, que lhes permita “proteger da litigância” ou saber que o seu produto “não pode ser copiado durante o período de validade” da patente, por exemplo. Por isso, Jorge Portugal afirma que “entrar num processo de internacionalização, através da inovação tecnológica, sem uma proteção — na prática uma patente ou um modelo de utilidade — que lhes permita criar uma espécie de fosso à volta do ativo e do investimento é basicamente um suicídio”.
Com a chegada do novo programa, a associação espera que as firmas consigam não só perceber a importância dos seus ativos intangíveis, como mapeá-los e capitalizá-los. As inscrições arrancam esta terça-feira, sendo que o projeto-piloto é dirigido a pequenas e médias empresas e startups que tenham “um modelo de negócio claro e já aprovado”, que estejam a “ganhar dinheiro no mercado”, “num processo de internacionalização”, que tenham um produto inovador e “direitos sobre os intangíveis”. Acima de tudo, diz Jorge Portugal ao Observador, “têm de ter um portfólio de IP [propriedade intelectual] sobre o qual assenta a sua estratégia de expansão”.
Às 15 a 20 empresas que serão selecionadas vão ser atribuídos especialistas de gestão de propriedade intelectual, nacionais e internacionais, que vão prepará-las para que consigam desenvolver uma estratégia nessa área. Na prática, segundo o diretor-geral da Cotec, esses profissionais vão ser responsáveis por “um processo de coaching” durante quatro meses, com quatro sessões de aconselhamento individual, para perceber “se há um mapeamento destes ativos, se estes ativos estão ou não protegidos, de que forma estão protegidos, se estão valorizados” ou se estão incorporados na oferta de negócio.
O programa é gratuito para aqueles que forem escolhidos, mas Jorge Portugal espera que invistam no que classifica como uma “espécie de acelerador da maturidade da gestão dos direitos de propriedade intelectual”: “Vamos querer que as empresas dediquem uma equipa para que estas sessões de coaching e o contacto com os especialistas sejam devidamente aproveitados.”
Questionado acerca do custo do projeto-piloto para a Cotec, o diretor-geral não quis avançar com quaisquer números. “Fizemos um investimento, que obviamente são os nossos recursos, o envolvimento dos nossos recursos internos. Não é, ainda, muito elevado”, começa por dizer. “Não conseguimos neste momento contabilizar [o investimento em recursos internos e económicos]. Eu diria que é equilibrado, que estão perfeitamente adequados àquilo que é a importância estratégica desta matéria do ponto de vista da capacitação das empresas para continuar este processo de crescimento internacional associado à inovação”, acrescenta, após insistência por parte do Observador.
Quando chegar o “momento de saída da clínica”, no próximo mês de setembro, o IP Management Clinic termina com uma sessão de apresentação das experiências das empresas. Apesar de o fim estar marcado, Jorge Portugal deixa a porta aberta para novas edições, com mais empresas, “o mais depressa possível”. “É um piloto, com 20 empresas, mas podemos fazer o scaleup do projeto, a nível nacional, para muito mais empresas, se tudo correr como nós esperamos.”
Portugal triplica número de pedidos de patentes europeias numa década: “Uma boa notícia”, mas “a nossa base de partida é muitíssimo pequena”
Na semana em que se soube que Portugal bateu novamente o recorde nacional de pedidos de patentes junto do Instituto Europeu de Patentes e que na última década o número praticamente triplicou, Jorge Portugal salienta a importância de as empresas e os seus gestores criarem “estes fossos à volta dos seus castelos, que são os ativos intangíveis”.
Para o diretor-geral da Cotec é uma “boa notícia ter triplicado o número de registos [de patentes], mas o que é importante é perceber que a nossa base de partida, nesta última década, é muitíssimo pequena” em comparação com outros países. “Não há tradição em Portugal, em termos empresariais, de registo e é por isso que nos 10 primeiros [requerentes nacionais] aparecem três universidades e dois centros tecnológicos”, afirma, acrescentando que nesse ranking aparecem também associadas da Cotec como a Nos, a TMG ou a Fravizel.
Por isso, apesar das “boas notícias”, Jorge Portugal considera que existe “ainda um caminho a fazer” quanto à proteção dos direitos de propriedade intelectual. E para sustentar a sua opinião recorre a números: “das 38 mil empresas do setor exportador em Portugal, apenas 10% investem em inovação e desenvolvimento (…) se acharmos que essas 38 mil exportadoras todas se consideram inovadoras, apenas uma minoria protege os seus direitos de propriedade intelectual”. “Mesmo entre as inovadoras Cotec só dois terços é que têm direitos de propriedade intelectual.”
As empresas portuguesas, o investimento português, a investigação e desenvolvimento, o número de pessoas afetas à investigação e desenvolvimento nas empresas está a crescer, tipicamente, nos últimos anos, 15% ao ano. Quer dizer que estamos a acelerar”. Porém, para Jorge Portugal, o “grande desafio” é que as firmas, ao crescerem, não protejam “devidamente os seus ativos intangíveis”.
Questionado sobre se o aumento das taxas de pedidos de patentes de 2022 para 2023 (de 109,07€ por um pedido online para 117,93€; de 218,14€ em papel para 235,86€) pode ter contribuído para o facto de nem todas as empresas pensarem em proteger as suas invenções, Jorge Portugal recusa essa possibilidade. “A taxa de proteção é um custo absolutamente incontornável, mínimo, tendo atenção àquilo que será a possibilidade de uma empresa ser copiada no momento em que entra no mercado ou está integrada numa cadeia de abastecimento”, defende.
Quanto ao futuro, já com um novo governo a liderar o país, o diretor-geral da Cotec espera que exista “mais economia” e um maior envolvimento desse Ministério nos direitos de propriedade intelectual, que acredita que não devem ser um tema só de Justiça como têm sido até agora. Até porque, considera, os “indicadores de proteção tecnológica, de inovação, são tanto maiores, em termos de proteção de patentes, quanto também o desempenho agregado da inovação da própria economia”. “Há uma relação direta entre o desempenho produtivo da economia, do ponto de vista da inovação, e a proteção.”