A falta crónica de especialistas em Ginecologia/Obstetrícia está a agravar-se no distrito de Setúbal, uma área onde vivem quase 900 mil pessoas. Têm-se sucedido os encerramentos não programados nas urgências obstétricas do Hospital do Barreiro e também do Hospital de São Bernardo, em Setúbal, unidades que deveriam garantir a resposta de forma alternada nesta área, segundo o plano da Direção Executiva do SNS — o que não está a acontecer.
Desde segunda-feira que a urgência de Hospital do Barreiro está encerrada de forma extraordinária, situação que se deve prolongar pelo menos até esta quinta-feira. O encerramento não programado deste serviço coincide com o fecho — esse sim programado — durante esta semana, da urgência de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de São Bernardo.
Garcia de Orta está a assegurar a resposta de três hospitais
Por estes dias, a única urgência de Obstetrícia aberta na península de Setúbal é a do Hospital Garcia de Orta, que fica às portas de Lisboa, o que deixa toda a população da zona sul e leste da península sem resposta urgente nesta área.
Na semana passada, o cenário inverteu-se: a urgência do Hospital de Setúbal esteve encerrada por alguns dias, quando, segundo o plano “Nascer em Segurança” (da Direção Executiva do SNS), o serviço deveria ter estado a funcionar sem interrupções entre 1 e 8 de abril, uma vez que a urgência do Hospital do Barreiro esteve fechada. A informação sobre o encerramento extraordinário do serviço no Hospital de Setúbal, na semana passada, foi avançada ao Observador pelo obstetra José Pinto de Almeida, que faz parte do secretariado do Sindicato Independente dos Médicos e que é também diretor do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de São Bernardo.
Ao contrário do Hospital da Unidade Local de Saúde do Arco Ribeirinho (onde se inclui o Hospital do Barreiro), que tem comunicado os encerramentos extraordinários (que se sucedem desde o início de março) nas redes sociais, a Unidade Local de Saúde da Arrábida (que integra o Hospital de São Bernardo) não tem informado as utentes sobre os encerramentos não programados, nem através do site, dando apenas conta da calendarização disponibilizada pela Direção Executiva do SNS.
Segundo o plano “Nascer em Segurança”, elaborado pela Direção Executiva, os serviços de urgência obstétrica dos hospitais do Barreiro e de Setúbal devem funcionar de forma alternada, de modo a garantir a resposta à população, o que não tem acontecido.
Falta de médicos agrava-se e há dificuldades em contratar
Na origem dos encerramentos não programados tanto numa como na outra unidade hospitalar está a falta de especialistas. No Hospital do Barreiro, a saída de obstetras tem vindo a acelerar ao longo dos últimos meses, diz José Pinto de Almeida. Desde 2023 saíram pelo menos seis especialistas do serviço, reduzindo a sete o quadro atual de obstetras, quando deveriam ser pelo menos 20.
Em janeiro, o Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos avisava que, dos sete médicos, dois deles, mais jovens, poderiam “não ficar durante muito tempo”, devido à pressão sentida no serviço de urgência, consequência da grande afluência de utentes nas semanas em que a urgência do Hospital de São Bernardo está encerrada. “Na prática, são duas áreas a cobrir com uma equipa insuficiente“, dizia Paulo Simões, à Lusa. Outro grande fator de pressão sobre a capacidade de resposta são as grávidas que chegam da Ásia e de África, que nunca foram seguidas e que surgem com situações de descompensação.
No Hospital de Setúbal, a situação é igualmente crítica. O serviço continua com apenas 25% dos médicos necessários para assegurar as escalas e, segundo Pinto de Almeida, não tem sido possível captar novos obstetras. Para além disso, a unidade hospitalar tem cada vez maior dificuldade em contratar médicos prestadores de serviço, os chamados tarefeiros, que têm menos disponibilidade, principalmente aos fins de semanas.
Direção Executiva só fez plano para abril. Obstetra critica imprevisibilidade
“A situação é grave e ainda nem estamos no verão“, sublinha o responsável sindical, antevendo que nos próximos meses o preenchimento das escalas se torne ainda mais complicado. A situação só não é pior, acrescenta, porque os obstetras do quadro que têm mais de 55 anos (e que, por lei, estariam dispensados da obrigatoriedade de realizar trabalho na urgência) continuam a fazer parte das escalas.
José Pinto de Almeida critica também a Direção Executiva do SNS, que só a 1 de abril informou o Hospital de Setúbal do novo plano de funcionamento da urgência, o que dificultou a organização do serviço que lidera. Para além disso, e pela primeira vez, a entidade liderada por Fernando Araújo divulgou um plano a nível nacional apenas para um mês (o de abril), quando o habitual é a calendarização definir o funcionamento das urgências de Obstetrícia e Blocos de Parto por um período de três meses. “É impossível governar um serviço assim”, lamenta Pinto de Almeida.
O Observador questionou as ULS do Arco Ribeirinho e da Arrábida de modo a perceber o que explica os encerramentos não programados das urgências de Obstetrícia, e o que está a ser feito para evitar novos fechos. Apenas a ULS da Arrábida, que abarca o Hospital de Setúbal respondeu, garantindo que a unidade hospitalar “está a cumprir com o calendário acordado com a Direção Executiva”. No entanto, ao mesmo tempo, fonte oficial do hospital também referiu ao Observador que se poderão ter registado encerramentos parciais da urgência obstétrica na semana passada, nomeadamente a grávidas encaminhadas pelo INEM, num momento em que a urgência deveria estar a funcionar em pleno e sem constrangimentos.