O Supremo Tribunal de Justiça validou a decisão da Relação de Évora e absolveu o “Dux” João Gouveia e a Universidade Lusófona do pagamento de uma indemnização de mais de um milhão de euros aos pais dos seis estudantes que morreram afogados em dezembro de 2013 numa praia do Meco, quando participavam num encontro — que o Supremo também considera não ter ficado provado tratar-se de uma praxe. Advogado das famílias vítimas diz ao Observador que vai avançar com queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o Estado Português.

O acórdão a que o Observador teve acesso refere que o tribunal “julgou improcedente o recurso interposto pelos pais daqueles estudantes, por ter considerado que o pouco que se conseguiu apurar, relativamente ao que sucedeu naquela noite na Praia do Moinho de Baixo não era suficiente para se poder responsabilizar os Réus pela perda da vida daqueles jovens”.

Sete anos depois, dux falou da noite da tragédia do Meco: “Levámos com uma onda. Quando vim ao de cima, recordo-me de ver alguns”

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No mesmo documento, o Supremo refere que, tendo em conta os dados que foi possível apurar, “apenas resulta que aquele grupo de jovens, numa ação conjunta de grupo, decidiram ir à praia na noite de 14 para 15 de dezembro e sentaram-se numa zona que, embora de areia seca, era suscetível de vir a ser atingida pelas ondas, como se veio a verificar”. Não ficou tribunal, de acordo com o comunicado, que “o ‘Dux’ tenha desempenhado um papel influente ou promotor desse ato de exposição ao perigo, sendo o seu comportamento igual ao dos demais jovens, não se tendo também provado que estes não estivessem em condições de decidir, com autonomia e, portanto, responsavelmente”.

A decisão foi aprovada por maioria dos votos dos juízes e não por unanimidade.

O mesmo tribunal afasta a ideia de que, enquanto “Dux” — ou seja, enquanto figura máxima entre os estudantes — não tinha qualquer posição de “domínio” sobre o restante grupo, em que lhe fosse “exigível que tivesse dissuadido os seus colegas de se sentarem naquela zona da praia, não se tendo também provado que ele nada tenha feito com esse propósito.” João Gouveia foi o único sobrevivente daquela noite.

Famílias das vítimas vão avançar com queixa contra o Estado Português

Vítor Parente Ribeiro, advogado das famílias das vítimas, recebe esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça “com bastante tristeza”. Em declarações à Rádio Observador, o advogado diz que esta decisão “é a confirmação de que os tribunais em Portugal não defendem a vida das pessoas”.

O próximo passo neste processo é uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Vítor Parente Ribeiro espera, com uma decisão favorável nesta instância, conseguir reverter o que foi agora decidido pelo Supremo. A queixa tem de ser apresentada num prazo máximo de quatro meses depois desta decisão.

O advogado considera que a justiça em Portugal, “neste momento, é uma questão de sorte”, e alerta para uma disparidade de entendimento entre os conselheiros do Supremo: a “relatora original defende precisamente o contrário do que defendem os juízes conselheiros adjuntos, não há unanimidade na decisão”.

Ouça aqui a entrevista ao advogado das famílias das vítimas, Vítor Parente Ribeiro.

Vítor Parente Ribeiro: “Recebemos a decisão do Supremo Tribunal de Justiça com bastante tristeza”

Praxes são “fator de risco para a segurança e liberdade dos estudantes”

Além de João Gouveia, o Supremo Tribunal de Justiça afastou também responsabilidades da Universidade Lusófona no desfecho daquela noite. Mas tece críticas à realização de praxes, pelo “fator de risco para a segurança e liberdade” do corpo de estudantes.

Os juízes admitem que “a existência de praxes” possa representar “uma forma de integração dos novos estudantes na vida académica e de desenvolvimento de sentimentos de camaradagem e solidariedade no seio da universidade”. Mas também sublinha que essa prática “é um fator de risco para a segurança e liberdade dos estudantes, sendo uma fonte de violações de direitos dos estudantes, aliadas a essas práticas, tais como a violência, a coação física e psicológica, o bullying, o hazing, a criação de situações de perigo ou de discriminação”.

O Supremo sublinha, a esse respeito, que recaem sobre as “instituições universitárias o dever de adotar medidas e precauções que evitem a violação dos direitos dos estudantes em resultado de atividades praxistas”.

Mas, no que diz respeito àquela noite de dezembro de 2013, o comunicado do acórdão — que ainda não foi disponibilizado — iliba responsabilidades da instituição. “As universidades não têm a possibilidade de adotar medidas de intervenção direta e de aí exercer ações de vigilância” quando as atividades de praxe decorrem fora das suas instalações, ressalvam os juízes. Nessas situações, caberá às universidades “desenvolver ações preventivas de promoção de uma cultura de respeito, segurança e responsabilidade entre os estudantes, de modo a mitigar os riscos associados às praxes e a fomentar um ambiente universitário que evite más práticas, não existindo, pelo menos à época, um dever jurídico de formalmente regulamentar as atividades de praxe pelas universidades”.

Portanto, conclui o comunicado, considerou-se não ser possível imputar responsabilidades à Universidade Lusófona, por não ter ficado provado que “não tenha adotado os referidos comportamentos de sensibilização dos estudantes para a prática de uma praxe que respeitasse os direitos destes”.