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Entre senhas de presença e ajudas de custo, Santa Casa pagou 850 mil euros a dois gestores da área internacional

Este artigo tem mais de 6 meses

Empresa de internacionalização da Santa Casa pagou 850 mil euros, entre salários, ajudas de custo e senhas de presença, a dois administradores que foram depois afastados.

Ana Jorge justificou aos deputados porque decidiu parar as transferências para o Brasil
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Ana Jorge justificou aos deputados porque decidiu parar as transferências para o Brasil

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ana Jorge justificou aos deputados porque decidiu parar as transferências para o Brasil

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Depois de ter sido acusada de “abandonar e afundar” o projeto de internacionalização, provocando perdas e responsabilidades para a Santa Casa que podem chegar a 30 milhões de euros, Ana Jorge contra-atacou com outros números relativos a antigos gestores que conduziram o processo de internacionalização.

Contas apresentadas pela provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) esta quarta-feira na comissão parlamentar da Segurança Social indicam que Ricardo Gonçalves e Francisco Pessoa e Costa receberam 850 mil euros nos três anos em que estiveram em funções na Santa Casa Global, empresa criada em 2020 para lançar a expansão internacional, e na Santa Casa Global Brasil.

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Estes montantes dividem-se em 500 mil euros para o ex-presidente Ricardo Gonçalves e 350 mil euros para o ex-administrador Francisco Pessoa e Costa e referem-se a remunerações, mas também a ajudas de custo (que em alguns casos chegariam a 5.000 euros por mês) a senhas de presença pela participação em reuniões (1.000) euros e até despesas pessoais, tendo sido dado o exemplo do pagamento de uma creche. Grande parte destas despesas estão relacionadas com as operações no Brasil onde a Santa Casa Global criou uma participada, a Santa Casa Brasil, que investiu numa rede de várias empresas cuja fundamentação e racionalidade económica não está sustentada e que, segundo a atual provedora, não traziam qualquer expetativa de lucro ou retorno do investimento feito pela Santa Casa.

Os dois antigos gestores foram afastados da Santa Casa Global no ano passado, mas são quadros da instituição, tendo desempenhado funções no departamento de jogos. Francisco Pessoa e Costa, que foi destituído do cargo de administrador, contestou judicialmente esta decisão de outubro do ano passado. Na contestação feita a esta ação, a Santa Casa imputa ao ex-administrador a inclusão de “cláusulas abusivas” no acordo de exercício do mandato de gerente, como uma remuneração mensal de cerca de seis mil euros e senhas de presença de mil euros nas reuniões do conselho de gerência.

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Esta contestação, divulgada pela agência Lusa, alega ainda que as decisões do ex-gerente “parecem ir ao encontro de meros benefícios pessoais”, responsabilizando Francisco Pessoa e Costa pela “rede de empresas constituídas sem qualquer fundamento”, bem como pela escolha de parceiros alegadamente sem idoneidade, indicando um conjunto de irregularidades na SCG, na SCG Brasil, na SCG Brasil Participações, na MCE, na Santa Casa Capitalização ou na Ainima Holdings, entre outras.

Durante a audição, Ana Jorge procurou ainda explicar as dúvidas e preocupações que levaram a suspender as transferências para o Brasil. Contou que assim que tomou posse em maio de 2023, os dois administradores estiveram “dias sentados” à sua porta com pedidos insistentes de fosse assinada uma nova garantia bancária de 9,5 milhões de euros para empréstimos a contrair no Brasil. Por esta altura, o montante das cartas conforto e garantias emitidas pela Santa Casa em nome da Santa Casa Global já ia em 14 milhões de euros. Estas garantias são executadas quando as entidades que beneficiam do crédito não cumprem os pagamentos aos bancos.

A ainda provedora explica ainda que a maior parte do financiamento dos 30 milhões de euros destinados ao Brasil foi usado na Santa Casa Brasil e na aquisição da participação de 55% na MCE, empresa que tinha um contrato com a empresa que explora o jogo no Rio de Janeiro, a Loterj. Segundo o ex-provedor Edmundo Martinho, esta operação foi antecedida de um processo de due-dilligence, mas Ana Jorge disse aos deputados que essa avaliação de riscos feita por um advogados brasileiros não estava assinada. E ainda assim, apontava para contingências. Ainda assim, a operação avançou sem que, referiu, se perceba qual o fundamento do valor pago pela Santa Casa, disse.

Uma das grandes desconfianças sobre este investimento prende-se com suspeitas noticiadas pela imprensa brasileira que apontavam para atividade ilícitas dos sócios locais que detinham 45% da MCE. Ana Jorge questiona ainda a resposta dada por Francisco Pessoa e Costa à pergunta colocada pelo vice-provedor João Duarte: Onde está o dinheiro?

Pessoa e Costa afirmou aos deputados que a MCE (participada da Santa Casa Global) recolhia as receitas da lotaria nos 15 mil postos de venda no Rio de Janeiro e entregava à empresa pública que faz a exploração, a Loterj, que devolvia 40% dias depois, a título de comissão de pagamento. Esse dinheiro, acrescentou era usado para pagar a trabalhadores, impostos, fornecedores, marketing e despesas de funcionamento. Segundo o antigo gestor, esse circuito foi interrompido quando a Santa Casa carregou no travão, o que levou à acumulação de dívidas à Loterj por parte da MCE e a processos judiciais contra a participada portuguesa.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Ana Jorge questiona esta tese: Se a MCE recolhia o dinheiro da lotaria no Rio de Janeiro para a entregar à empresa pública Loterj e se depois esta entregava 40% à MCE — e era esse dinheiro que servia para pagar as despesas e salários — porque parou esse circuito financeiro? O jogo continuou a ser vendido nos pontos de venda geridos pela MCE e o dinheiro da venda deveria ter sido entregue à Loterj. Essa é a dívida que a Loterj reclama num dos processos judiciais que visam a Santa Casa enquanto acionista da MCE. Mas, afirmou Ana Jorge, “não existe rasto desse dinheiro” do que foi possível verificar nas contas das MCE.

A provedora justificou ainda a travagem das transferências para o Brasil. “O dilema era simples e as consequências enormes. Ou se mantinham as prestações milionárias no que se perspetivava ser um poço sem fundo, comprometendo a curto e longo prazo a Santa Casa. Ou assumia-se que não haveria mais transferências porque fechar logo as operações não seria possível”.

Um ano depois e já com a informação recolhida pela auditoria forense, Ana Jorge está mais convicta das decisões que tomou em relação às operações internacionais, dadas a opacidade da informação e a dificuldade na obtenção de documentos. E disse que os próprios gestores afastados reconheceram em memorandos feitos em 2021 e 2022 que as operações internacionais não estavam a gerar o retorno antecipado. Este foi um investimento que foi justificado e autorizado pelo Governo como estratégia para obter receitas que compensassem a perda das receitas dos jogos sociais da Santa Casa.

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Nas audições realizadas na semana passada, os antigos gestores defenderam a ideia contrária, considerando que era prematuro exigir lucros à operação num prazo tão reduzido, e que os projetos no Brasil apresentavam um grande potencial de retorno que se perdeu com a saída precipitada da Santa Casa.

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Ana Jorge desvaloriza ainda a proposta de compra dos negócios do Brasil que terá sido feita à Santa Casa, segundo o testemunho de Pessoa a Costa. Era uma proposta que tinha por base pressupostos que não se verificavam. E justifica a decisão de não investir mais na parceria com o Banco de Brasília que foi suspensa pelo Tribunal de Contas do Estado Federal devido a dúvidas sobre a sua legalidade que não foram ainda esclarecidas.

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