Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça, reconhece que existe uma “relação de desconfiança” entre o poder judicial, que desconfia do poder legislativo e do poder executivo. Os poderes executivo e legislativo “desconfiam do poder judicial porque acreditam que o poder judicial estará em permanência à procura de um qualquer pretexto para o enfrentar”.
O Manifesto dos 50 por uma reforma na Justiça, assinado por várias personalidades, é um exemplo dessa desconfiança, resume a antiga ministra em entrevista ao Diário de Notícias e à TSF onde aborda também o problema da reparação dos crimes coloniais e a corrupção. “O manifesto acaba, no fundo, por ser o clímax desse ambiente que é um ambiente de guerra surda existente em ambas as partes e a expectativa que tenho é que este sobressalto cívico, se assim se pode chamar o manifesto que foi assinado, mas percebo que há pessoas das mais variadas origens, com as mais diferentes preocupações.”
Contra as falhas da Justiça, 50 personalidades subscrevem manifesto a exigir “reforma” do sistema
Durante a entrevista, a juíza jubilada e conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, também abordou a questão da demissão de António Costa. “O parágrafo do comunicado é fatal”, referindo-se ao último parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República, onde era mencionado o nome do ex-primeiro-ministro.
Parágrafo que levou à demissão de António Costa foi redigido por Lucília Gago
Notou que “qualquer pessoa que leve a política a sério, que seja de facto um político que se preocupe com a imagem e a dignidade do cargo e com o bem comum, naquele contexto, se demitiria”.
“Devo, aliás, dizer que à luz dos dados que tenho da personalidade do doutor António Costa, com quem trabalhei, como sabem, no 21.º Governo Constitucional, estranharia muito e ficaria mesmo muito surpreendida se ele não o fizesse”, continuou.
Evitou pronunciar-se sobre a atuação da procuradora-geral da República, lembrando que teve “responsabilidades ao nível da nomeação” de Lucília Gago e que por “cortesia” não se pronuncia sobre os atos da procuradora-geral.
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Mecanismo de combate à corrupção está “operacional”, mas é preciso “dar tempo para que coisas aconteçam”
Durante o mandato de Francisca Van Dunem enquanto ministra da Justiça, foi aprovada a primeira estratégia nacional de combate à corrupção, incluindo o mecanismo de combate à corrupção.
Van Dunem rejeita durante a entrevista a ideia de frustração pelos resultados da estratégia, notando os relatórios anuais de atividade. “O mecanismo basicamente neste momento está operacional, está a funcionar, mas tem défice a nível de funcionários.”
A antiga ministra considera que é “preciso dar tempo para que as coisas aconteçam”, mas reconhece que “o mecanismo precisaria eventualmente de ganhar mais influência em termos sociais e institucionais”.
Notou que “falar de ser anticorrupção também rende” e que foi criada uma “espécie de plataforma de anjos íntegros, que são pessoas que falam sistematicamente da corrupção dos outros, para quem todas as outras pessoas são improbas, são corruptas”.
“Reparação faz-se pela dignificação dos herdeiros dos processos coloniais” que vivem em Portugal
A antiga ministra, que nasceu em Angola, aborda também o tema das reparações, uma questão trazida ao espaço público por Marcelo Rebelo de Sousa. Durante um encontro com correspondente estrangeiros em Portugal, em abril, o Presidente disse que Portugal tem de “pagar os custos” das ações coloniais. “Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”, declarou o chefe de Estado.
Marcelo Rebelo de Sousa defende pagamento de reparações por crimes da era colonial
A ex-ministra da Justiça reforçou que a vida de quem lhe era próximo e as pessoas que perdeu “não tem remissão possível”. “Temos aqui uma linha em que há atos de barbárie que foram praticados e que não têm reparação do ponto de vista monetário”, vinca.
“Se é preciso, se é possível reparar alguma coisa, essa reparação faz-se pela dignificação dos herdeiros dessas pessoas e dos herdeiros destes processos coloniais que vivem hoje, nomeadamente aqui em Portugal, das comunidades que estão aqui em Portugal e que devem ter um tratamento justo, um tratamento equitativo. Acho que essa é a grande exigência que se deve fazer”, destacou.
A antiga ministra considera que “persiste em termos culturais na sociedade portuguesa um enorme preconceito que atinge as populações africanas e afrodescendentes desvalorizando-as”. “Há uma desvalorização efetiva.”