A final da Taça de Portugal é sempre aquele jogo onde cabem vários “jogos”. Porque é uma festa à parte de todas as outras que começa a ser combinada um mês antes entre amigos como se fosse o dia mais importante da temporada, porque reúne uma multidão que enche o espaço do Jamor até rumar ao Estádio, porque tem o condão de fechar uma longa época já a olhar para a próxima. Neste particular, era aquele jogo que tinha ainda mais jogos do que é habitual. Para Sporting ou FC Porto, ganhar não significava apenas ficar com o último troféu nacional e perder não representava apenas falhar o último objetivo balizado. Estava em cima da mesa uma possibilidade de dobradinha, o fim da longa era Pinto da Costa, o início de um novo ciclo nos dois clubes. Estava em cima da mesa quase um paradoxo entre o que costuma ser, o que é e o que será a realidade.

No lado do Sporting, melhor era impossível. Resolvido o affaire Amorim, que passou da procura de um outro romance no futebol em Londres para a garantia de que continuará fiel ao seu grande amor como técnico nos últimos quatro anos, o conjunto leonino ganhou o segundo Campeonato em quatro anos com a melhor versão futebolística nas derradeira largas temporadas, andou de festa em festa a comemorar o feito e apostava agora as fichas todas para chegar à dobradinha que fugia há 22 anos. Era a diferença entre ser uma temporada boa e quase perfeita (sendo que ainda hoje Amorim não “resolveu” a eliminação com a Atalanta, que considera ter sido um final com contornos injustos) naquilo que já é uma certeza até pelas movimentações que estão feitas para 2024/25: o conjunto de Alvalade pode ganhar mais ou menos mas, sobretudo nestes quatro anos de estabilidade técnica, diretiva e institucional, criou condições para estar mais vezes perto do sucesso.

“Ganhar a Taça depois do Campeonato para o Sporting é muito mais importante. Esta equipa tem de tornar esta época especial. Os recordes são importantes mas valem pouco, o que interessa são as vitórias e mais frente a um treinador que ganhou mais do que ninguém em Portugal. Vídeo do ‘rebentar’ de Frederico Varandas? Foi uma conversa de balneário, não devia ter saído cá para fora. Se fosse eu, essa frase estaria no ecrã na Academia todos os dias. Quentinho vai ser sempre, pelos treinadores que gostam sempre de ganhar, pelos jogadores. Se for de uma forma positiva e não de grandes confusões, vai dar mais sumo à final”, tinha apontado Rúben Amorim, assumindo que o homólogo Sérgio Conceição foi sempre o treinador mais difícil de bater e fazendo uma defesa acérrima dos jogadores do Sporting não convocados para o Euro, como Francisco Trincão e Pedro Gonçalves (e o próprio Nuno Santos), que levantou algumas ondas nos bastidores.

No polo do FC Porto, não sendo uma realidade diametralmente oposta, esta foi a temporada mais atípica na era Sérgio Conceição, a começar pelo fim do reinado de Pinto da Costa com 20% de votos num universo de mais de 27 mil votantes e a terminar num provável cenário de saída no final da época depois de sete anos que vieram resgatar aquilo que é o verdadeiro ADN dos dragões. Falta de títulos à parte, e entre pontos positivos como a “explosão” de Francisco Conceição, a contratação de Alan Varela e o lançamento de jovens jogadores, 2023/24 tornou-se sobretudo um espelho das razões que fizeram com que o atual técnico se tornasse tão importante no clube depois de quatro anos sem ganhar nada. Mais: de forma inevitável, a vontade de fechar este ciclo da melhor forma possível teve naquele vídeo do discurso de Frederico Varandas num jantar privado com o plantel um aditivo extra que foi depois explorado por vários elementos dos azuis e brancos.

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“O importante nestes jogos, em termos daquilo que são as características, é sermos fiéis ao que somos como equipa. Isso adquire-se naturalmente pelo dia que é e por ser uma final. A intensidade, o plano traçado para o jogo, cada um estar no seu nível alto e, depois, a paixão. Esta equipa do Sporting parece fácil de desmontar, com muita largura, a atacar a profundidade com muita facilidade, mas depois fica difícil se não estivermos focados e concentrados. É um treinador com muitas nuances durante o jogo, tem evoluído ao longo do tempo e tem sido muito capaz. Se me passou pela cabeça ser o último jogo? Passou, para ser sincero passou. O meu futuro não está dependente de nenhuma conversa, quem decide o meu futuro sou eu. Ponto. Se o meu futuro for sair, é com um sentimento de gratidão e dever cumprido. Há uma coisa que não abdico: a gratidão e o respeito pela pessoa que me trouxe para aqui com 15 anos”, salientara Sérgio Conceição.

A forma como os adeptos do FC Porto festejaram os golos, sobretudo o segundo de Taremi que fez o 2-1 da reviravolta já no prolongamento, provou que não mais aquela frase do “temos de rebentá-los todos” foi esquecida pelos azuis e brancos (dos jogadores ao banco, da central ao topo). Foi também por isso que se festejou tanto uma Taça de Portugal que “atenuou” uma época má de todas as mudanças e que foi escrita por um herói improvável chamado Diogo Pinto. Que primeiro estava ansioso para sair da baliza e da área e com isso contribuiu de forma indireta para a expulsão de St. Juste que marcou toda a final, que depois foi perdendo esse nervosismo até em demasia e teve uma saída sem sentido dos postes para a grande penalidade que decidiu o encontro no prolongamento. O melhor e mais importante dia da longa carreira do jovem guarda-redes de Felgueiras acabou da pior forma numa equipa do Sporting que merecia outro final de época.

Ficha de jogo

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FC Porto-Sporting, 2-1 (a.p.)

Final da Taça de Portugal

Estádio Nacional, em Lisboa

Árbitro: Fábio Veríssimo (AF Leiria)

FC Porto: Diogo Costa; João Mário (Taremi, 46′), Otávio, Zé Pedro, Wendell; Alan Varela (Grujic, 85′), Nico González (Eustáquio, 85′); Francisco Conceição (Gonçalo Borges, 118′), Pepê (Martim Fernandes, 113′), Galeno e Evanilson (Romário Baró, 104′)

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Fábio Cardoso e Danny Namaso

Treinador: Sérgio Conceição

Sporting: Diogo Pinto; St. Juste, Coates (Paulinho, 102′), Gonçalo Inácio; Geny Catamo (Diomande, 71′), Morita (Eduardo Quaresma, 37′), Hjulmand, Nuno Santos (Ricardo Esgaio, 81′); Francisco Trincão (Daniel Bragança, 71′), Pedro Gonçalves (Koba, 91′) e Gyökeres

Suplentes não utilizados: Francisco Silva, Marcus Edwards e Luís Neto

Treinador: Rúben Amorim

Golos: St. Juste (20′), Evanilson (26′) e Taremi (100′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Mário (37′), Gyökeres (39′), Alan Varela (66′), Daniel Bragança (78′), Neto (81′, no banco), Zé Pedro (90+1′), Evanilson (103′), Hjulmand (106′), Paulinho (108′) e Otávio (110′); cartão vermelho direto a St. Juste (30′) e Sérgio Conceição (98′)

O encontro começou com um ligeiro atraso quase da praxe entre as cerimónias comemorativas da final e a festa a azul e verde que se foi fazendo na antecâmara do pontapé inicial mas nem por isso houve equipas mais “desligadas”, com Trincão a chegar ligeiramente atrasado após uma grande combinação ofensiva com Pedro Gonçalves e Gyökeres (2′) e depois Evanilson a ser lançado na profundidade por Galeno com Diogo Pinto a demorar muito a sair da baliza mas a conseguir ainda evitar o remate do avançado brasileiro (3′). Esse podia ser um calcanhar de Aquiles dos leões, que tinham na baliza um jovem de 19 anos com a experiência de dois jogos na Primeira Liga a precisar de redobrada proteção para o jogo de uma vida. Foi também por isso que se seguiram posses mais longas do conjunto de Amorim, que ganhavam confiança com bola e colocaram após circulação entre os três corredores o central St. Juste na carreira de tiro para defesa de Diogo Costa (9′).

Depois, o FC Porto começou a crescer. Essa superioridade nunca se materializou em oportunidades ou bolas de perigo no último terço mas havia uma melhoria do jogo azul e branco pela forma como condicionava logo a primeira fase de saída em construção dos leões, retirando esse conforto do jogo com bola ao adversário e provocando vários passes errados ainda no seu meio-campo perante uma fase onde nem a profundidade que Gyökeres consegue sempre dar “resgatava” a equipa. Ainda assim, e contra a corrente do jogo, foi mesmo o Sporting a adiantar-se no marcador, com Pedro Gonçalves a marcar um canto na esquerda do ataque para St. Juste surgir ao segundo poste a desmontar a estrutura defensiva portista com um cabeceamento para o 1-0 (20′). Os campeões faziam a festa mas não seria por muito tempo: na sequência de uma bola mal dominada por Geny Catamo, Evanilson ficou isolado na área e atirou sem oposição para o empate (26′).

As bancadas com adeptos do FC Porto “explodiam” num grito de revolta que se alargou nos minutos que se seguiram, quando Galeno foi lançado uma vez mais na profundidade, num movimento que os dragões foram usando e abusando perante as debilidades que os leões mostravam nesse tipo de lances, Diogo Pinto voltou a ficar na sua zona de conforto e St. Juste fez falta para vermelho direto. Inicialmente Fábio Veríssimo ainda assinalou penálti, o VAR corrigiu depois para livre direto mas o Sporting estava mesmo condenado a jogar apenas com dez unidades até ao final, o que mudaria por completo as características do jogo (32′).

Na sequência dessa bola parada, Francisco Conceição ficou perto da reviravolta mas o livre, após sofrer ainda um desvio na barreira, saiu muito perto do poste da baliza de Diogo Pinto (35′). Pouco depois, foi Wendell a arriscar também a meia distância que não saiu longe do alvo. Os dragões forçavam o ritmo para conseguirem a vantagem antes do intervalo mas continuavam passivos nos esquemas táticos defensivos, o que fez com que Coates desviasse de cabeça um livre com perigo (38′) e Gonçalo Inácio visse Diogo Costa fazer a melhor defesa dos 45 minutos iniciais de novo na sequência de bola parada (45+1′). Evanilson, sozinho na área após grande arrancada de João Mário pela direita, ainda teve uma oportunidade para desfazer o 1-1 antes do descanso mas pegou na bola demasiado por baixo e viu o remate sair demasiado por cima (45+2′).

O Sporting já estava curto, com apenas três ações na área contrária (e duas na sequência de bolas paradas com finalização de cabeça), Gyökeres continuava sem aparecer naquelas habituais saídas a ir buscar bola a um dos corredores laterais nas costas dos defesas e Sérgio Conceição, ciente dos maiores momentos por cima que teria na segunda parte, arriscou “sem arriscar”: tirou João Mário, que já tinha um amarelo e uma outra falta a motivar protestos, recuou Pepê e lançou Taremi para dar mais um peso ao ataque frente a um Sporting que tinha trocado ainda na primeira parte Eduardo Quaresma por Morita, com Pedro Gonçalves a recuar para o lugar do japonês. Era com essas bases que ambos os técnicos queriam lançar a segunda parte do jogo, que teria a mesma emoção mas com menos intensidade do que nos 45 minutos iniciais da final.

O início ainda prometeu. Mais uma vez pelo ar, na sequência de uma segunda bola de Francisco Trincão, foi Gonçalo Inácio a surgir mais rápido a desviar de cabeça para nova intervenção monstruosa de Diogo Costa (48′). Logo a seguir, numa das habituais diagonais direita-meio para o remate, Francisco Conceição atirou forte para defesa de Diogo Costa (50′). Estava dado o mote para algo que não se confirmaria. O FC Porto foi sempre a equipa por cima, soube tirar proveito da vantagem numérica para jogar no meio-campo contrário sem dar grandes veleidades a transições rápidas mas enfrentou grandes dificuldades perante uma defesa verde e branca assumidamente descida mas que jogava com as cartas que tinha na mão. Assim, o quarto de hora final chegava com alguns remates fora do alvo de Francisco Conceição e Alan Varela e pouco mais a nível de oportunidades, numa fase em que Diomande e Daniel Bragança já estavam em campo.

Sérgio Conceição começava a mostrar sinais de ansiedade. Não que considerasse que não tinha o jogo na sua mão, que tinha, mas porque via duas coisas de que não estava a “gostar”: por um lado, o FC Porto estava a tentar resolver com remates de fora sem nexo que não aproveitavam a superioridade e os possíveis espaços que se iam abrindo; por outro, ouvia os adeptos do Sporting puxarem pela equipa, quase numa força extra expressa também nos pedidos para segundo amarelo a Alan Varela que fizeram com que o técnico fosse de imediato chamar ao banco Grujic e Eustáquio. Os minutos passavam e o prolongamento parecia um cenário inevitável, com Diogo Pinto a ter outra boa defesa a livre direto de Wendell perto do fim (88′).

O tempo extra começou já com Koba Koindredi em campo no lugar de Pedro Gonçalves e com Diogo Pinto a assumir o protagonismo em tudo o que fazia, no bom e no mau. Porque tão depressa batia bolas na frente que iam demasiado longas ou para fora como tinha intervenções vitais que iam salvando o empate, como aconteceu em desvios na área de Francisco Conceição (92′) e Evanilson (93′). Mais uma vez, acabou por imperar o mau e, na sequência de mais uma bola nas costas, o jovem guarda-redes “atropelou” Evanilson para uma grande penalidade convertida por Taremi para a reviravolta (100′). A partir daí, mesmo com mais um jogador em campo, o FC Porto pouco ou nada atacou entre as instruções recebidas na pista de tartan de um Sérgio Conceição que tinha sido expulso mas os remates de Hjulmand, Diomande e Gyökeres saíram demasiado fracos para defesas segurar de Diogo Costa. Estava escrita a longa história desta final….