A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde atingiu o nível mais baixo da última década, uma queda explicada pelo aumento da despesa, que não foi acompanhada por igual aumento da atividade, segundo um estudo que será apresentado nesta terça-feira.

O Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela NOVA Information Management School (NOVA-IMS), indica que o valor (84,8 pontos) sofreu no ano passado a maior queda (menos sete pontos), com exceção do ano 2020, em que a sustentabilidade se ficou nos 83,9 pontos. No entanto, sem o efeito da pandemia, poderia ter alcançado o valor mais alto de sempre (103,6 pontos).

Em declarações à Lusa, o coordenador do estudo, Pedro Simões Coelho, lembrou que este valor “tem vindo a baixar sistematicamente”, o que significa que, “ao longo destes anos, tem custado mais tratar um doente no SNS [Serviço Nacional de Saúde]”.

Quando nós dizemos que a nossa visão do SNS sustentável é um SNS que é produtivo, isto é, que consegue desenvolver a sua atividade com um custo razoável, que oferece serviços de qualidade e que tem acessibilidade, permitindo dar resposta às necessidades dos cidadãos, temos três vetores a contribuir para a sustentabilidade: a produtividade (…), a qualidade e a acessibilidade”, explicou.

Os dados justificam a queda na sustentabilidade do SNS com o aumento da despesa (7%), que não foi acompanhado por igual aumento da atividade (1,3%), resultando globalmente numa queda da produtividade.

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A produtividade tem vindo a cair ao longo dos anos, registando em 2023 o valor mais baixo da última década.

A “acessibilidade técnica e percecionada”, que avalia o acesso aos cuidados de saúde, também caíram em relação ao ano de 2022, o que é considerado “uma das maiores fragilidades do SNS”.

“O SNS (…) não consegue dar resposta à procura no tempo que devia e não consegue fazer crescer a sua atividade ao ritmo a que está a crescer a despesa”, lembra o coordenador do estudo, que ressalva que o contexto atual é de uma população “muito mais envelhecida e com uma esperança de vida maior, com muito menos mortalidade numa série de doenças”.

Isto faz com que existam muito mais doentes crónicos, que são caros, e por isso é normal que um SNS que foi desenhado num contexto social completamente diferente, sem alterações organizativas, tenha dificuldade em dar resposta à dinâmica demográfica da sociedade atual”, concluiu.

Os dados indicam que a acessibilidade técnica caiu 1,9 pontos, apresentando um dos valores mais baixos do índice. Este item considera valores como as primeiras consultas em tempo adequado, inscritos em lista espera, episódios de urgência atendidos em tempo previsto e utilização da capacidade disponível de hospitalização domiciliária.

“A fotografia é inevitável: se caiu a produtividade, se a qualidade está estabilizada e se a acessibilidade teve também uma tendência de descida, era inevitável que o índice de sustentabilidade caísse de forma significativa”, concluiu Pedro Simões Coelho.

O estudo concluiu ainda que o investimento no SNS em 2023 permitiu um retorno de 6,6 mil milhões de euros, um valor inferior em 1,2 mil milhões de euros ao atingido no ano anterior.

Segundo os dados, quase metade dos portugueses (48%) faltou pelo menos um dia ao trabalho em 2023 por motivos de saúde e 6% faltaram mais de 20 dias. Contudo, a prestação de cuidados de saúde pelo SNS permitiu evitar uma ausência laboral de dois dias, representando uma poupança de mil milhões de euros.

Os cuidados prestados no SNS permitiram ainda evitar 7,1 dias de trabalho perdidos em produtividade, resultando numa poupança de 3,4 mil milhões de euros.

No total, somando o impacto no absentismo e na produtividade, o SNS permitiu uma poupança global de 4,4 mil milhões de euros por via dos salários.

Considerando o impacto da poupança por via dos salários e a relação entre produtividade/remuneração (valores referência do INE), o estudo conclui que os cuidados prestados pelo SNS permitiram um retorno para a economia de 6,6 mil milhões de euros.

Pedro Simões Coelho, destacou a “alteração de padrão” relativamente ao impacto do SNS no absentismo, que passou a ser idêntico ao que era antes da pandemia de Covid-19.

“Subiu o impacto do SNS no absentismo e reduziu-se a perda de produtividade”, destacou o responsável, justificando: “nos anos imediatamente a seguir à Covid, como se implementou muito a estratégia do teletrabalho, as pessoas com certo tipo de doenças acabavam por não faltar ao trabalho porque estavam em casa e, portanto, continuavam a trabalhar. Tinham era perdas de produtividade”.

No ano de 2023 – acrescentou — “continua a existir teletrabalho, mas já se voltou um bocado para os escritórios e para a estratégia que tínhamos antes da Covid e, nesse sentido, é normal que estejamos num período de adaptação do impacto do SNS”.

Questionado pela Lusa sobre o Plano de Emergência e Transição da Saúde, apresentado na semana passada pelo Governo, Pedro Simões Coelho disse que o documento tem “um conjunto de estratégias que correspondem exatamente àquilo que são as principais prioridades” do SNS, distinguindo medidas urgentes, prioritárias e de médio-longo prazo.

Medida a medida, o plano de emergência para a Saúde apresentado pelo Governo

“Agora temos de analisar a sua operacionalização, mas saúdo como positiva a implementação das USF [Unidades de Saúde Familiares] modelo C”, disse o responsável, referindo-se às unidades que podem ser geridas pelos setores social e privado e até por cooperativas de médicos.

Sublinhando que o problema do SNS “não é de qualidade dos profissionais, mas de organização”, disse que a única forma de ajudar a resolver o problema é “dotar as unidades saúde de maior flexibilidade e autonomia, criando condições para premiar a produtividade e a excelência do trabalho dessas unidade e dos profissionais”.

Os resultados finais do estudo serão apresentados nesta terça-feira, no Centro Cultural de Belém (Lisboa), numa iniciativa que deverá contar com a presença da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.