Espanha celebra na quarta-feira dez anos de reinado de Felipe VI, num país que, dizem académicos e estudos, “no fundo, não é monárquico”, mas não vê a República como alternativa e valoriza positivamente a personalidade do monarca.

Felipe VI foi proclamado Rei de Espanha em 19 de junho de 2014, um dia depois de o pai, Juan Carlos I, ter abdicado, no meio de polémicas sobre a sua vida íntima, devido a comportamentos pessoais considerados pouco éticos e suspeitas de corrupção, que também atingiram outros membros da família real.

Para os analistas, os primeiros dez anos de Felipe VI ficaram marcados por um caminho de regeneração da imagem da coroa e medidas conhecidas como “de exemplaridade”. Incluíram rejeitar a herança material do pai, submeter a Casa Real ao escrutínio do Tribunal de Contas, deixar de aceitar favores e presentes ou reduzir a família real a seis pessoas, fazendo dela, a par da Noruega, a mais pequena da Europa.

“O balanço, ligeiramente, mais crítico (mudanças, transparência, visibilidade, relevância, traço conservador, desconfiança, distância) do que favorável no desempenho das funções institucionais da Coroa compensa com a avaliação, muito positiva, da personalidade do Rei”, concluiu um estudo publicado este mês pela Rede de Estudos para as Monarquias Contemporâneas (Remco), entidade que conta com o contributo de diversas instituições e “think thanks” (grupos de reflexão) e está formalmente ligada à Universidade de Burgos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo o estudo, o Rei é visto como “sério, prudente, discreto, com critério, boa formação, neutro, com distanciamento familiar, modernizador, com bom perfil internacional, conhecimento e sensibilidade face ao pluralismo do país”.

O estudo, com o título “A juventude espanhola dialoga sobre a monarquia”, foi feito por dois académicos, Francisco J. Llera Ramo e José M. León Ranero, da Universidade do País Basco, e teve como objetivo revelar as perceções sobre a Coroa dos espanhóis entre os 18 e os 30 anos, “o segmento de idade que menos apoio manifesta à instituição monárquica e que pior valoriza a figura do Rei, segundo as diferentes sondagens”.

Mesmo este segmento etário, “embora reconheça uma genérica ‘superioridade’ democrática da forma de governo republicana”, não a vê como “uma alternativa real face ao papel da Coroa e a figura do Rei”, num país com “uma classe política muito questionada e polarizada, que pode hipotecar a necessária neutralidade da chefia do Estado e a própria divisão de poderes”, lê-se no estudo, a que a agência Lusa teve acesso.

Estas conclusões parecem em linha com aquilo que as poucas sondagens públicas revelam sobre aquilo que pensa a generalidade dos espanhóis.

As sondagens mais recentes dizem que se houvesse um referendo em Espanha, o resultado seria bastante equilibrado entre a opção monarquia e república, embora com a balança a cair um pouco mais para o lado republicano.

“Mas ao mesmo tempo, [a monarquia] não é um elemento que preocupe especialmente os espanhóis”, disse à Lusa o politólogo Javier Carbonell, para quem “a chave da questão é que a principal linha de defesa da monarquia é não ocupar espaço nos meios de comunicação como um elemento problemático, ou seja, que não se politize”.

Depois dos casos de corrupção que envolveram membros da família real, sobretudo Juan Carlos I, a monarquia não aparece hoje nas notícias por motivos negativos, sendo que a pessoa de Felipe VI gera inclusivamente simpatia, tanto entre anti como pró monárquicos.

Segundo Javier Carbonell, investigador na Universidade de Edimburgo e professor na Sciences Po de Paris, “a nível do eleitorado”, a monarquia tem três grandes problemas: a esquerda, os jovens e o elemento territorial, até por ser “o grande símbolo da unidade de Espanha”.

No entanto, segundo realçou o académico, os independentistas, por exemplo, não fazem da monarquia um alvo específico ou preferencial, “é um símbolo mais a que se opõem”, “o Rei não tem a importância [suficiente] para ser o alvo principal, é um ator mais”.

A ala mais à esquerda são partidos republicanos que já colocaram o regime monárquico no debate político, mas têm outras prioridades.

“Entende-se que em Espanha a monarquia é pouco relevante. Isso entende tanto quem a apoia como quem a critica. O Rei reina, mas não governa. É uma instituição simbólica”, afirmou o politólogo, que falou à Lusa em outubro passado, quando a herdeira da Coroa, Leonor de Borbón, chegou à maioridade e foi ao parlamento prometer respeito pela Constituição.

“Leonor está chamada, para além de dar continuidade à Coroa, a encarnar um futuro novo para a mesma”, concluiu o estudo da Remco conhecido há poucos dias.

Segundo o estudo, as avaliações dos espanhóis entre os 18 e os 30 anos sobre Leonor de Borbón são, “basicamente, positivas” e referem “uma mulher jovem, com importante percurso de formação, com boa imagem, trabalhadora, séria e com personalidade para um papel duro e complicado”, predominando “a expectativa de continuidade e estabilidade”, embora com um futuro “muito dependente da herança modernizadora que lhe possa deixar na Casa Real o reinado do seu pai”.

Felipe VI prometeu uma “monarquia renovada para um tempo novo” no dia em que foi proclamado Rei de “uma sociedade que, no fundo, não é monárquica”, como disse esta semana o presidente da Remco, Juan José Laborda, historiador e ex-presidente socialista do Senado espanhol, em declarações a diversos meios de comunicação.

A promessa feita em 19 de junho de 2014 por Felipe VI parece ter sido cumprida e com perspetivas de continuar a ser cumprida, segundo a opinião generalizada de comentadores, políticos e académicos.

A “monarquia renovada” está patente nas medidas que tomou para se distanciar das polémicas familiares e dos comportamentos de Juan Carlos I no final do reinado do hoje Rei emérito de Espanha. Mas também no fim da utilização de símbolos e expressões religiosas pela Casa Real ou na não-concessão de qualquer título nobiliárquico em dez anos.

Quanto ao “tempo novo” traduziu-se, na prática, numa Espanha que na última década ficou marcada pela instabilidade política, o fim do bipartidarismo, a emergência de formações extremistas, tanto de esquerda como de direita, e o protagonismo dos nacionalismos e do independentismo catalão.

Felipe VI foi chamado a intervir por diversas vezes e já fez, por exemplo, dez rondas de contactos com partidos com vista à formação de governos, o dobro das que fez Juan Carlos I em quase 40 anos de reinado.

Para Juan José Laborda, a prova foi, até agora, superada, e nesta década a Coroa foi a única instituição em Espanha que “se adaptou aos novos tempos e está a salvo da intoxicação populista”.

Também para o sociólogo Emilio Lamo de Espinosa, que falou à agência EFE, o atual monarca conseguiu “relegitimar a Coroa” e fazer com que os espanhóis a vejam como “uma instituição que proporciona estabilidade, segurança e serenidade num contexto político que, infelizmente, não proporciona nada disso”.