O número de pedidos de ajuda à Cruz Vermelha Portuguesa está a aumentar desde 2022, disse o presidente da instituição, que defende novas regras na contratualização com o Estado para evitar pôr em causa a sustentabilidade financeira.
Em entrevista à agência Lusa quando faz um ano à frente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), António Saraiva adiantou que entre 2022 e 2023 os pedidos de ajuda aumentaram cerca de 73%, depois de entre 2021 e 2022 terem duplicado, e disse que a perceção é de que a tendência deverá manter-se em 2024.
Segundo o presidente da CVP, os pedidos de ajuda chegam diretamente às várias delegações espalhadas pelo país e vão desde alimentação, seja através da confeção de refeições ou atribuição de vales para a compra de produtos em supermercados, a pedidos para pagamento de rendas de casa, faturas de luz ou de água.
“Temos sentido um crescimento (…) e, nas condições em que leio a nossa economia e a situação em que o mundo se encontra, acho que a tendência é para continuar com aumentos”, apontou António Saraiva.
Garantiu que o organismo “não deixará ninguém para trás” e que “responderá ‘presente’ a todos os pedidos de apoio”.
“É essa a nossa missão, é essa a nossa função e naquilo que estiver ao nosso alcance, extravasando por vezes as nossas possibilidades, não deixaremos de ajudar ninguém que procure o nosso auxílio”, afirmou António Saraiva.
Apontou, por outro lado, que o contínuo aumento no número de pedidos de ajuda faz com que “a maior preocupação” seja a sustentabilidade financeira da instituição, quando as despesas são mais elevadas do que as receitas.
Salientou que a CVP tem várias valências, desde Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI), equipamentos para a infância, apoio a pessoas em situação de sem-abrigo ou vítimas de violência doméstica, mas a instituição vive “fundamentalmente de donativos e dos serviços que presta ao Estado”.
António Saraiva defendeu que “faria sentido” diversificar as fontes de receita e estabelecer com o Governo novas regras de contratualização.
“O apoio nos protocolos que fazemos com o Estado, o apoio que se recebe por utente, é insuficiente face ao real custo que esse utente tem”, apontou.
Deu como exemplo o que se passa com o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI), um programa de apoio a refugiados, através do qual o Estado português contratualiza com várias organizações o acolhimento e integração destas pessoas, por um prazo de 18 meses. “Ao fim desses 18 meses cessa abruptamente o apoio, mas, na maior parte das vezes, o refugiado não está integrado e o que é que a Cruz Vermelha faz nesses casos? Põe as pessoas na rua? Abandona as famílias? Não fazemos isso. Então urge ir junto do Estado, junto do Governo e tentar adaptar as necessidades aos tempos que vivemos e eventualmente os 18 meses serem prolongados nos casos em que seja necessário”, defendeu.
Outra questão tem a ver com o salário mínimo nacional, aumentado por decreto, mas que depois “o Governo não reflete naquilo que paga às valências que contratualiza”. “Há que ser honesto na negociação e minimamente adaptar estas novas necessidades à sustentabilidade destas organizações porque o Estado não deve usar estas organizações para que elas façam o trabalho que o Estado deve fazer”, salientou.
“Tem de haver um equilíbrio porque a função social é do Estado. (…) Não viva o Estado à custa da Cruz Vermelha Portuguesa”, acrescentou António Saraiva.
Lembrou, a propósito, que a Cruz Vermelha foi “a primeira e até agora a única entidade” a montar um posto médico avançado após o incêndio no Hospital do Espírito Santo, em São Miguel, nos Açores, para demonstrar que no apoio social também há “um grau de imprevisibilidade” que traz despesas inesperadas.
“O que eu quero é ter no Estado uma entidade de bem que, negociando numa base de transparência, adapte a receita à necessidade”, apontou, acrescentando que já estão a decorrer negociações com o atual Governo.
Relativamente à sustentabilidade financeira da instituição, que admitiu ser a sua “maior preocupação” desde que assumiu a presidência, garantiu que “até agora não esteve em causa”, mas salientou que, para que não venha a estar, é preciso conseguir antever as dificuldades.
“Há que acautelar esse próximo futuro para que não venhamos a entrar em desequilíbrio”, defendeu, sublinhando que as empresas vão à falência por problemas de tesouraria e que esse é um problema que pretende evitar.
Disse ainda que a reestruturação financeira da instituição tem vindo a ser feita através da otimização das estruturas existentes, melhoramento de valências e racionalização de recursos.
“Portugal sem imigração fecha”
O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) alertou que “Portugal sem imigração fecha”, mas defendeu regras claras perante a ausência de uma política de imigração económica, que tem levado a que alguns refugiados se tornem sem-abrigo.
Em entrevista à agência Lusa, quando completa um ano à frente da CVP, António Saraiva disse que se mantém a tendência de crescimento nos pedidos de apoio e revelou que nos últimos três anos o apoio às pessoas em situação de sem-abrigo e às vítimas de violência doméstica é o que mais tem aumentado, ano após ano.
Especificamente em relação ao fenómeno das pessoas sem-abrigo, referiu como uma explicação o aumento generalizado do custo de vida, que terá tido como consequência que algumas famílias deixassem de conseguir pagar todas as despesas. “Isso apanhou algumas camadas populacionais mais desfavorecidas, a que se junta, na minha opinião um número significativo de refugiados porque não há uma política de imigração económica como deveria haver”, defendeu.
Na opinião de António Saraiva, “há uma abertura numa perspetiva excessiva”. “Acabamos por encontrar um conjunto de pessoas na rua a que há que atender e ajudar à sua integração ou, pelo menos, à sua colocação em locais mais dignos”, referiu, dando como exemplo o trabalho que a Cruz Vermelha tem vindo a fazer juntamente com a Câmara Municipal de Lisboa no encaminhamento das pessoas sem-abrigo que estão a viver na zona dos Anjos.
Segundo o presidente da CVP, há atualmente a viver na rua “um conjunto de pessoas que anteriormente não era tão grande”, seja por causa de situações de vulnerabilidade social, seja casos de “refugiados enganados por entidades patronais ou máfias”.
Para António Saraiva, é claro que “Portugal sem imigração fecha”, mas, ao mesmo tempo que defendeu a necessidade de imigração, apoiou igualmente políticas de imigração económica, destinadas “fundamentalmente àqueles que têm situações esclarecidas”.
“Uma política de imigração nas origens, com campanhas”, apontou, recordando uma feira de emprego realizada em Cabo Verde, ainda no decorrer do Governo de António Costa, com vista a “captar mão-de-obra com condições e emprego garantido”.
Criticou que essa política tenha acabado “abruptamente”, apontando que este tipo de medidas precisa de tempo de transição e que o seu fim foi a causa para que agora sejam precisas “regras que forçosamente têm que ser mais apertadas”.
Disse acreditar também que devem existir regras e critérios claros, “que todos conheçam e que todos cumpram”, que sejam devidamente publicitadas tanto para quem vem como para quem acolhe.