O Tribunal de Contas apontou ilegalidade ao contrato de ajuste direto que entregou por seis meses a prestação dos meios aéreos ao serviço de emergência do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica). Em causa está a ofensa do princípio da concorrência da qual resulta uma “forte probabilidade de afetar o resultado financeiro do contrato”.

E, de acordo com a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, uma “ilegalidade que altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro” de um contrato é fundamento para recusa de visto prévio a um contrato.

No entanto, o contrato realizado entre o INEM e a Avincis entre janeiro e junho deste ano acabou por receber o visto prévio em maio. Uma decisão que o Tribunal de Contas justifica com a “ponderação de um interesse público notável e prevalecente” e com as consequências que a inviabilização deste específico contrato, por via da recusa de visto, poderia ter.

Por isso diz que foi feita uma ponderação entre as consequências desta ilegalidade e a inviabilização do contrato “sabendo que a execução deste contrato se demonstra tão necessária para concretizar, de forma ingente (enorme), uma atividade das mais essenciais para a salvaguarda da vida e da integridade física das populações, em situações de salvamento, de socorro e de emergência médica, garantindo o transporte imediato e rápido de vítimas a carecer de cuidados médicos urgentes”.

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Os juízes, na decisão a que o Observador teve acesso, fazem “recomendações e advertências” que o INEM deve seguir em futuras contratações e deixam um sério aviso: “Sendo certo que em futuros procedimentos e em face das mesmas circunstâncias procedimentais não concorrenciais considerará este Tribunal a muito provável ocorrência de fundamento de recusa de visto“. Esta decisão foi comunicado ao Ministério da Saúde.

Ora, o último contrato para aluguer de helicópteros feito entre o INEM e a empresa Avincis segue o mesmo procedimento de ajuste direto já criticado, e por um período mais longo, de 12 meses, a partir de junho, tendo como valor 12 milhões de euros. Foi este contrato que suscitou uma troca de acusações entre o Ministério da Saúde e o INEM, culminando com a demissão do presidente do instituto, Luís Meira, conhecida esta segunda-feira.

Ministério da Saúde confirma demissão de presidente do INEM

Na justificação à autorização dada ao contrato que terminou a 30 de junho, o Tribunal alertou que o fundamento para ajustes diretos com razões de urgência imperiosa por parte do INEM tem sido invocado de forma constante. E considerou que a validade do contrato de seis meses é “razoável e suficiente para a entidade adjudicante obter as condições necessárias a fazer suplantar este seu condicionalismo recorrente, permitindo a abertura de procedimentos concorrenciais para a locação de aeronaves e a contratação de serviços neste domínio, com vista à concretização das suas finalidades institucionais e dos seus objetivos essenciais e estratégicos”.

Mas não foi o que aconteceu. O INEM fez outro ajuste direto. O novo contrato que produz efeito a partir de 1 julho foi assinado depois da instituição de emergência médica ter considerado que não valia a pena lançar um concurso público com base nos montantes máximos aprovados em resolução do Conselho de Ministros pelo anterior Governo. Isto porque o concurso público lançado em janeiro não teve sucesso, uma vez que as duas propostas recebidas estavam bem acima desses montantes.

Esta resolução de outubro autorizou o INEM a lançar concurso público internacional para a aquisição de serviços de aeronaves entre 2024 e 2028 com o limite anual de 12 milhões de euros, num total de 60 milhões de euros. O Ministério da Saúde defende que o instituto estava habilitado a lançar um concurso público com base nesta resolução aprovada pelo anterior Governo.

INEM e Ministério da Saúde com visões diferentes sobre concurso para helicópteros de emergência médica

O INEM contraria o Ministério da Saúde. Em comunicado argumentou que as condições definidas nessa resolução não satisfaziam as exigências do mercado, na sequência de várias consultas já realizadas a vários operadores. E que, por causa disso, já foi obrigado a reduzir os tempos de operação de dois dos quatros helicópteros contratados (ficando apenas dois operacionais durante 24 horas).

O INEM diz ainda que o Ministério da Saúde não deu qualquer resposta aos pedidos de abertura de um novo concurso (presume-se que com valores superiores).

E sublinha que a Avincis foi o único operador a mostrar-se disponível para assegurar o serviço, apesar de não garantir um dispositivo de quatro aeronaves a operar 24 horas. O contrato já está em vigor, apesar de ainda não ter tido visto prévio do Tribunal de Contas, o que poderá estar em risco considerando os alertas deixados no visto prévio ao anterior contrato.

Na decisão tomada em maio de 2024, a quase dois meses de chegar ao fim o contrato adjudicado em janeiro, o Tribunal de Contas considerou que a situação negocial subjacente “não configurava um ajuste direto, mas sim um desvirtuamento para a figura de aquisição direta, num procedimento de negociação com uma das entidades que respondeu à consulta preliminar efetuada junto de três operadores com vista à formação do preço do concurso público internacional”.

Da negociação feita mais tarde com uma dessas empresas (pressupostas concorrentes), no quadro de um convite para uma contratação por ajuste direto, “veio a resultar uma alteração no caderno de encargos, com uma divergência” entre o previsto nesse mesmo caderno de encargos e no contrato “no que respeita ao nível dos serviços contratados”.

O Tribunal considera que houve um “notório downgrade dos níveis de serviço para acomodar as exigências levadas a cabo pelo cocontratante (Avincis), designadamente de 137,5 horas de voo para 132 horas de voo, e no último procedimento para 112 horas de voo por mês, decorrentes de sucessivas imposições por parte do adjudicatário, sem submissão à concorrência do mercado, colocando assim em causa a realização do interesse público”.

O INEM argumenta que o convite à Avincis para o ajuste direto foi motivado, não por causa do preço, mas pelo “facto de nenhuma outra empresa estar objetivamente em condições de iniciar o serviço helitransportado de emergência médica a 1 de janeiro de 2024. Mesmo por preço superior a seis milhões de euros”.

O instituto aponta ainda para atrasos do anterior Governo na autorização deste processo que foi pedido em maio de 2023, tendo sido apenas aprovado em outubro. Um atraso de mais de cinco meses que tornaria “inevitável a outorga de um ajuste direto”. O Tribunal aponta atrasos também ao INEM, considerando que não há explicação para o facto de o instituto ter demorado ainda dois meses a publicar o concurso.