O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, assegura que não negociou quaisquer contrapartidas (como a sua demissão) com o Chega para a aprovação do programa do governo além da inclusão de “um conjunto de propostas” no programa — mas garante que, em caso de acusação no processo em que é arguido, se demite.
Em entrevista à Rádio Observador, no dia em que o programa do Governo Regional da Madeira foi aprovado, Miguel Albuquerque foi questionado sobre se o facto de esta aprovação só ter sido possível com a abstenção de quatro deputados do Chega torna o governo social-democrata refém do partido de Ventura — e garantiu que não.
“Em primeiro lugar, é preciso dizer que o que se passou na Madeira é o que se passou nos Açores e também no continente. Ou seja, é cada vez mais difícil existirem maiorias absolutas”, disse Albuquerque. “Portanto, nós ganhámos as eleições, ganhámos de forma destacada, tivemos de abrir um processo de diálogo com os partidos com assento parlamentar no sentido de garantir a aprovação do programa de governo.”
Esta quinta-feira, o programa do Governo Regional da Madeira foi aprovado com 22 votos favoráveis do PSD, do CDS-PP e do PAN, 21 votos contra do PS, do JPP e de uma deputada do Chega, e quatro abstenções do Chega e da IL. A votação destacou-se pelo facto de o grupo parlamentar do Chega ter votado de forma dividida.
O governante sustentou que o processo negocial decorreu apenas com os partidos que aceitaram sentar-se à mesa com o PSD. “Infelizmente, nem o PS nem o JPP, que tinham sonhado com um governo sem maioria, e que apresentaram de uma forma patética um governo sem maioria parlamentar um dia após as eleições, se quiseram sentar à mesa”, destacou Albuquerque.
“O que nós fizemos foi encetar um processo de negociações com toda a franqueza, toda a abertura, com os partidos da oposição, para encontrarmos plataformas de entendimento no sentido de o programa de governo ser aprovado”, disse ainda o líder do PSD/Madeira.
“É evidente que, neste momento, estamos num contrarrelógio no sentido de apresentar, ainda antes do fim de julho, e aprovar um orçamento para a região. E estou convencido de que vamos ter facilidade em fazê-lo, uma vez que o próprio programa do governo incorpora um conjunto de propostas dos partidos que entenderam dialogar connosco. No caso concreto, do Chega, do IL e do PAN e do CDS”, destacou, lamentando também que o PS, que teve uma “derrota estrondosa”, não tenha estado disponível para o diálogo.
“O PS, sendo o segundo partido, devia ter um maior sentido de responsabilidade e, como aconteceu no continente, viabilizar o programa de governo, reconhecendo que a maioria e o governo do PSD era o reflexo da vontade popular”, destacou, acusando o PS de “intransigência” e “teimosia”.
Para Miguel Albuquerque, a aprovação do programa do Governo Regional na sequência destas negociações é um “passo importante para termos também uma maior facilidade na aprovação do orçamento e a Madeira entrar num ritmo normal de gestão política”.
“Não podíamos prorrogar este impasse, porque isso tinha implicações do ponto de vista dos investimentos pendentes, das carreiras da administração pública, a aplicação dos fundos comunitários”, disse. “A ideia é retomarmos a normalidade, num quadro de negociação parlamentar”, acrescentou ainda, garantindo que o PSD não abdica de ter “uma linha de rumo para a Madeira”, que passa por “manter o crescimento económico”.
Questionado sobre se a sua demissão foi uma contrapartida acordada nas negociações com o Chega (uma vez que os líderes nacionais e regionais do Chega exigiram a saída de Miguel Albuquerque para viabilizar um governo do PSD), Albuquerque garantiu que não e lembrou que ainda nem sequer foi ouvido em qualquer processo judicial.
“Neste momento, existe um processo de averiguações que está em curso, promovido pelo MP, tendo por base um conjunto de denúncias políticas, denúncias anónimas”, destacou. “Esse processo está conexionado, de certa maneira, com aquele que em janeiro ocorreu, que levou à detenção do presidente da câmara do Funchal e de dois empresários que, depois de 22 dias, foram libertos, dizendo o juiz, no próprio despacho de libertação, que não havia qualquer crime, muito menos qualquer indício de crime grave.”
“Eu desde o início também disse que, estando eu convicto que não pratiquei nenhum crime, tenho o direito, como cidadão e como político, de garantir os meus direitos de presunção de inocência, num quadro de cidadania e num quadro político. Se toda a gente se demite a partir do momento em que tem o estatuto do arguido, daqui a uns dias não temos ninguém na política e não há governo que aguente. Neste momento, o que está a acontecer, é que há a utilização de denúncias anónimas no sentido de obter fins políticos”, acrescentou ainda, lembrando que o Ministério Público é “obrigado” a promover uma investigação e que, neste momento, “não há condenação, nem sequer acusação”.
“O que eu sempre disse, desde o primeiro dia, só me demiti pela circunstância de me ter sido retirado, na altura, o apoio do PAN. Uma decisão da líder do PAN de Lisboa. Obviamente, eu, depois da libertação passados 22 dias, face ao despacho do juiz, submeti-me a eleições internas do meu partido, que ganhei, e submeti-me a eleições regionais. Aliás, desde há sete meses que a Madeira foi sujeita às eleições de setembro de 2023, tivemos as nacionais, tivemos as regionais e tivemos as europeias. E o PSD ganhou todas as eleições aqui na Madeira. Portanto, a confiança popular mantém-se e eu, como candidato a presidente do governo, fui sufragado nas urnas”, assinalou Miguel Albuquerque.
“Neste momento, se tiver numa situação que, do meu ponto de vista, na evolução do processo judicial, ponha em causa a minha sustentação como presidente do governo, obviamente terei as conclusões e apresentarei a minha saída. Mas isso só acontecerá em situações muito evidentes”, destacou. Questionado sobre se a existência de uma acusação seria uma dessas situações, respondeu “claro”.
“Mas neste momento nada disso acontece. Nem fui ouvido no processo. É preciso algum cuidado, porque não compete à política estar a fazer julgamentos. Agora, estes justicialismo não é bom para a democracia nem para as instituições democráticas”, afirmou ainda.
Miguel Albuquerque destacou ainda que essa disponibilidade para se demitir caso seja acusado não foi uma contrapartida negociada com o Chega. “A contrapartida foi uma negociação que nós encetámos, em que ficou consagrado um conjunto de propostas do Chega. O gabinete da transparência contra a corrupção e mais duas ou três questões conexas”, disse. A declaração sobre a eventual demissão é apenas uma “declaração lógica”.
Na entrevista, Miguel Albuquerque desvalorizou também quaisquer críticas em relação à sua idoneidade para liderar o PSD/Madeira. “Já estou desde 2015 na liderança do governo e do PSD. Até agora, ganhámos todas as eleições. Desde 2019, ganhámos nove eleições. Portanto, se a minha liderança está fragilizada, o que será dos líderes que perdem eleições e não têm capacidade para formar governo”, destacou.