Promovida pela Companhia João Garcia Miguel, responsável por guardar praticamente todo o espólio arquivístico deste coletivo criado em 1991 e em atividade até 2003, sediado em Almada, a exposição, patente na Galeria Municipal de Arte de Almada até 07 de setembro, revisita este coletivo de experimentação artística, que era orientado por princípios comunitários de utopia social.

“Uma pancada nos olhos faz ver” tem curadoria de Verónica Metello e revisita o Olho, reconstruindo parte da sua história a partir do seu arquivo, dando a conhecer a atividade deste coletivo enquanto um acontecimento singular, experimental, sintonizado com as práticas internacionais da performance e dos novos media.

Nas palavras da curadora, o Olho foi “um coletivo artístico experimental que reunia artistas das diferentes áreas de criação, numa confluência, num teste até, do que são os limites da criação artística dentro das suas categorias práticas, a conceitos e materiais”.

“E, de alguma maneira, responde também a uma busca ontológica, um lugar no mundo de encontrar uma voz própria, não só dentro do sistema das artes, mas também de um lugar no que é a realidade artística e social, do que é o princípio dos anos 1990 e a sua transição para os anos 2000”, acrescentou.

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A atividade deste grupo marcou profundamente toda uma comunidade de artistas e espectadores ainda hoje ativos e que são referência em Portugal, como é o caso de João Fiadeiro, Mónica Calle e Vera Mantero, entre outros.

O encenador João Garcia Miguel, que fez parte do grupo, explica que a dinâmica daqueles artistas se prendia com o acreditarem que o que estavam a fazer era “sobejamente importante para criar um novo país”, dar um novo corpo a um Portugal acabado de entrar na Europa, e “mostrar que era um país tão capaz e moderno como qualquer outro país europeu”.

O coletivo acabou em 2003, porque “era um sonho” e, como em qualquer sonho, “é preciso despertar deles”, mas também porque “as condições políticas e económicas mudaram abruptamente” e “houve coisas que deixaram de fazer sentido repentinamente”.

Mas João Garcia Miguel considera que “parar foi uma forma de continuar desta maneira, deixar um pouco para a frente”. E explica: “A minha ideia foi sempre continuar, mas continuar provavelmente de outra maneira, com esta exposição, por exemplo, e com tudo o que poderá vir à volta dela para se perceber a importância do amor e do ódio, da capacidade de dizer e de fazer que as artes tinham no século passado, nos anos 1990”.

“Acho que esta exposição vai fazer reviver todos esses momentos e perceber também como nós, enquanto sociedade, enquanto Europa, enquanto mundo, enquanto país, enquanto cidades, estamos a mudar e como deixamos muitas coisas que são fundamentais de fora ou de lado.

Por isso, achou que era importante guardar o espólio arquivístico do Olho – e guardou-o durante todos estes anos – que contempla objetos como filmes de Edgar Pêra, que vão estar a ser transmitidos em televisões dispersas pela galeria, figurinos de Elsa Lima, fotografias de Jorge Gonçalves, o esboço da máquina da peregrinar que o Olho fez para a Expo98, entre muitas outras peças.

Dispostos em mesas, vitrinas e paredes há todo o tipo de documentação alusiva aos espetáculos e intervenções artísticas da época, desde cartazes de festivais, a textos com anotações, passando por esboços, plantas, desenhos, apontamentos, recortes de imprensa fotografias e provas de contacto.

O espaço da exposição ocupa dois andares e segue uma ordem cronológica decrescente, começando no andar térreo com peças de 2002, para depois descer à cave, onde os objetos seguem o percurso desde o fim do coletivo até ao início, em 1991, que é onde acaba a exposição, explicou a curadora.

Segundo Verónica Metello, a exposição começa de fora para dentro, da rua para o interior da galeria, num “percurso que segue uma lógica com referências à cenografia e ao que foram as peças do Olho, porque na fachada vamos ter uma grande espiral”.

A espiral é um elemento cenográfico da peça “Humanauta”, uma máquina cinética ativada pelos próprios espectadores que faz uma alusão à questão da visibilidade na sua relação com o infinito, mas é também um convite a mergulhar na espiral que levará o visitante ao interior do Olho, acrescentou.

Assim, nesse primeiro andar, encontra-se logo à entrada as fotografias dos coelhos, que são personagens que a partir de certo momento começaram a habitar as criações do olho, e um expositor com diapositivos que fazem um apanhado da história do Olho.

A ideia desta exposição tem a sua raiz num concurso da Direção-Geral das Artes, há cerca de três anos, sobre uma dimensão arquivística, para que quem tivesse arquivos de grupos de teatro, grupos de dança, grupos de artes, no fundo, que os pudesse de alguma maneira seriar e listar, começasse a tratá-los e para futuramente partilhá-los com o público, contou João Garcia Miguel.

Depois de algumas hipóteses de espaços para expor, que passaram pelo Museu de Arte Contemporânea no Chiado e pelo Colégio das Artes em Coimbra, acabou por se decidir por Almada, onde o grupo tinha a sua sede.

João Garcia Miguel admite que a exposição possa depois circular pelo país, passando, nomeadamente, pelos dois espaços expositivos que demonstraram interesse, mas sobretudo gostaria que esta mostra deixasse uma marca.

“Gostaria que daqui nós conseguíssemos de alguma maneira abrir espaço para os artistas serem mais considerados, mais bem tratados, terem mais condições e poderem eles próprios usar o conhecimento daquilo que nós fizemos a seu favor”, afirmou.

“Acho que estamos num momento tão falho de imaginação que o trabalho dos artistas precisa de ser compreendido, precisa ser acarinhado, precisa de ser apoiado, precisa de ser financiado e acho que se esta exposição ajudar a perceber a importância disso, já seria muito bom, ficaria muito contente”, acrescentou.