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Nos primeiros cem dias, o Governo já viu o Parlamento alterar a sua proposta de redução do IRS e o PS aprovar vários diplomas contra PSD e CDS-PP, mantendo-se a dúvida sobre a viabilização do Orçamento de 2025.
PS em Castelo Branco para primeiras jornadas parlamentares da era Pedro Nuno Santos
O executivo PSD/CDS-PP liderado por Luís Montenegro completa cem dias na quarta-feira e os 80 deputados que o apoiam, apenas mais dois do que a bancada do PS, já faziam antever um quadro parlamentar difícil, perante uma Assembleia da República que tem como terceira força política o Chega, com 50 deputados.
No discurso inaugural no Palácio da Ajuda, em 2 de abril, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, deixou, desde logo, a sua interpretação sobre a estabilidade do executivo: “Não rejeitar o Programa do Governo significa permitir o início da ação governativa. Mas significa mais: significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura”.
“Este Governo não está aqui de turno”. O discurso de Montenegro na íntegra
Apesar de esta visão ter sido contestada pela oposição, o PS manteve a abstenção que tinha prometido na noite da derrota eleitoral às moções de rejeição de BE e PCP ao programa do Governo (o Chega votou contra) e o executivo entrou em funções plenas em 12 de abril.
No final de março, os líderes do PSD e do PS já tinham tido de fazer um acordo de última hora para permitir a eleição do social-democrata José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República, depois de três tentativas falhadas — e apesar de o presidente do Chega, André Ventura, ter dito que viabilizaria os candidatos do PSD —, que passou por dividir o exercício do cargo a meio, cabendo aos socialistas indicar um nome para uma eventual segunda metade da legislatura.
Desde então, apesar de quer Montenegro quer Pedro Nuno Santos insistirem publicamente que estão disponíveis para o diálogo, apenas na área da Justiça houve sinais recentes de que Governo e PS poderão tentar um entendimento para rever aspetos do Código Penal e do Processo Penal.
O caso mais emblemático da difícil aritmética parlamentar foi a proposta do Governo de descida do IRS: AD, PS e Chega não chegaram a um acordo quanto aos escalões em que a redução deveria incidir, e a versão que acabaria aprovada foi a dos socialistas, graças aos votos a favor da esquerda e da IL e da abstenção do Chega.
Contra a vontade dos partidos que apoiam o Governo, foram também aprovadas em votação final global propostas do PS de alargamento do consumo de eletricidade com taxa de 6%, de eliminação de portagens nas antigas SCUT ou o alargamento das deduções com habitação em sede de IRS.
IVA da eletricidade e mais deduções de rendas no IRS (propostas pelo PS) aprovadas na especialidade
PSD e Governo têm acusado PS e Chega de “conluio” e de fazerem “uma aliança objetiva” contra o Governo, tese que o líder socialista, Pedro Nuno Santos, considera absurda, apontando outros diplomas em que o partido de André Ventura tem votado ao lado do executivo, como o fim da contribuição extraordinária para alojamentos locais.
Aliança entre PS e Chega impõe primeira derrota ao Governo no IRS. Ainda falta metade do jogo
À exceção da proposta do IRS, que poderá ter efeitos este ano, os restantes diplomas que o PS conseguiu aprovar contra a vontade PSD/CDS-PP são apenas para 2025, ou seja, caso seja aprovado um Orçamento do Estado para o próximo ano.
Para que tal aconteça ou o PS terá de se abster — Pedro Nuno Santos avisou que uma viabilização só será possível se o Governo não ignorar os socialistas — ou o Chega de votar a favor.
O Presidente da República tem defendido a importância da estabilidade política e da aprovação do próximo Orçamento, até pela execução do Plano de Recuperação e Resiliência, mas sem dizer que haverá eleições antecipadas (como fez em 2021) se tal não acontecer.
Marcelo alerta que “crise orçamental” não será “boa notícia” para execução de fundos europeus
Todos temos a noção de que se o Orçamento não for votado no fim do ano, isso significa que há dois caminhos: ou há uma crise política eleitoral ou uma crise politica não eleitoral que é o Governo governar por duodécimos, de uma forma precária, enfraquecido, e em que a gestão dos fundos europeus imediatamente é atingida”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa, em 29 de maio, em São João da Madeira.
O primeiro-ministro tem repetido estar aberto ao diálogo, mas não poder forçar a oposição a convergir politicamente, e insistido que a legislatura tem o seu fim pré-determinado pela Constituição em 2028 e que não será pela vontade do Governo que será encurtada.
Já classificado pelo chefe de Estado como “um político de silêncios“, Montenegro tem gerido as suas intervenções públicas e, sobretudo, as vezes em que responde a perguntas da comunicação social, não tendo dado ainda uma grande entrevista desde que foi eleito primeiro-ministro.
Marcelo: Costa era “previsível”, Montenegro “vai dar trabalho”
As eleições europeias, que o PS venceu em 9 de junho por curta margem, trouxeram novas promessas de diálogo de ambas as partes, mas até agora sem efeitos práticos, com a grande novidade da noite a chegar com o anúncio do apoio do Governo PSD/CDS-PP ao ex-primeiro-ministro António Costa para presidente do Conselho Europeu, cargo para o qual foi, entretanto, eleito.
António Costa chega à cadeira de sonho e vai ser presidente do Conselho Europeu