Bisnetos de Eça de Queiroz e um grupo de cidadãos apelam à Assembleia da República, num “derradeiro esforço pacificador”, para que reavalie a possibilidade de substituir a trasladação do escritor para o Panteão Nacional pela aposição de uma lápide.
Os seis bisnetos do escritor Eça de Queiroz que contestam a sua trasladação para o Panteão Nacional endereçaram uma carta ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, na sequência da rejeição por parte do Supremo Tribunal Administrativo (STA) do recurso com que pretendiam travar aquela iniciativa, disse à Lusa um dos bisnetos, António Eça de Queiroz.
No acórdão datado de 25 de janeiro, o coletivo de juízes do STA negou dar razão aos seis bisnetos que contestam a vontade da maioria, favorável à trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, uma homenagem ao escritor aprovada pela Assembleia da República.
Na semana passada, os seis bisnetos endereçaram uma carta ao presidente da Assembleia da República (AR), “conscientes de que prosseguir pela via judicial” na sua oposição à trasladação “é inútil e desagradável”, principalmente para a família.
Paralelamente, foi também enviado a José Pedro Aguiar Branco um requerimento liderado por vários membros do Círculo Eça de Queiroz, remetida de Santa Cruz do Douro em representação de várias pessoas, “locais e não só”, que têm posição idêntica aos familiares que contestam a trasladação, explicou António Eça de Queiroz.
No requerimento, a que a Lusa teve acesso, os signatários solicitam que, “num derradeiro esforço pacificador”, o presidente da AR divulgue aquele pedido pelos grupos parlamentares e promova a reapreciação, em plenário, da Resolução 55/2021, que determina a trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz.
Segundo os requerentes, esse diploma contém “duas decisões autónomas e de distinta natureza”, por um lado, a concessão de honras de Panteão a Eça de Queiroz, e por outro, a forma que ela deve revestir, no caso, a trasladação.
Assumindo que “todos se reveem” na concessão de honras de panteão a Eça de Queiroz, como reconhecimento e homenagem à sua vida e obra, os requerentes sublinham que apenas se opõem à forma, que consideram uma “iniciativa inexplicável e desnecessária”, sugerindo, em alternativa, a aposição de uma lápide evocativa no Panteão, que assegura “com a mesma dignidade a desejada homenagem” e, ao mesmo tempo, permitirá apaziguar “as dissidências à volta da trasladação”.
O requerimento, que anexa ligações para três petições públicas com centenas de assinaturas que pedem a manutenção dos restos mortais do escritor no Cemitério de Santa Cruz do Douro, onde está sepultado ao lado da filha mais velha, assinala que esta é também a vontade daquela população, era vontade dos seus netos e era a “intuída vontade” de Eça de Queiroz, que eternizou como “Tormes” aquela terra de Santa Cruz do Douro.
“Sem pôr minimamente em causa a bondade do propósito que lhe subjazeu, entende a população de Santa Cruz do Douro e os que abaixo assinam que a Resolução que autorizou a trasladação ignorou, desde logo, a intuída vontade do escritor, bem como a sustentada opinião de ilustres académicos, intelectuais, escritores, cidadãos de indiscutível mérito no estudo da sua vida e da sua obra”, entre os quais o ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa (1930-2024).
O ensaísta escreveu — citado no requerimento — que, no que respeita à deposição de restos mortais de personagens ilustres, deve “ter-se também em conta que poderá haver casos em que o [homenageado], embora merecedor dessa honra, tenha deixado indicado, ou de modo explícito ou, implicitamente, no seio dos escritos que nos legou, o desejo de ficar depositado em determinado lugar”.
“É, flagrantemente, o caso de Eça de Queiroz que ninguém duvida de que, entre o Panteão Nacional e Tormes — terra que glosou no seu admirável romance ‘A Cidade e as Serras’ — ele escolheria repousar no local onde sempre pensara passar os últimos dias da sua vida“, acrescenta.
O autor de “Os Maias” foi inicialmente sepultado em Paris, onde morreu (em 1900), tendo sido depois trasladado para o Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, e, finalmente, para Santa Cruz do Douro, em 1989, “por iniciativa dos seus familiares mais diretos (netos), instituidores da Fundação Eça de Queiroz.
Foi essa mesma fundação, atualmente presidida pelo escritor Afonso Reis Cabral, que encabeçou a ideia da trasladação, apontam os netos na carta.
Segundo o texto do requerimento, “a Fundação Eça de Queiroz, parceira privilegiada da promoção da trasladação, embora proprietária do jazigo, não é dona da urna nem dos restos mortais que ela encerra”, mas “teria a obrigação primeira” de procurar preservar em Santa Cruz do Douro “os restos mortais de Eça de Queiroz, bem perto do edifício onde está instalada, locais procurados e visitados para veneração e culto da memória do ilustre escritor”.
A carta dos bisnetos que se opõem faz uma referência semelhante, quando evoca o caso de Aristides de Sousa Mendes, cuja proposta de trasladação foi posta de lado, “sob o argumento de que a retirada dos seus restos mortais de Cabanas de Viriato iria afetar a importância da sua futura Casa-Museu, bem como a própria localidade”.
Frisando uma vez mais que os requerentes, a população de Santa Cruz do Douro, todos os que a apoiam nesta iniciativa e subscritores dos abaixo-assinados que se juntam, apenas se opõem à trasladação, o requerimento recorda que a Assembleia das Freguesias de Santa Cruz Douro e de São Tomé de Covelas, em reunião de 23 de abril de 2022, deliberou, por unanimidade, a aprovação da Proposta de Concessão de Honras de Panteão a José Maria Eça de Queiroz “com permanência no cemitério de Santa Cruz do Douro”.
Dos 22 bisnetos do escritor, 13 concordaram com a trasladação para o Panteão Nacional, havendo ainda três abstenções.
Na carta assinada pelos seis bisnetos contra, lê-se: à ideia da trasladação, seguiu-se “uma agremiação de familiares nossos (primos direitos) que, estando de acordo ou nem por isso, entenderam por bem juntar-se ao grupo favorável à trasladação, em alguns casos com o argumento de que não queriam dividir a família”.
Contudo, destaca a missiva, a família já estava “dividida, dado o facto de não ter havido qualquer consulta prévia, e também por as vontades das netas ainda vivas em 1989 se terem oposto a tal ato”.