Nos Países Baixos, recordava-se 1988. A época da Laranja Mecânica, o Europeu da Alemanha, Gullit, Van Basten, Rijkaard e companhia e o único troféu de um país. Em Inglaterra, recordava-se 1966. A época dos Três Leões, o Mundial disputado em casa, Hurst, Charlton, Banks e companhia e o único troféu de um país. Em Dortmund, Países Baixos e Inglaterra disputavam um lugar na final do Euro 2024, onde já estava Espanha, e uma nova chance de repetir uma glória inédita para uns e para outros.

Neerlandeses e ingleses chegavam à meia-final em circunstâncias semelhantes. Duas seleções com muito historial, alegadamente crónicas candidatas ou favoritas a presenças nas últimas rondas das fases finais, mas com muito para provar e pouco futebol demonstrado no Campeonato da Europa. Além de tudo isso, partilhavam o fator mais decisivo: o facto de terem ficado do lado teoricamente mais fácil da competição, fugindo a Espanha, Alemanha, Portugal e França e cumprindo um caminho de menos sobressaltos e tubarões.

Do lado dos Países Baixos, Ronald Koeman sublinhava que não existiam “muitas diferenças” entre as duas equipas. “É mesmo 50/50, na minha opinião. Mas precisamos de ter um jogo perfeito para ganhar. Sabemos que eles têm muita qualidade individual, mas as duas equipas são muito fortes e vai ser uma boa batalha. Eles tiveram de ir a prolongamento no último jogo, contra a Suíça, e isso também pode fazer a diferença nesta fase”, acrescentou o selecionador neerlandês.

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Do lado de Inglaterra, Gareth Southgate exigia um salto de qualidade aos próprios jogadores. “As equipas dos Países Baixos não têm tendência para oferecer a iniciativa e não é isso que temos visto deles, mas o Ronald Koeman é um treinador experiente. Estamos preparados para tudo e vai ser um jogo entusiasmante, com muitos jogadores ótimos em campo. Precisamos de estar um nível acima daquilo que demonstrámos no último jogo. O adversário também está um nível acima e nós estamos prontos”, indicou o selecionador inglês.

Assim, sem que nenhum dos treinadores tivesse qualquer baixa, Koeman não surpreendia e lançava Schouten e Reijnders no meio-campo, com Xavi Simons, Malen e Gakpo no apoio mais direto a Depay e Wijnaldum e Bergwjin a começarem no banco. Já Southgate mantinha a lógica, com o jovem Kobbie Mainoo a ser titular ao lado de Declan Rice e Jude Bellingham e Foden a surgirem atrás de Harry Kane.

O jogo começou praticamente com um golo. Num lance brilhante, Xavi Simons recuperou a bola no meio-campo adversário, avançou em direção à área e rematou de longe para bater Pickford (7′), colocando os Países Baixos a vencer com um grande golo. Inglaterra não demorou muito a reagir, com Kane a ter desde logo uma oportunidade para marcar com um remate que passou por cima (14′), e o lance acabou mesmo por culminar no empate: o árbitro da partida assinalou falta de Dumfries depois de analisar as imagens do VAR e o mesmo Kane, na conversão da grande penalidade, recuperou a igualdade (18′).

Os ingleses ficaram por cima depois do empate e os neerlandeses iam demonstrando muitas dificuldades para parar o jogo interior adversário, onde parecia que Phil Foden conseguia sempre receber a bola em zona de perigo. O avançado do Manchester City poderia ter marcado em duas ocasiões, com Dumfries a evitar o golo em cima da linha num momento (23′) e o remate de fora de área a acertar no poste pouco depois (32′), e os Países Baixos só responderam por intermédio do mesmo Dumfries, que cabeceou à trave na sequência de um canto (30′).

Até ao intervalo, Koeman ainda foi forçado a realizar a primeira substituição devido a problemas físicos de Depay, aproveitando para equilibrar o meio-campo com a entrada de Joey Veerman. Já nada aconteceu até ao fim da primeira parte, apesar da superioridade inglesa, e a meia-final seguiu empatada para os balneários.

Ambos os treinadores mexeram logo ao intervalo, com Koeman a trocar Malen por Weghorst e Southgate a tirar Trippier para lançar Luke Shaw, e a segunda parte arrancou com um ritmo mais lento — ainda que fosse notória a melhoria neerlandesa, entre o equilíbrio no meio-campo e uma pressão mais eficiente. Inglaterra tentava atacar, mas só tinha bola e não tinha espaço, e a primeira oportunidade do segundo tempo até pertenceu aos Países Baixos, com Van Dijk a desviar para defesa de Pickford na sequência de um livre (65′).

Saka teve um golo anulado já dentro do último quarto de hora, surgindo em fora de jogo a rematar para bater Verbruggen depois de um cruzamento de Walker na direita (79′), e Southgate voltou a mexer nessa altura para lançar Cole Palmer e Ollie Watkins e surpreendentemente tirar Foden e Kane. Foi assobiado, pela saída de duas das referências ofensivas da equipa, mas pouco sabiam que estava a colocar em campo a chave do jogo.

Já dentro dos descontos, Cole Palmer descobriu Ollie Watkins na área e o avançado recebeu de costas para a baliza, rodando sobre um adversário para atirar cruzado e rasteiro e tornar-se o herói de um país inteiro (90+1′). No fim, Inglaterra venceu os Países Baixos e garantiu a presença na final do Campeonato da Europa pela segunda edição consecutiva, marcando encontro com Espanha na final do próximo domingo no Olímpico de Berlim.

O joker

  • Naturalmente, Ollie Watkins. O avançado de 28 anos do Aston Villa entrou já perto do fim e para substituir Harry Kane, numa alteração que motivou assobios vindos da bancada para a decisão de Gareth Southgate. No fim, num verdadeiro momento de inspiração, fez a diferença: recebeu de Cole Palmer, virou-se para a baliza e rematou cruzado e rasteiro, colocando Inglaterra na final do Campeonato da Europa pela segunda edição consecutiva.

A pérola

  • Apesar da derrota, Xavi Simons. O avançado neerlandês realizou um Europeu de luxo, abandonando de vez a ideia de que é uma promessa por cumprir e um eterno talento que ainda não explodiu. Marcou um grande golo logo nos minutos iniciais e foi constantemente o melhor elemento de uns Países Baixos onde Gakpo não apareceu na meia-final — mas que sempre puderam contar com a resiliência de alguém que ainda tem tudo por fazer.

A sentença

  • Com esta vitória, em Dortmund, Inglaterra está na final do Euro 2024 e vai procurar fazer diferente e melhor do que fez há três anos, no Euro 2020, quando perdeu com Itália nas grandes penalidades da final de Wembley. Os ingleses vão defrontar Espanha, no Estádio Olímpico de Berlim e no próximo domingo, depois de os espanhóis terem eliminado França na outra meia-final.

A mentira

  • O Campeonato da Europa não é igualmente difícil para todas as seleções. Se é verdade que Inglaterra tem o mérito de ter chegado a final, até porque venceu os Países Baixos no tempo regulamentar da meia-final, também é inequívoco recordar que ficou do lado teoricamente mais acessível e simples da competição. Sem que seja possível fazer futurologia ou adivinhar cenários, é improvável e complicado imaginar uma dimensão onde os ingleses estivessem na final após enfrentar Espanha, Alemanha, França ou até Portugal.