O PS formalizou a sua abertura a negociar, e possivelmente viabilizar, o próximo Orçamento do Estado. Foi esse o principal objetivo da reunião desta segunda-feira da Comissão Política Nacional socialista, que acabou com o anúncio de que Pedro Nuno Santos está mandatado pelos órgãos do partido para “iniciar um processo de diálogo para a aprovação, ou não, do OE” com o Governo. Ainda assim, explicou Pedro Nuno Santos à saída da reunião, o PS não vai tomar a iniciativa: essa é do Executivo e os socialistas vão “esperar” para ser contactados.
O mandato que o secretário-geral do PS pediu à Comissão Política do partido tem, por isso, a ver com a capacidade para “gerir” o processo de negociação orçamental, que começa com a expectativa de que “todos” estejam “à altura do país”, avisou o líder socialista, enquanto respondia brevemente aos jornalistas, a caminho do carro no final de uma reunião que durou cerca de três horas.
O anúncio que oficializa a disponibilidade do PS para negociar tinha sido feito um par de horas antes pelo secretário nacional do partido Marcos Perestrello, que garantiu em declarações aos jornalistas que existe, do lado do PS, uma “vontade firme e verdadeira de construir um bom Orçamento”. Mais: o partido, que há semanas ainda dizia que seria “praticamente impossível” viabilizar um documento apresentado por Luís Montenegro, parte agora de “boa fé”, acha que há aspetos que serão “partilhados” (incluindo a preocupação com as contas certas e a redução da dívida) e tem vontade de “ajudar”.
Depois, as condições: como Perestrello insistiu por várias vezes, a obrigação de “criar condições” para que o OE seja aprovado cabe “em primeiro lugar, e em exclusivo”, ao Governo, que tem de mostrar “flexibilidade, vontade e disponibilidade” para negociar condições que permitam ao PS “aceitar” o documento, sentenciou. Em resumo: “O Orçamento é do Governo, mas o PS está disponível para ajudar a construir um bom OE”.
Para já, o PS recusa estabelecer “linhas vermelhas”, convicto de que essa não é a forma certa de começar um diálogo que, adiantou Perestrello, incluirá “preocupações” como a continuação do “apoio e alívio às famílias”. Ainda assim, os socialistas constatam que o Governo “já deu um passo negativo” — mas não “decisivo” para acabar com a “boa vontade” do PS — quando não fez refletir nas suas grandes opções as propostas com impacto orçamental que já foi apresentando. Até porque, para o PS, essas medidas — alívio do IRC e do IRS Jovem à cabeça — constituem uma “injustiça relativa” para outros contribuintes, além de não contribuírem para o “equilíbrio social, justiça fiscal e desenvolvimento económico”.
Se há “mais condições” para que exista uma maior disponibilidade orçamental e para que desenhar um OE “seja mais fácil”, isso é porque o PS deixou uma boa situação económica como herança ao Governo”, insistiu o responsável do PS. Agora, falta tudo o resto — começar o diálogo e ver onde é que há pontos de entendimento, sendo certo que desde as eleições europeias a ideia de viabilizar o documento ganha adeptos no PS.
Pedro Nuno respira, mas precisa de tempo. Viabilização do OE mais perto após Europeias
O “difícil” processo orçamental, a importância das autárquicas e os alertas de Medina
Dentro da reunião, segundo relataram várias fontes ao Observador, Pedro Nuno Santos reconheceu que o processo orçamental será difícil e ouviu de volta um debate “equilibrado” e cauteloso sobre o assunto. “Toda a gente acha que é preciso muita inteligência e respeito pelos princípios do partido”, avisa uma das fontes presentes no encontro, constatando que os socialistas acreditam que a promessa de baixar o IRC é um problema — “que o Governo criou a eles próprios e a nós”.
Uma das intervenções mais destacadas por quem esteve dentro da sala, no Largo do Rato, foi a de Fernando Medina, que apoiantes de Pedro Nuno Santos consideraram “construtiva” (o que levou a alguns suspiros de alívio).
O ex-ministro pediu “calma” e “paciência” com o ciclo político, garante uma fonte. Outra acrescenta, no mesmo sentido, que Medina frisou que estar na oposição é pior do que estar no Governo, e que para enfrentar essas dificuldades é preciso ter nervos de aço, numa altura em que o PS está sob pressão para se definir relativamente às políticas do Governo e ao processo orçamental que está para vir. Medina dedicou parte da sua intervenção a criticar a política fiscal do Executivo e acusar o Governo de ameaçar a estabilidade das contas, graças ao impacto orçamental das medidas que tem apresentado.
Além do Orçamento, um tema muito presente na reunião foi o das eleições autárquicas, com vários comissários nacionais a sublinharem a importância de o PS se focar já nesse desafio, numa altura em que o partido elege os órgãos internos e começa a lançar nomes para essa corrida.
De qualquer forma, segundo as fontes presentes na reunião (não particularmente participada), houve poucas intervenções críticas sobre a atuação da direção socialista. Ainda assim, como seria de esperar, Daniel Adrião — representante de uma pequena corrente de opinião divergente da liderança — interveio, tendo defendido, segundo apurou o Observador, que a maioria dos portugueses não quer eleições e que a decisão relativamente ao OE “deve ser muito ponderada”, propondo também que a receita conseguida via IRC fosse alocada a financiar um programa nacional de habitação.
O socialista, que chegou a candidatar-se contra António Costa e contra Pedro Nuno Santos, também criticou dentro da reunião a crescente tensão entre o poder político e judicial, tema que acabou por passar praticamente ao lado da Comissão Política. Ainda assim, ouviu uma resposta do líder, que disse discordar da sua leitura e acreditar que esse tipo de críticas — no caso, ao papel do poder político — são uma cedência ao populismo. Ao fim de três horas, Pedro Nuno saiu com um mandato para negociar e a noção de que o PS tem uma missão delicada pela frente.