Há um ano, quando chegou à direção artística do Teatro São Luiz, o ator Miguel Loureiro, deixou claro que queria tirar a “hegemonia do teatro” da sala de espetáculos no coração de Lisboa. Assim será também na temporada 2024/25, em que o pianista e compositor Júlio Resende tem honras de abertura, antecipando “uma programação muito musical em que a música enquanto disciplina ganha preponderância”, diz Loureiro ao Observador. Mas também há teatro, dança, performance e ópera para descobrir até julho de 2025.
A próxima temporada do teatro lisboeta, apresentada esta terça-feira, arranca com dois concertos de Júlio Resende nas noites de 13 e 14 de setembro, com formatos distintos: o primeiro tem como título Fado Jazz – Filhos da Revolução, nome do seu último disco, o segundo é na companhia dos Almo (dupla de tenor e barítono). É um prenúncio de uma programação com uma diversidade de disciplinas que serve para que o “teatro municipal possa mostrar os artistas, não só atores”.
São vários os concertos agendados para os próximos meses: de Samuel Úria (8 de outubro) a Sara Correia (25 de novembro) ou a Lena D’Água (12 novembro), que vai mostrar o álbum Tropical Glaciar. Há também concertos da Orquestra Metropolitana de Lisboa a propósito de centenários: o do nascimento de Amílcar Cabral, a 6 de novembro, e o do nascimento de Carlos Paredes, a 5 de fevereiro. Em novembro, o festival Misty Fest leva à sala lisboeta nomes como Maria João, Tony Ann ou Sven Helbig.
Espetáculo de Robert Wilson sobre Fernando Pessoa e com Maria de Medeiros chega a Lisboa em março
No primeiro semestre de 2025, o São Luiz acolhe ainda alguns dos espetáculos integrados na programação do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) — em obras de reestruturação profundas ao abrigo do PRR —, nomeadamente nas temporadas de ópera e de música de câmara. Mas a saída inesperada de Ivan van Kalmthout teve consequências e fica por revelar a ópera programada para os dias 9, 11 e 13 de abril, uma vez que a que “estava a ser negociada com o Ivan” está agora “fora de causa”, assume Loureiro. Deverá, por isso, ser anunciada em breve a que a substituirá, já em colaboração com a “comissão artística interna” à frente do TNSC, composta pelos maestros João Paulo Santos, António Pirolli e Giampaolo Vessella. Certo é que o ciclo Foyer Aberto manterá os moldes de entrada livre para recitais e concertos de proximidade, em que os músicos da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos se apresentam em pequenos ensembles.
Na dança, área a que Miguel Loureiro afirmou desde sempre querer dar espaço, Tânia Carvalho é a criadora que abre o ano com duas produções. A primeira é Doesdicon, com o coletivo do Funchal Dançando Com a Diferença, e apresentada em parceria com Blasons, de François Chaignaud (19 a 21 de setembro). A segunda, uma estreia absoluta com o bailarino e coreógrafo Matthieu Ehr-larcher — com o qual forma um novo coletivo-duo, Papillons d’ éternité —, chama-se Nymphalis Antiopa e mostra-se 27 e 28 de setembro. Em janeiro (10 e 11) chega-nos a peça de Catarina Miranda sobre o Teatro Noh do Japão e que lhe valeu um Prémio Bienal de Veneza. Destaca-se ainda o novo solo de Olga Roriz, dez anos depois de A Sagração da Primavera. “A coreógrafa volta a sentir-se impelida a um novo impacto consigo mesma”, lê-se na sinopse de O Salvado, nome dado ao solo que sobe à Sala Luís Miguel Cintra de 9 a 12 de julho. De acordo com o diretor artístico daquele teatro, foi Roriz que lhe telefonou indicando que “gostaria de fazer o último solo como bailarina”. “Disse-lhe: ‘é para já’. A Olga Roriz é um monumento cénico”, constata.
Fernando Pessoa e ativistas climáticos
“O São Luiz é isto. Entre a filigrana clássica que está na sala principal e as propostas um bocadinho mais desopilantes”, resume o diretor artístico do teatro municipal lisboeta, que depois de uma temporada em que herdara compromissos da sua antecessora, Aida Tavares, assina agora uma programação da qual recebe apenas um espetáculo (da companhia Hotel Europa).
“Não faço programação institucional ou para encher calendário”, diz ao Observador, admitindo sentir os efeitos do encerramento (alguns temporários, como o São Carlos, outros definitivos, como o Teatro da Politécnica) de teatros da cidade. “Tenho sofrido imensa pressão porque Lisboa está com poucos espaços para apresentar”.
No teatro, um ex-líbris da temporada é nova criação de Robert Wilson, Pessoa — Since I’ve been me, que o Observador noticiou na última semana. “É um olhar sobre o Fernando Pessoa ainda mais misterioso, mais sombrio”, nota o diretor artístico do São Luiz. O espetáculo chega ao palco lisboeta em apenas duas récitas, a 7 e 8 de março. Nas últimas passagens do encenador norte-americano em Portugal, as apresentações têm esgotado várias semanas antes da estreia. Por isso mesmo, Miguel Loureiro admite que permanecem “negociações” para “alargar um bocadinho o espaço de apresentação”.
Para o final do ano (19 a 22 dezembro), está prevista Hamlet – L’ Ange du Bizarre, uma performance a partir de William Shakespeare do ator Miguel Moreira. “É o Miguel a atirar-se a uma herança clássica. Há muito tempo que o Miguel não estava presente aqui no São Luiz e é um dos criadores de Lisboa. Faz-me todo o sentido que esteja presente na sala nobre do teatro”, argumenta o diretor do são Luiz.
Antes disso, de 22 a 27 de outubro, revela-se Urgência Climática, a nova criação da companhia de teatro documental Hotel Europa, que leva a palco jovens ativistas pelo clima, “procurando conhecer as suas histórias pessoais, o início das suas lutas, que motivações têm, como esta “urgência” mudou as suas vidas, como vivem, o que fazem, o que querem, com o que sonham”, nota o texto que anuncia o espetáculo. A peça mostra-se no palco do teatro onde precisamente, em outubro, um protesto de ativistas climáticos interrompeu um espetáculo em curso.
“Gosto quando o teatro se abeira de biografias e de gente real”, diz ainda Miguel Loureiro, mas referindo-se a Deseja-se Fernanda!, espetáculo de “homenagem a uma figura tutelar do teatro”, Fernanda Lapa. Em 2025, a Escola de Mulheres celebra 30 anos da sua criação e assinala cinco anos sobre a morte da atriz. A peça, com texto de Ana Lázaro e encenação de Cucha Carvalheiro, mostra-se de 15 a 23 de março.
Se é certo que o grosso da agenda do São Luiz são estreias, também há margem para recuperar espetáculos. É o caso de As Bruxas de Salém (13 a 15 de dezembro), de Arthur Miller, com encenação de Nuno Cardoso, que se estreou em 2023 — com uma curta passagem por Lisboa, no CCB. “É um ponto feliz entre o gesto encenação, a direção de atores e um texto clássico que nos faz falta mostrar e remostrar”, justifica Miguel Loureiro.
Quanto à Sala Mário Viegas, a sala experimental do teatro municipal, será dominada por novos criadores portugueses, com espetáculos como Amedée ou Como Desembaraçar-se, texto de Eugène Ionesco encenado por Ivo Alexandre (de 20 a 29 de setembro), Class Enemy, texto de Nigel Williams encenado por Teresa Sobral (12 a 27 de outubro); Belonging / E di / Pertenencia /Zugehörigkeit / Pertença / 絆 (7 a 17 novembro), nova criação de Raquel André; Volta para a tua Terra, de Keli Freitas, no âmbito do Alkantara Festival (21 a 23 de novembro) ou Killer Joe, de Tracy Letts, com encenação de Miguel Graça, da companhia Urso Pardo (14 a 22 junho).
“Gostava que dentro desta multitude de disciplinas houvesse uma coerência. Não posso tê-los todos”, adverte Miguel Loureiro, adiantando que a temporada de 2026 também contemplará outros coletivos. “Como teatro preciso de ter dois ou três espetáculos dessa nova onda [de criadores nacionais], três ou quatro [de criadores] consagrados, e que estejam no momento e apresentar”, explica. No final, o objetivo é chegar a um “acordo entre o mainstream, o alternativo, o cutting edge”.