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Quem tem medo de Faye Dunaway?

O documentário da Max segue a regra das biografias "oficiais", mas não deixa de ser um privilégio estar na intimidade (possível) de uma das mais fascinantes e mal amadas estrelas de Hollywood.

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Faye não teve dúvidas: a verdadeira igualdade é mostrar que uma mulher pode ser tão cruel e devastadora como um homem

Corbis via Getty Images

Faye não teve dúvidas: a verdadeira igualdade é mostrar que uma mulher pode ser tão cruel e devastadora como um homem

Corbis via Getty Images

Envelhecer não é fácil, mas tem um lado conveniente: o de se poder dizer tudo o que se pensa, sem medo das consequências, montado naquele ideal de que a idade é um posto. Só que Faye Dunaway, agora com 83 anos, nunca teve medo de dizer fosse o que fosse e de abraçar a fama de diva difícil, daquelas só o glamour de uma Hollywood com casacos de peles a tresandar a cigarros consegue carregar. Não é assim estranho que Faye, o documentário de hora e meia sobre a actriz que chegou agora à Max (ex-HBO), comece exactamente com a protagonista a dar um raspanete ao realizador do doc.

“Faye” não foge muito daquilo que já sabemos que acontece em outros espécimes deste mesmo género. Uma série de entrevistas, incluindo com a própria, dando detalhes que nos permitem sempre construir o mesmo puzzle: que as celebridades são criaturas únicas e complexas, mas ao mesmo tempo são iguaizinhas a nós, que resmungamos quando chegamos ao Minipreço e percebemos que nos esquecemos de trazer um saco reutilizável. Claro que a própria também fala, trazendo credibilidade a tudo isto, secundarizada por familiares, colegas e jornalistas. Falam-se das qualidades, muitas, mas não se esquecem os defeitos aqui e ali, sempre a jeito para tornar o alvo do documentário mais humano. E os defeitos, claro, têm a sua justificação, como o alcoolismo ou a doença bipolar. Ah, e é sempre preciso lembrar que amam muito a família e trocariam toda a fama e riqueza por eles sem pestanejar, óbvio!

[o trailer de “Faye”:]

Esta descrição algo cínica de 99 por cento dos documentários sobre grandes celebridades do entretenimento e das artes quer dizer que Faye não vale a pena? Nada disso. Faye estaria logo ganho à partida pelo magnetismo da sua vedeta. Faye Dunaway é uma das grandes atrizes da sua geração e, sendo honestos, ver falar pessoas com assumido e descomplexado mau feitio terá sempre muito mais graça. Volátil e temperamental, a atriz fala de alguns episódios que fazem parte da mitologia hollywoodesca, como a tensão com o realizador Roman Polanski durante Chinatown ou o romance secreto com Marcello Mastroianni. Não seria à toa que a alcunha que Jack Nicholson lhe deu fosse Dread Dunaway (dread em português quer dizer algo como “pavor”). O documentário aborda até, mesmo que por alto, aquela que é talvez a última grande polémica da carreira da atriz, quando em 2019 foi despedida do monólogo da Broadway Tea At Five.

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O documentário acaba também por ser um retrato, através da cronologia da carreira de Faye, de um certo star system e até de uns Estados Unidos que estão em vias de extinção. Bonnie e Clyde, o filme que fez com Warren Beaty em 1967, marca uma nova era de filmes mais adultos e ousados. E em The Thomas Crown Affair, com Steve McQueen, mostrou como o subtexto de um jogo de xadrez pode ser um dos momentos mais sensuais do cinema. Mas é com The Network, o filme que lhe daria um Óscar em 1977, uma das primeiras grandes críticas aos media e às lutas de audiência, muito antes dos canais de notícias 24 horas por dia, que Dunaway mostra como dá vida a mulheres duras e complexas como ninguém. Sidney Lummet queria que ela desempenhasse uma personagem sem fraquezas e o resultado dividiu muito as feministas. Já Faye não teve dúvidas: a verdadeira igualdade é mostrar que uma mulher pode ser tão cruel e devastadora como um homem.

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Em 1977, quando recebeu o Óscar de Melhor Atriz pela prestação em em "Newtwork" ("Poder que Mata"); e já este ano, na passadeira vermelha de Cannes, na estreia de "Furiosa"

Bettmann Archive

A parte mais interessante de Faye é sobre um filme do qual, durante décadas, a atriz se recusou categoricamente a falar em entrevista: Mommie Dearest, um drama de 1981 baseado na biografia da filha adotiva de Joan Crawford, alegadamente sujeita a maus-tratos. Dunaway dez corpo a Crawford, mas a dose de exagero caricatural e o guião duvidoso fizeram de Mommie Dearest um enorme flop que se viria a tornar numa espécie de The Room, uma tragédia vista como uma comédia. Quase lhe acabou com a carreira, que nunca voltou exatamente ao que era.

Uma breve ida ao IMDB revela que há muito que Faye Dunaway não faz um filme que seja um sucesso ou que seja sequer bem acolhido pela crítica. Claro que é uma atriz maior com um legado que lhe permitiria fazer até a nova telenovela turca da SIC sem que isso manchasse a sua importância na História do cinema. Faye deixa o relato na primeira pessoa, para consulta futura, antes que seja tarde demais. E já é mais que motivo para o ver.

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