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Sophia Chablau e as 1001 caras da canção brasileira

Esteve em Portugal com os músicos que formam a sua Enorme Perda de Tempo. Agora, regressa a solo para atuações mais intimistas. Pelo meio, falámos com ela (e não só) sobre fazer música na alternativa.

“Este é um concerto que, especialmente em Portugal, vai ganhar uma nova dimensão porque eu priorizo muito a canção e a palavra", diz-nos a cantora e compositora
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“Este é um concerto que, especialmente em Portugal, vai ganhar uma nova dimensão porque eu priorizo muito a canção e a palavra", diz-nos a cantora e compositora

“Este é um concerto que, especialmente em Portugal, vai ganhar uma nova dimensão porque eu priorizo muito a canção e a palavra", diz-nos a cantora e compositora

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, título de filme, frase pronta para uma T-shirt ou aquilo que é na realidade: banda brasileira que encantou o público que a viu nos concertos de Lisboa, no Musicbox, e no Porto, no Socorro, nos dias 3 e 5 de junho, respetivamente, onde estiveram a apresentar o seu disco mais recente, Música do Esquecimento (2023). Agora, Chablau prepara-se para regressar aos palcos portugueses com atuações esta semana, nos dias 24 em Esposende, 25 no Porto, 26 em Lisboa, e 27 em Coimbra, onde se irá apresentar a solo.

Estes artistas de São Paulo apresentam influências de um irreverente rock alternativo e o intimismo de um indie pop psicadélico, refletindo uma geração que cresceu a compor canções no quarto. O álbum que apresentam posiciona a banda como um dos porta-estandartes da música alternativa e independente do Brasil, o que os levou a embarcar numa tour europeia, incluindo uma paragem no Primavera Sound Barcelona.

O quarteto formou-se de maneira inesperada. Sophia, que ia dar um concerto no Rio de Janeiro, convidou Téo Serson (baixista), Theo Ceccato (baterista) e Vicente Tassara (guitarrista) para adicionar novas texturas às canções. Passaram por nomes como Música do Esquecimento (que viriam a reaproveitar para o nome do segundo álbum) e, depois de uma aula de filosofia sobre Theodor W. Adorno, acharam que Uma Enorme Perda de Tempo seria o nome mais adequado. “Éramos uma banda que tinha tocado um show e que tinha como objetivo tocar rock triste e meio absurdo. Isso era a ‘maior perda de tempo’. Depois de uma aula de filosofia falando sobre Adorno, isto fez sentido para mim. Quando conheci os meninos, os nossos ensaios eram este espaço para perda de tempo, ócio criativo, algo que é produtivo, mas improdutivo”, terá dito em 2021 para o blog brasileiro Monkeybuzz.

O primeiro longa-duração do quarteto, homónimo, lançado em 2021, com grandes faixas como Deus Lindo ou Delícia/Luxúria, era dominado por composições de Sophia. Em Música do Esquecimento, o objetivo era corrigir isto. “Já tínhamos as músicas prontas há muito tempo, devido à pandemia”, disse Sophia, vocalista e guitarrista do grupo, numa conversa com o Observador.  “Conseguimos juntar o melhor de cada membro e incluir composições de todos. Era o nosso objetivo e o passo certo para a banda”, explicou. “Neste trabalho tivemos mais tempo e paciência, o que permitiu imprimir mais esmero na altura de escolher o que devia ou não entrar”, revelou Ceccato, responsável pela composição de Último Sexo.

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[ouça na íntegra o álbum “Música do Esquecimento”:]

No fundo, apesar de ainda ter em destaque o nome de Sophia Chablau, este é um trabalho assumidamente mais coletivo. Mas o objetivo não era apenas mostrar a evolução e os talentos de cada membro. Se analisarmos as letras, é possível perceber que a temática mais consistente é a sexualidade e os relacionamentos. Em Último Sexo, temos o fim de uma relação (“Quem diria que esse seria nosso último sexo? / Aposto que você também não sacou / Talvez eu tenha percebido no final / Pena que a gente não falou”) ou as complexidades de uma relação LGBT, em Segredo, (“Mas se você quiser / Eu viro um segredo seu / Não faço barulho nem chamo atenção / De ninguém”), algo que também era evidenciado em Me Chama De Gato Que Eu Sou Sua, álbum de 2023 de Ana Frango Elétrico, que serviu como produtora em Música do Esquecimento.

Apesar de este clamor pela sexualidade ser um tema forte na música brasileira, durante a construção do disco a banda trabalhou de uma forma fluida e sem grandes intenções de criar um disco conceptual. A única certeza que tinham, confessam, é que Minha Mãe é Perfeita deveria ser a canção de abertura e Deus Tesão a última.

“Isto é um processo normal. Os discos conceptuais costumam ser algo construído a posteriori”, descreve Vicente. “As canções surgem de impulsos menores, coisas que vamos fazendo no nosso dia a dia e que vamos acumulando ao longo do tempo. Muito tempo depois, elas são arranjadas e só aí é que conseguimos perceber se existe alguma coisa coerente dentro delas. Foi isto que nos aconteceu. Apesar das músicas serem muito diferentes, ao seu jeito, conseguem funcionar todas juntas”, disse-nos o guitarrista.

O álbum foi lançado a 6 de setembro do ano passado, por isso aproveitámos para questionar o grupo sobre como olham para este trabalho quase um ano depois. Sophia, sendo a mais crítica, reconhece que “há sempre coisas que mudaria”, mas valoriza as alegrias e oportunidades que o álbum lhes trouxe. “Existem músicas que se calhar deixaria de fora, mas esse é o pior pensamento que pode haver. Já nos trouxe muitas alegrias e oportunidades, como tocar em Portugal”, disse.

Téo Serson, Sophia Chablau, Theo Cecato e Vicente Tassara

HELENA RAMOS

Aproveitando esta deixa, questionámos o grupo sobre as atuações mais recentes, as primeiras fora do Brasil. “Tem corrido bastante bem, temos conseguido expandir territorialmente a nossa presença e música”, afirma Theo. “Estamos a conseguir chegar cada vez mais longe. Este disco foi como uma subidinha de degrau”, diz entre risos. “Algo que temos sentido, e que tem sido inédito para nós, é a forma como temos sido bem recebidos fora do Brasil”, reflete Vicente. “Às vezes atuamos em países onde as pessoas não percebem a nossa língua e isso deixa-nos bastante reticentes, mas temos sido bem recebidos”, diz, acrescentando que às vezes sentem que o público é surpreendido pelo som da banda. “Ficamos a olhar para o público e a tentar perceber como é que eles estão a reagir às nossas canções, uma vez que não estão habituados a ouvir música brasileira, especialmente o rock, que é um estilo pouco associado ao nosso país”, recorda.

Sobre as atuações em Portugal, Theo destacou a receção calorosa do público. “Foi dos melhores espetáculos até agora. Em Portugal, a audiência estava muito animada com o espetáculo, a música, a vibe e com a identificação da letra. É muito gostoso sentir isto num país que não é o teu”, afirmou. Vicente acrescentou como o público cantou a canção Hello, surpreendendo a banda pela forma como os portugueses se identificaram com a letra, que é, especificamente, sobre falar português: “I don’t want to speak another language / Portuguese is a very pretty língua / But I think my tongue is like a criatura / She make sounds that I can’t entender”. “Sempre pensei que isto fosse uma coisa muito brasileira, mas quando chegámos e vimos tantos portugueses a cantarem esta letra é que percebemos que, realmente, falamos a mesma língua e sofremos os mesmos problemas, por exemplo, com a quantidade de turistas americanos”, admite o guitarrista.

Sophia também comentou a surpresa ao ver os portugueses dançar durante os concertos. “Tive de morder a língua, pensávamos que as pessoas eram mais paradas. Ainda que seja fácil perceber as diferenças entre os países. No Brasil, é normal as pessoas dançarem mais juntas e agarradas, enquanto, em Portugal, parece que cada um está a dançar sozinho”, observou.

[“Pop Cabecinha” e “Se Você” ao vivo:]

Mas estas não foram as únicas diferenças que a banda sentiu, descrevendo um certo preconceito em relação aos artistas brasileiros. “É surpreendente termos sido a única banda brasileira a atuar no Primavera Barcelona e é mais surpreendente ainda a Ana Frango Elétrico ter sido a única brasileira a atuar na edição do Porto”, confessa Theo. “Existe muita música brasileira boa e, ainda por cima, falamos a mesma língua. Apesar de ser muito valorizada no sentido clássico, com artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil ou João Gilberto, que são realmente maravilhosos, sinto pouca abertura para artistas contemporâneos brasileiros, como Negro Léo ou Jonnata Doll e Os Garotos Solventes”, recomendou.

A vocalista também abordou como discussões a um nível mais social ainda deixam alguns portugueses desconfortáveis. “Enquanto brasileira aqui, percebemos muito rápido quando nos estão a tratar mal só por causa da nossa nacionalidade. É bem chato. E algo que ainda continua meio velado é a forma como falamos sobre o passado entre Portugal e o Brasil. Não queremos humilhar ninguém, mas a colonização é difícil de ignorar e, sempre que tocamos no assunto, fica um clima pesado e estranho”, denuncia.

Mas que nada disso se coloque no caminho da relação entre Sophia Chablau e Portugal. Aliás, a própria adiantou um pouco do que vai acontecer nas atuações desta semana: “Vou tocar algumas músicas da banda, mas também apresentar muitas canções inéditas e de outros trabalhos que acabaram por não ser publicados”, explicou. “Este é um concerto que, especialmente em Portugal, vai ganhar uma nova dimensão porque eu priorizo muito a canção e a palavra. É um espetáculo muito intenso e brasileiro”, prometeu.

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