“As esperanças de representar o seu país são agora um sonho desfeito”. A sentença do juiz britânico Francis Sheridan, em 2016, não se concretizou e oito anos depois Stevan Van de Velde, que foi condenado a quatro anos de prisão pelo crime de violação de uma menor no Reino Unido, faz parte da equipa olímpica de voleibol de praia dos Países Baixos.

A participação do jogador de voleibol de praia nos Jogos Olímpicos de Paris está a gerar uma onda de indignação perante quem assiste à possibilidade de Van de Velde competir sem constrangimentos no evento desportivo onde alguns dos atletas são menores, já que não existe limite de idade mínima para participar na competição. O Comité Olímpico Internacional (COI) enfrenta pedidos de investigação sobre como um violador condenado foi autorizado a competir em Paris e são muitas as vozes de defesa dos direitos das vítimas de abusos sexuais a levantarem-se.

O Comité Olímpico holandês concordou, enquanto condição para a sua participação, que o atleta ficasse fora da aldeia olímpica — justificando a decisão com preocupação pela sua segurança do próprio — e exigiu que não falasse com os meios de comunicação social.

O crime remonta a 2014, quando a vítima tinha 12 anos e o violador tinha 19 anos, e ocorreu no Reino Unido. Os dois conheceram-se através do Facebook e o holandês viajou até ao país para conhecer a menor que tinha aliciado. Acabou por cumprir pena de prisão em território britânico pelo crime de violação.

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Durante o julgamento, o jogador afirmou que “não era um predador sexual” e, em 2018 numa entrevista citada pelo The Guardian, admitiu ter cometido “um grande erro”. Mas ressalvou: “Agora não posso fazer nada. Não posso reverter as minhas ações, por isso tenho de suportar as consequências.” Um relato sobre a vítima, que ao tempo do julgamento tinha 14 anos, dava conta de que esta se tinha começado a automutilar e que tinha sofrido uma overdose em consequência da violação.

Michel Everaert, secretário-geral da Federação Holandesa de Voleibol, emitiu um comunicado em que garante ter conhecimento amplo do caso. “Ele foi considerado culpado na época pela lei inglesa e cumpriu a pena”, afirmou. Everaert considera que o jogador foi “totalmente reintegrado na comunidade holandesa do voleibol ” e que parece ser “um profissional e um ser humano exemplar, pelo que não há razão para duvidar dele desde o seu regresso”. Além disso, segundo informa, especialistas consultados pelo Comité Olímpico Holandês estimaram que “não havia possibilidade” de Van de Velde, agora com 29 anos, reincidir.

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Depois de cumprir um ano de pena de prisão, dos quatro a que foi condenado no Reino Unido, o atleta foi transferido para os Países Baixos, onde a sua sentença foi ajustada com base na lei nacional. O crime cometido no estrangeiro não foi considerado violação, mas sim abuso sexual, com base no argumento de que a menina de 12 anos era tida como “capaz de consentir”. Um mês depois Van de Velde estava em liberdade no seu país natal e voltava ao voleibol no mesmo ano — 2017 — a participar novamente em competições internacionais.

Participação do atleta envia “mensagem preocupante” de impunidade aos homens que cometem violações, defende ativista

As mensagens públicas de condenação à decisão do COI sucedem-se. Paula Radcliffe, ex-campeã mundial de maratona, veio pedir desculpa por ter desejado “boa sorte” ao violador condenado que está a competir nos Jogos Olímpicos. Segundo a BBC, a ex-atleta comentou o caso do jogador de voleibol esta quarta-feira, referindo que atualmente é “casado e está a assentar”, acrescentando que ele não deveria ser punido duas vezes, sendo que “conseguiu dar a volta à sua vida depois de ter sido condenado a uma pena de prisão”. Perante as críticas que lhe foram tecidas, desculpou-se por não ter condenado de forma aberta a integração do atleta na competição.

Andrea Simon, directora executiva da End Violence Against Women Coalition, afirmou que a inclusão de Van de Velde nos Jogos Olímpicos envia uma “mensagem preocupante” aos homens que cometem violações “de que é improvável que haja consequências e, por conseguinte, não há dissuasão”.

A ativista apelou publicamente a uma investigação sobre a inclusão de Van de Velde nos Jogos Olímpicos e apelou a uma formação obrigatória em matéria de consentimento para as figuras do desporto e à educação em matéria de relações sexuais saudáveis para os jovens jogadores nas academias desportivas.