Enviado especial do Observador em Paris, França

Aqui tudo é grande. Não interessa bem o lado para onde se olhe, tudo é grande. São prédios, são estruturas tipo pavilhões, são as escadas, tudo. A La Défense Arena não poderia ser exceção (embora, para quem vier a Paris e acompanhe a natação, ser melhor sair na estação do RER seguinte, em Nanterre – sempre são mais uns metros valentes que se poupam). Grande e bom. Ou melhor, diferente. Por norma, as estruturas que vão recebendo a natação nos Jogos Olímpicos têm bancadas amovíveis que depois da prova são desmontadas de forma parcial ou total. Aqui, há também algumas zonas que são provisórias como a da imprensa mas o ambiente faz sobretudo lembrar aquilo que se vive num pavilhão com tudo o que isso traz de bom.

Havia um pouco de tudo. Pelo menos que tenhamos visto, e estivemos a olhar à volta durante dois ou três minutos, vimos bandeiras de EUA, Hong Kong, Japão, Itália, China, Israel, Espanha, Alemanha, Grã-Bretanha, Austrália, Dinamarca, África do Sul e Bélgica. Isso e França. Uma, duas, dez, dezenas. A parte diferente de estar neste tipo de palcos é a forma como a sempre ruidosa natação se torna num anfiteatro à medida de um campo de futebol mas fechado e em pequeno. Bem, também não poderíamos ter melhor dia para perceber isso mesmo. Foi escolhido a dedo. E se a primeira grande aposta francesa nestes Jogos não falhou, como aconteceu com a equipa de râguebi de sevens, Léon Marchand é a próxima coqueluche.

Apresentado como último finalista por estar na linha 4, ainda não tinha começado a prova e os adeptos da casa já estavam em delírio. Ok, era fácil adivinhar que Marchand ficaria com a medalha de ouro mas, como se viu na surpresa nos 100 bruços com a vitória de Nicolo Martinenghi frente a Adam Peaty e companhia, há sempre algum espaço para surpresas. Não foi o caso: se nos primeiros 100 metros de mariposa a técnica diferente do japonês Daiya Seto ainda colocou a coisa renhida, com uma braçada sem respirar e outra a respirar (os adversários respiravam a cada braçada), a partir daí foi um autêntico arraso na concorrência nas costas, nos bruços e livres. Faltou a última cereja no topo do bolo, que talvez com mais luta pudesse ter chegado, mas caiu o recorde olímpico e não mundial perante o delírio de todo o recinto (4.02,95 contra 4.02,50 nos Mundiais de Fukuoka). Ponto curioso: o francês tirou mais um registo a Michael Phelps.

Nos últimos Jogos Olímpicos, ainda sem experiência em grandes provas, Marchand ficou em sexto na final dos 400 estilos com 4.11,16, depois de ter batido o recorde nacional na qualificação com 4.09,65. Olhando para Tóquio, agora está a nadar mais de nove segundos abaixo. Segredo para a “explosão”? O mesmo técnico de Michael Phelps, um dos maiores de todos os tempos, e um email que mudou a sua história de vida.

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“Caro senhor,

Sou nadador francês, o meu nome é León Marchand (18 anos). Gostaria de poder juntar-me à universidade de Arizona State no verão de 2021 para nadar e competir na NCAA com a vossa magnífica equipa. Considera que poderia beneficiar de uma bolsa? Que nível de educação é requerido? Pode ler no anexo a minha folha de apresentação. Obrigado pelo tempo que dedicou ao meu pedido.

Desportivamente, Léon”

Foi esta a carta que o nadador gaulês enviou a Bob Bowman, técnico norte-americano de Michael Phelps e companhia, que foi revelado pelo próprio ao The Athletic e maio de 2020. Bowman conhecia o apelido e conhecia o pai, Xavier Marchand, que tinha em boa conta, que conhecia de França e que tinha estado em duas edições dos Jogos Olímpicos, tendo depois casado com outra nadadora, Céline Bonnet. Uns dias depois foi marcada uma chamada por vídeo, que deixou toda a família impressionada: o treinador, que tinha vivido em França, falava a língua. Acordo fechado, sendo que, pessoalmente, a dupla iria apenas conhecer-se nos Jogos Olímpicos de Tóquio, já depois da pandemia. Três anos depois, o “Phelps francês” está um monstro.

Depois de um protegido que bateu todos os registos, Bowman tem mais ouro nas mãos que consegue superar os recordes da sua melhor produção (e os 400 estilos nos Mundiais de Fukuoka foram uma das derradeiras marcas quebradas). Quando Phelps (que também anda por Paris) e Marchand se conheceram pessoalmente, o norte-americano deu-lhe os parabéns e admitiu também que acha que ele poderá fazer um tempo ainda mais rápido. Não foi agora nos Jogos, será mais tarde. Afinal, o gaulês tem apenas 22 anos e tem potencial de crescimento nos treinos a nível de força e resistência (a técnica foi aquilo que mais deu nas vistas).

Marchand cresce e não vai parar de crescer. Bater o recorde mundial dos 400 estilos de Phelps é um sonho de todos aqueles que nadam a distância mas o contexto em que se sagrou campeão olímpico em casa será uma imagem que não mais irá esquecer. No momento da prova, depois da prova, antes da cerimónia de entrega das medalhas, com Léon a cumprimentar várias pessoas próximas que estavam na primeira fila enquanto ia a caminho do pódio ao som de “Léon, Léon, Léon”. Quando subiu ao ponto mais alto, cerrou o punho e olhou à volta. A cena poderia ter sido tirada de um filme dos tempos dos imperadores. Ele é o novo Imperador.