Enviado especial do Observador em Paris, França

Primeiro, e em tempos que ficaram para a história, o atletismo português era marcado sobretudo por provas de fundo. Também havia meio fundo mas eram nomes como Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro ou Fernando Mamede que ditavam leis (todos campeões olímpicos menos o último). Depois, com as chegadas à ribalta de Francis Obikwelu e Naide Gomes, a velocidade e as disciplinas técnicas ganharam outro fôlego. Nos últimos anos, essa segunda tendência manteve-se. O meio fundo e fundo nacional ainda procuram quem os possa resgatar, o advento de Nelson Évora e o prolongamento que essa era teve com Patrícia Mamona e Pedro Pablo Pichardo consolidaram o peso de Portugal no triplo salto. Mesmo sem vice-campeã olímpica de Tóquio-2020, é aí que voltam a estar projetados os olhos nacionais em Paris. No entanto, havia mais.

Agate de Sousa já começava a ser um nome falado no atletismo português depois de ter passado a fasquia dos sete metros no B&S Kurpfalz Gala (7,03) e ganhou uma outra projeção com a conquista da medalha de bronze nos últimos Campeonatos da Europa. A atleta de 24 anos, nascida em São Tomé em Príncipe, deixava de ser apenas uma promessa e chegava a um patamar de afirmação que a colocava como um daqueles nomes que ninguém confessa de forma aberta que vá à medalha mas que todos sabem ter condições para isso – e se não for agora há sempre Los Angeles, até tomando em linha de conta que chegou a Portugal para treinar a saltar pouco mais de seis metros e agora já ficou apenas a nove centímetros do recorde de Naide (7,12).

Agate de Sousa, que começou até a carreira como velocista nos 100 metros, tem ainda o recorde nacional de São Tomé a 7,06 metros. A meio de 2019, após disputar os Jogos de África que não lhe correram de feição, rumou a Portugal. Continuou no atletismo, tendo outras condições para aproveitar o potencial há muito reconhecido, entrou também no curso de Economia para seguir as pisadas dos pais (o pai é economista, a mãe é gestora), ganhou os Campeonatos de Portugal no comprimento e no triplo, foi esperando sempre pela possibilidade de representar Portugal com tudo o que isso a condicionava na questão logística. Em maio deste ano, recebeu finalmente a tão desejada autorização. Um mês depois, foi bronze nos Europeus.

Agora chegava mais um desafio. O maior. A qualificação num Stade de France que enche todos os dias tanto de manhã como à noite (só o ambiente é que muda de forma natural, tendo em conta que as decisões são todas na sessão vespertina) era um primeiro teste ao momento, às sensações, a uma nova realidade. Ninguém queria colocar uma pressão extra sobre aquela que tem tudo para ser a sucessora de Naide Gomes, que é a sua grande referência e inspiração, como não poderia deixar de ser, mas existia uma secreta esperança de que pudesse ir longe na final. Por agora, o importante era mesmo garantir esse apuramento direto.

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Foi aí que tudo falhou. Numa manhã de calor, sobrou um balde de água fria que acabou por gelar o dia da Missão portuguesa. Agate de Sousa, uma mulher de números, tinha multiplicado a esperança de muitos com a evolução dos últimos meses expressa no bronze nos Europeus mas acabou por somar agora a primeira grande desilusão da carreira, falhando o apuramento para a decisão do comprimento. De certa forma até fez recordar Patrícia Mamona no início da carreira, quando fez os primeiros Jogos em Londres-2012, gerava alguma esperança na surpresa mas acabou por ficar em 13.º na qualificação. Na estreia, tudo correu mal.

Agate de Sousa começou a qualificação com um salto nulo, o que traz logo outro peso às tentativas que se iriam seguir. Na segunda tentativa, marcou 6,34 que ainda não chegava para entrar na zona de qualificação mas era um sinal de que a redenção podia estar ao virar da esquina. Não estava. E com um salto a 6,27, bem longe do melhor que fez este ano e das marcas pessoais de referência, não evitou a precoce eliminação.

“Há um mês estava à espera de melhor, de passar a qualificação logo ao primeiro salto, mas entretanto, há cinco dias, tive aí um toque no posterior. Estivemos todos os dias a correr contra o tempo, médicos e fisioterapeutas sempre à volta. Reparámos que ainda havia aí um toque mas estava a tentar dizer para mim que ‘Estou bem, estou bem’ e vim até o final. No segundo salto já não conseguia saltar. Se tivesse feito 6,60 e não passasse estaria mais triste. Tenho a certeza que poderia fazer melhor se não fosse o toque que eu tive. Sinceramente, o ano todo foi assim sempre, a gerir. A medalha no Europeu foi para mim uma surpresa. Se passasse a final nos Jogos Olímpicos seria muito bom, porque tem sido um ano difícil”, disse após a prova.