Foram cerca de cinco anos de obras, um processo que (pelas contas) dir-se-ia que fora atrasado pela pandemia. Mas neste caso, nem se aplica o bode expiatório da Covid-19. “Cada metro que escavavam encontravam mais coisas e tinham que chamar o departamento da ArqueoHoje, para tratar e certificar para tratarmos de tudo com o maior cuidado.”, recorda Ana Lavareda, Groups& MICE (Meetings, Incentives, Conferences, and Exhibitions) sales manager, e nossa cicerone neste visita pelos cantos da casa.

A um passo do Marquês de Pombal, o novo Locke de Santa Joana, 16.ª (e a maior) unidade da marca de origem inglesa, do grupo de hospitalidade edyn (que inclui também as marcas Cove, SACO, Wittenberg e The Moorgate,) abriu portas em julho na capital portuguesa, no espaço anteriormente ocupado pelo convento de Santa Joana, cujas fundações e vida nos fazem recuar até ao século XVII. Uma viagem que aproxima os vestígios arquitectónicos de outros séculos, presentes nos três edifícios originais que se mantêm, das linhas direitas dos novos blocos. O resultado são nove pisos, que abarcam o conjunto de 370 pequenos estúdios equipados com kitchenette, suites e 37 quartos apenas com valência de hotel. Uns virados para a cidade, outros, sobretudo os estúdios, virados para o pátio. Há ainda propostas exclusivas como duas mezzanines suites, comunicantes entre si, que hão de ter vista para o futuro restaurante principal do Locke de Santa Joana.

© Francisco Nogueira

No coração do hotel, no pátio exterior, há colunas e arcos cuja antiguidade se perde no tempo. No centro, um pequeno oásis improvisado com a piscina e o bar. Tudo isto, paredes meias com o brutalismo da vizinha igreja do Sagrado Coração de Jesus. No lado oposto, é n0 edifício A, o principal, onde funcionou a antiga igreja, que se destaca a master suite, com os seus 75 metros quadrados. A curta distância, no bloco D, ultima-se o espaço que será reservado a um pequeno museu. Para aqui virá boa parte dos artefactos encontrados durante as escavações da obra, “não só do século XVII mas também do período romano”, e que será possível visitar. Fora deste perímetro, é possível também observar outros detalhes saídos do quotidiano do convento, como o que resta da roda dos expostos, ou enjeitados.

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© Francisco Nogueira

O projeto de arquitetura de Miguel Saraiva cruza-se com o design de interiores do estúdio Lázaro Rosa-Violán, que se estende às zonas comuns. O conceito quer-se descontraído, inclui ginásio, e é feito tanto para estadias mais curtas como prolongadas, a pensar em nómadas e não só. “Temos muitos clientes que vêm por três meses”, explica a responsável. Também a nova iorquina Post Company, aplicada à decoração dos quartos, se manteve fiel à linha estética dos aparthotéis Locke, predominado os tons tijolo do mobiliário, as amenities standard da Locke, de origem inglesa, ou o papel higiénico da Who Gives a Crap. Nas paredes, por exemplo, encontra-se o trabalho da artista peruana Ana Teresa Barboza. E até pode contar com tapete de yoga no quarto. As casas de banho são semelhantes, todas com chuveiro e em tom rosa velho.

“A ideia é trazer um pouco da cultura local, dos azulejos às tapeçarias que encontramos nos quartos, localizar-se numa área central e providenciar uma agenda cultural. Vamos ter música e outras atividades, como yoga e pilates, que provavelmente faremos no nosso pátio. Quem vem de fora pode só vir jantar ou beber um copo”, frisa Ana Lavareda, que dá conta da prevalecente procura de origem canadiana, francesa, e britânica. “Estamos com a capacidade no máximo, e tanto tenho tido solicitações last minute como muitos pedidos de eventos para 2025 e 2026, da tecnologia ao setor financeiro.”

© Francisco Nogueira

O acesso ao Locke é feito pelo número 18 da Rua Camilo Castelo, mais próximo da receção, ou pela Rua de Santa Marta, que garante entrada direta para o Santa Marta, um dos restaurantes já em funcionamento, nesta primeira fase de abertura. Com 60 lugares, terraço exterior e vista para a piscina e bar, aposta nos pratos de inspiração mediterrânica. No interior, saltam à vista tanto cutelaria contemporânea da vida no convento de Santa Joana, exposta na parede, como criações do artista Sebastião Lobo. Nos futuros espaços de acesso público, aliás, a presença de criadores nacionais será uma constante. Os restaurantes e bares vão ter gestão de dois grupos do Reino Unido especializados em dirigir a operação, a White Rabbit Projects em matéria de F&B, e a Spiritland, na parte da animação e programação musical.

© Francisco Nogueira

Aberto todos os dias, a partir das 11h00 para almoço e ainda jantar, no Santa Marta a carta divide-se entre antipasti (entre os 11 e 16 euros), saladas, pastas (como o tagliolini, limão, pimenta preta, manteiga de manjericão, 13 euros); grelhados (como as coxas de frango grelhadas com molho piri-piri, 16 euros, e os camarões vermelhos do Algarve, 30 euros); e as pizzas que seguem a tradição napolitana, preparadas com farinhas Paulino Horta e fermentadas durante 92 horas. Se a piccante (16 euros) traz salami, n’duja, fior di latte, mel e malaguetas em conserva, a Emila (17 euros) vive da mortadela, pistacho, gorgonzola DOP, mozzarella e stracciatella. Para acompanhar, os cocktails reforçam a carta de bebidas. De um Summer 75 (vinho do Porto branco, gin e champanhe, 15 euros) a um santa marta Sprtiz (manga, pêssego, vodka, soda e vinho espumante, 9 euros).

© Francisco Nogueira

Também já disponível, e aberto ao público em geral, está o Café Castro’s, com o dedo da chef pasteleira Maria Ramos, proveniente do Bairro Alto Hotel, neste recanto localizado junto à receção, com lugares sentados que se estendem até à rua. Está aberto diariamente das 7h30 às 15h30, com opções de refeições no local ou para levar, servindo um menu de pastelaria doce e salgada, biscoitos e bolos, fruta fresca, taças de cereais e uma seleção de sanduíches. Os sumos e smoothies diários acompanham a seleção de chás orgânicos e café local da Olisipo. A curta distância é possível usufruir de espaço reservados a cowork e eventos privados.

© Francisco Nogueira

A segunda fase de aberturas, prevista para o outono deste ano, traz mais novidades. O bar Spiritland será um espaço subtérreo com forte componente musical; o The Kissaten irá ter como cartão de visita “a maior coleção de uísques de Lisboa” e vinis; e conte ainda com O Pequeno, um bar em registo intimista dedicado a champanhe e Martini. Completando a oferta gastronómica, abrirá ainda portas o tal restaurante principal, o Santa Joana, localizado no coração do antigo convento, e em parceria com “um chef internacional de renome”. Para já, sabe-se que a oferta centrar-se-á na grelha e no produto local.

De Joana a Álvaro

Segundo o site do património cultural da Câmara Municipal de Lisboa, o Convento de Santa Joana, da Ordem dos Pregadores, foi fundado em 1699 na antiga Quinta de Andaluz, situada no Vale de Pereiro, legada para o efeito por D. Álvaro de Castro em 1578. Estava destinado aos missionários que seguiam para a Índia Oriental, e a sua obra ficou concluída por volta de 1712, construindo-se a igreja e ajustando-se as casas nobres existentes na quinta para as oficinas conventuais. O Terramoto de 1755 trouxe mudanças na dinâmica das ordens e uma campanha de obras patrocinada por D. José I. Os religiosos de Santa Joana foram para o convento de São Domingos de Benfica para dar lugar à instalação das comunidades femininas da Rosa e da Anunciada, cujos conventos tinham ficado arruinados.

O convento foi extinto em 1890, após a morte da última religiosa, e a igreja foi desafeta ao culto em 1924. No último século, este extenso quarteirão acolheu edifícios das mais diversas instituições, como o Arquivo da Fazenda Nacional e da Comissão dos Monumentos Nacionais. Segundo a mesma fonte, a cerca foi integrada no projeto urbanístico da zona oriental da Avenida da Liberdade e da Praça Marquês do Pombal, com a abertura da Rua Camilo Castelo Branco e da Avenida Duque de Loulé. “Embora se tenha demolido algumas áreas do primitivo convento, a maior parte do edificado mantém-se, embora despojado do seu património integrado e em franco mau estado de conservação.”, lê-se ainda sobre o edifício, que acabaria por ser vendido pela Estamo ao consórcio em questão.

“As escavações arqueológicas levadas a cabo no terreno ocupado pelo convento de Santa Joana, dirigidas pelo dr. Artur Rocha, permitiram desvendar as origens mais remotas da propriedade, desde, inclusive o período romano de Lisboa. O aspeto mais relevante para entender a disposição antiga do sítio consistiu na perceção efetiva da passagem da antiga ribeira de Valverde, mais tarde encanada, que passava por baixo do convento, sendo percetível o respetivo caneiro sob um dos pátios atuais.”, referem no estudo histórico datado de 2016 José Sarmento de Matos e Jorge Ferreira Paulo.

Nesta nova encarnação de Santa Joana, outros nomes, como “Álvaro”, também surgem mencionados na toponímia do Locke. De acordo com uma memória histórica redigida em 1754 e que se encontra no cartório do extinto convento, D. Álvaro de Castro, antes de partir com D. Sebastião para a jornada africana de Alcácer Quibir, instituiu morgado da sua Quinta do Andaluz, em testamento aprovado em 1578. Chamou para a sucessão nele a seu sobrinho D. Leonardo de Castro e respetiva descendência por linha direita.

Os descendentes da linha direita de D. Leonardo de Castro terminaram em D. João de Castro (filho de D. Pedro Fernandes de Castro), que morreu em 3 de outubro de 1697. Do seu casamento com D. Arcângela Maria de Portugal, irmã do Conde de Sarzedas, não houve filhos nem descendentes a quem legitimamente passasse o morgadio. Mas o nome “Álvaro” prevalece entre blocos. Tal como azulejos originais retrabalhados em novos painéis, que é possível conferir nos corredores de um dos novos edifícios do Locke de Santa Joana. É também em forma de azulejo que se apresenta o mapa de coordenadas dos diferentes blocos do hotel, para que ninguém se perca entre níveis.

Preços de abertura: a partir de 200 € por noite por Locke Room com varanda.