A conversa sobre o Orçamento do Estado azedou entre PS e PSD e os socialistas sobem, agora, o tom quando o assunto é a viabilização do documento. Por entre muitas acusações sobre a suposta falta de vontade do PSD de negociar, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, veio deixar uma ameaça sobre a continuidade, ou não, do Governo — que, sugeriu, está em boa parte nas mãos do PS — e disparou: para aprovar um Orçamento de direita, “não contem com o PS”.

Num discurso feito na Academia Socialista, e numa altura em que o PS acusa o Governo de não lhe fornecer a informação necessária sobre o estado das contas públicas para que possa apresentar as suas propostas orçamentais, Leitão avisou: o PS tem de ver claramente a sua marca no documento, caso contrário não o viabilizará. “Um Orçamento de direita só pode ser aprovado pelas forças políticas de direita na Assembleia. Não contem com o PS para isso”.

E contrariou o argumento que o Executivo tem dado, no sentido de acreditar que, se o PS viabilizou inicialmente o seu programa de Governo, então tem de permitir que continue a governar: “O PS limitou-se a permitir que um governo ultraminoritário começasse a governar. Mas o PS só permitirá que esse mesmo governo ultraminoritário continue a governar se as políticas forem boas e se corresponderem, ainda que em parte, à agenda social-democrata e progressista do PS”, atirou, depois de frisar que a Aliança Democrática ganhou as últimas eleições legislativas, mas por “muito pouco”.

De resto, houve variadas acusações disparadas contra o Executivo no que toca ao processo orçamental: “finge que quer negociar”, faz “speed dating para inglês ver” com os partidos, tenta “enganar os portugueses” simulando diálogo, mostra uma atitude “algo sobranceira e pouco correta” — tal como quando informou Pedro Nuno Santos sobre a escolha de Maria Luís Albuquerque “poucos minutos antes do anúncio”. Em resumo: “Tentam fingir que querem negociar para depois se poderem vitimizar. Mas não enganam ninguém”.

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O aviso repete-se: não há negociações a sério sem “prestação completa e rigorosa de informação”. O PS continua a garantir que quer mesmo negociar, “não por calculismo ou por temer eleições”, mas antes para “tentar melhorar o Orçamento”, como dizia, no mesmo palco, Carlos César no arranque da Academia Socialista.

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O dilema continua a ser o mesmo: sob pressão para viabilizar o Orçamento, com o PSD a insistir que conta com o sentido de responsabilidade do PS e o Chega a querer pôr-se de fora da equação, o PS sabe que o caminho é mais estreito. Por isso, Leitão tentou sacudir a pressão: “O Governo quer empurrar o PS para uma viabilização do OE com o mínimo de diálogo ou negociação. Não nos deixaremos pressionar, nem humilhar e nem corresponsabilizar por algo que é da única responsabilidade do governo”.

Pedro Nuno pediu ao Governo previsões orçamentais e cenário para 2025 em carta enviada a 29 de julho

Se Montenegro pediu esta quinta-feira “calma” aos partidos, dizendo não compreender a “agitação” que rodeia o tema do Orçamento do Estado, Leitão quis responder: “Aquilo a que ainda ontem Luis Montenegro chamava “agitação” é na verdade a democracia a funcionar”.

PS avança com alterações à IVG e iniciativas para “paridade total”

No mesmo discurso, a líder parlamentar socialista confirmou que a direção da bancada parlamentar vai acompanhar o projeto elaborado pela Juventude Socialista para alargar o prazo para a Interrupção Voluntária da Gravidez, que o Expresso noticiou. Por entre uma lista de medidas que, disse, ilustram que o PS sabe “governar para os jovens”, Leitão deu esse exemplo: o PS quer não só “regulamentar a objeção de consciência na IVG” como “lançar o debate” sobre a despenalização do aborto além das atuais dez semanas.

Não foi a única pista que deixou sobre iniciativas futuras do PS que mostram a vontade de “governar para os jovens”: por um lado, defendeu a necessidade de combater “sem tréguas” a violência doméstica, responsabilizando todos — incluindo as autoridades, uma vez alertadas — os que permitem que as mulheres continuem a ser “mortas pelos seus companheiros”.

Por outro, prometeu que o grupo parlamentar do PS vai apresentar iniciativas para garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres e a “paridade total” no acesso a cargos políticos, altos cargos públicos e também no setor privado.

E também assumiu que o PS “não exclui” pedir a apreciação parlamentar do decreto-lei aprovado pelo Governo que “retira importantes poderes aos condomínios relativamente à instalação de alojamentos locais”, na ótica das medidas para a Habitação.

PS dramatiza sobre Governo: “O pior pode está para vir” e “nenhuma liberdade está assegurada”

A intervenção foi em boa parte usada para salientar os méritos das iniciativas e da governação de que o PS, agora na oposição, se deve mesmo assim “orgulhar” em jeito de lembrete. Tudo para chegar ao legado das contas certas e das obras e medidas que o PS chegou a lançar — e para lançar acusações ao PSD: “A prova da qualidade da herança do governo do PS, é que muito do que o atual governo da AD anuncia estava previsto e em fase avançada de implementação pelo governo anterior”.

Mais: o Governo foi, no palco da Academia Socialista, qualificado como um Executivo que se “aproveita despudoradamente daquilo que não pensou, não preparou e não realizou”; que “destrói as reformas em curso”, como no SNS; lança “desconfiança e até ofensa sobre dirigentes da Administração Pública e as próprias instituições”; e tem “pouco amor à verdade”, tendo “mentido” sobre a saúde das contas públicas quando tomou posse.

Ainda assim, para a dirigente socialista o pior “pode ainda estar para vir”, graças à “linha populista e irresponsável” que o Governo escolheu seguir, usando o excedente para “distribuir vantagens de forma irresponsável, discricionária e por vezes até aleatória”. Ou seja: o PS acredita que o governo está “em campanha eleitoral permanente”, com o dinheiro do excedente que ficou nos cofres públicos. Tudo, prosseguiu Leitão, para depois aplicar as verdadeiras políticas do PSD, e que passarão por descapitalizar os serviços públicos ou adotar medidas que agravam as desigualdades.

O tom agravou-se ainda mais: “Nenhuma liberdade está garantida, nenhum direito está assegurado, nenhum avanço civilizacional é insuscetível de retrocesso”. E ainda levou a uma farpa lançada contra o PSD, mais especificamente contra o homólogo Hugo Soares, que disse que “teria muitas dificuldades” em escolher se votaria em Kamala Harris ou Donald Trump. “Sim, camaradas, nós não teríamos nenhumas dúvidas em quem votaríamos se fôssemos eleitores nos EUA!”.

Leitão não fecha porta a Lisboa: trabalho autárquico é “interessante”

A noite não acabaria sem uma declaração sobre outras eleições, mas desta vez em Portugal. E envolvendo a própria Alexandra Leitão. Foi à boleia de um dos jovens que participam na Academia Socialista, um dos que esta noite colocaram questões à oradora, e que decidiu perguntar a Leitão se estará disponível para uma corrida autárquica, especificamente em Lisboa.

E Leitão, um dos nomes que circulam para essa corrida, não negou a hipótese: primeiro, elogiou o trabalho como líder parlamentar, do qual se “orgulha” e que desempenha “de corpo e alma”; mas assumiu nunca ter escondido que acha “interessante o trabalho que se faz nas autarquias”. A porta ficou, pelo menos, entreaberta.