A 24 horas do final do mercado, o Benfica jogava em dois campos. Por um lado, a questão do treinador, com o tempo para a apresentação do sucessor do alemão Roger Schmidt a passar sem qualquer movimentação mais palpável nesse sentido. Por outro, a necessidade de garantir ainda mais soluções para um plantel que não deixou de ter qualidade mas que tinha pontos de desequilíbrio. No final, essa necessidade acabou por ser cumprida com os “serviços mínimos” da chegada de mais um extremo mas aquilo que se passou durante esta segunda-feira funcionou também como espelho do momento mais conturbado que o clube atravessa.

Com a saída de Marcos Leonardo para o Al Hilal por 40 milhões de euros confirmada, em mais uma opção que no plano desportivo chocou com a lógica que esteve sempre presente desde o início da pré-temporada (o brasileiro era o substituto de Vangelis Pavlidis ou companheiro na frente de ataque quando a opção passava por apostar em dois homens mais na frente, Arthur Cabral passou de dispensável a segundo avançado com as movimentações no final do mercado), o Benfica partia em busca de um reforço que fechasse o plantel. Podia ser mais do que um, mesmo caindo por terra de forma antecipada a hipótese de garantir mais um guarda-redes para ser número 2 de Trubin, pelo menos um tinha de ser. Dois nomes apareceram e caíram.

Kamaldeen Sulemana, que viria também num modelo de negócio como o de Issa Kaboré mas com a opção de compra no contrato de empréstimo, tinha tudo acordado com Southampton e Benfica mas acabou por ver a possibilidade gorada pela falta de visto que permitisse a inscrição dentro da janela de transferência, numa informação avançada pelo jornal Record confirmada esta segunda-feira pelo Observador. De manhã, também a imprensa grega deu conta de uma oferta dos encarnados pelo médio ofensivo grego Giannis Konstantelias recusada pelo PAOK que poderia ascender aos 20 milhões com percentagem de uma futura mais-valia. O tempo passava, a solução para o imbróglio entre Osimhen e o Nápoles “ajudou” o conjunto da Luz: o jogador nigeriano rumou ao Galatasaray e os turcos negociaram de outra forma o seu vice-capitão Kerem Aktürkoğlu, extremo que é internacional turco e custou ao Benfica um valor fixo de 11 milhões.

Até mesmo quando o negócio estava fechado havia ainda uma pequena janela para o ataque a outros alvos mas, com o passar das horas, percebeu-se que o turco seria o sétimo e último reforço deste verão. Questão? O tempo para que isso acontecesse. Foi já perto da meia noite que tudo ficou resolvido, com o jogador a aterrar em Lisboa já depois das 23h15 e a ter de assinar contrato ainda antes de atravessar a porta das chegadas do aeroporto Humberto Delgado para que toda a documentação desse entrada a tempo de ser registada na Liga de Clubes antes da meia noite, que veio a acontecer. A confirmação da saída de João Mário ficou guardada para esta terça-feira, dia em que o médio vai viajar para Istambul e fazer testes médicos para formalizar o acordo que existe com o Besiktas (que pagará um valor entre três e cinco milhões), mas nem mesmo um dia que por norma costuma ser bem mais calmo na Luz transmitiu sinais de tranquilidade.

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Após passagens na formação por Gölcükspor e Hisareynspor, o novo reforço dos encarnados começou por dar nas vistas como sénior ao serviço do Basaksehir antes de passar por Karacabey e Erzincanspor. Em 2020, o turco assinou pelo Galatasaray, clube onde esteve agora, onde ganhou as primeiras internacionalizações pela formação principal da Turquia (esteve nos convocados do último Europeu) e onde ganhou duas Ligas e uma Supertaça. Aos 25 anos, o jogador terá a sua primeira experiência fora do país, ao lado do companheiro de seleção Orkun Kökçü mas num contexto que não é o mais favorável tendo em conta que aterrou no país sem saber por exemplo o treinador com quem vai trabalhar no início dos cinco anos de contrato. Sendo um dos jogadores mais importantes e até mediáticos do Galatasaray, dando nas vistas também em alguns jogos da Champions, o jogador ficou conhecido pela altercação que teve com o companheiro Marcão (central que passou pelo Rio Ave e pelo Desp. Chaves) durante um encontro frente ao Giresunspor em 2021.

No final do mercado, o plantel do Benfica fica mais fraco? A saída de João Neves representa a ausência de um jogador indiscutível nos encarnados e que era uma das peças mais importantes da equipa, as vendas de David Neres e Marcos Leonardo tiraram poder de fogo na frente e ainda houve o final de contrato de Rafa, que será de novo companheiro de João Mário. Nas entradas, Issa Kaboré será a alternativa que Bah não tinha na última época, Beste vai disputar com Álvaro Carreras o lado esquerdo, Leandro Barreiro e Renato Sanches (quando voltar ao ritmo competitivo que necessita para fazer a diferença) aumentam as opções no meio-campo, Aktürkoğlu era o extremo em falta, Zeki Amdouni pode ser importante em qualquer posição na frente e ainda há Prestianni e Rollheiser, que na última temporada pouco ou nada contaram.

A ideia de jogo até pode vir a mudar face às últimas duas épocas mas não se pode dizer que o Benfica não fique na mesma com um plantel competitivo, capaz de lutar por todas as provas nacionais e com capacidade para fazer uma boa campanha europeia. A questão passa mais pela necessidade de fazer mais de 145 milhões de euros em vendas, com quase menos 100 em termos de investimento em reforços, num ano em que, além da Liga dos Campeões, haverá também o Mundial de Clubes com 50 milhões de euros “extra” só de prémio de participação. À partida, perante as contas recentes, não se antevia essa prioridade e os valores pagos por João Neves e David Neres acabaram por contribuir para o atual período de desconfiança que se vive.

As duas últimas Assembleias Gerais do clube, que realizaram no mesmo dia da Luz, mostraram que Rui Costa perdeu capital junto dos sócios (ou pelo menos junto dos associados que marcaram presença nessa reunião magna) pela forma como se colou a Roger Schmidt na defesa do técnico após uma temporada que ficou aquém das expetativas e o cenário piorou com o mau início da nova época. A assobiadela que se ouviu ainda antes do início do jogo na Luz com o Casa Pia foi para o técnico alemão mas nem por isso o presidente dos encarnados passou ao lado da contestação, algo que se voltou a repetir em Moreira de Cónegos depois de mais uma escorregadela no Campeonato. O timing da troca técnica foi tudo menos o desejável mas seria no fim de semana que a decisão teria de ser tomada e a continuidade do germânico estava em xeque.

Quando dispensou Schmidt, num processo que ainda poderá conhecer novos desenvolvimentos ao longo das negociações entre advogados das duas partes, Rui Costa não tinha uma alternativa direta pensada. Aliás, ainda hoje não houve qualquer contacto direto com nenhum dos treinadores que foram ventilados para o comando técnico dos encarnados. A prioridade passa pela contratação de um português, Leonardo Jardim, Sérgio Conceição e Abel Ferreira têm condicionantes que dificultam um possível acordo, Bruno Lage surge como uma solução natural para efeitos imediatos, vários treinadores estrangeiros têm aparecido mais nos bastidores a mostrarem abertura para um eventual convite. O presidente do conjunto da Luz, que tem falado com algumas pessoas mas irá assumir de forma única a decisão, encontra-se ainda em reflexão.

A escolha do novo treinador será um momento determinante no mandato de Rui Costa, que enfrentará um novo ato eleitoral daqui a um ano depois dos 90% com que assumiu a liderança na sequência da demissão de Luís Filipe Vieira. É também por isso que, nesta fase, com o mercado fechado da forma possível, o único foco passa pela decisão em relação ao sucessor de Roger Schmidt. Com sucesso na opção, todas as críticas serão relativizadas e todas as abordagens já numa ótica de sufrágio eleitoral serão diferentes; sem sucesso (e de forma imediata) na opção, o Benfica terá vida complicada nos próximos meses a todos os níveis. Para mais tarde ficará a explicação da política adotada no mercado entre vertente desportiva e financeira.