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MJ Lenderman e a pequena América em grandes (enormes) canções

Decoremos este nome. Tatuemos este nome. "Manning Fireworks" é o quarto álbum de um tipo de heróis que julgávamos perdido: o cowboy melancólico que junta country com indie rock de forma brilhante.

Lenderman devolveu a grandeza à música rural americana e a América, agora sim, volta a ser grande outra vez
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Lenderman devolveu a grandeza à música rural americana e a América, agora sim, volta a ser grande outra vez

Lenderman devolveu a grandeza à música rural americana e a América, agora sim, volta a ser grande outra vez

Deus abençoe a América, as seis cordas de uma guitarra, o coração da country a arder: estamos todos salvos, nunca fomos tão felizes, a slide guitar desliza, os violinos sobem, há um riff que nunca deixará de ecoar e façam uma estátua a MJ Lenderman agora, porque ele conseguiu o que parece quase impossível de conseguir – um disco perfeito a cruzar a country alternativa com o indie-rock, recuperando uma tradição que vem dos anos 90 e que parecia irremediavelmente perdida. E isto que estais a ouvir são canções, grandes canções, senhoras e senhores, grandes enormes canções.

Houve uma altura em que se dava um pontapé numa pedra e saía lá de baixo uma grande banda de alt-country, como os Uncle Tupelo, de cujas cinzas nasceram os Wilco, de que nos lembramos ao ouvir Joker Lips, o segundo tema de Manning Fireworks, o mais recente e brilhante álbum de MJ Lenderman, que é um nome que tendes de decorar, talvez até tatuar na pele, para não o esquecer.

E daí não será preciso, porque é certo que para o ano Lenderman vai estar no circuito de festivais e tocar em todos, o nome em letrinhas gordas no cartaz – e isto porque, sim, Manning Fireworks é assim tão bom e está cheio de riffs sujos e memoráveis, como o de Rudolph – podíamos perfeitamente viver no estrebuchar daquelas cordas e seríamos felizes. Manning Fireworks é um acontecimento, talvez o grande acontecimento de 2024.

[o álbum “Manning Fireworks” está disponível na íntegra no Spotify:]

Um acontecimento feito de grandes linhas de guitarra, como a de Wristwatch, com um travo country, que acabam sempre num tremendo refrão – impressiona como ele nunca falha, ao longo das nove canções de Manning Fireworks e impressiona que ele tenha apenas 25 anos. Ainda este ano o ouvimos a cantar a deliciosa Right back to it”, no álbum da igualmente adorável Waxahatchee e pelo meio já vai no quarto disco de originais, isto para lá de ser guitarrista dos Wednesday, banda liderada por Karly Hartzman, que foi a namorada de Lenderman durante anos. Nos Wednesday, Lenderman não é o principal escritor de canções, mas foi ali que ele teve a oportunidade de começar a misturar country com shoegaze – uma aprendizagem que há vai em cinco discos.

Nove discos em seis anos é tarefa ou de um obcecado com o trabalho ou então de alguém com as mãos em chamas, avidamente à procura da guitarra, sempre prestes a debitar mais uma malha, e são tantas inesquecíveis em Manning Fireworks — a de She’s leaving you é imaculada, o refrão de uma melancolia pungente e depois sai guitarrada basta a estrilhar e a felicidade é isto, nem mais nem menos que isto. A bem da verdade, MJ diz que Karly Hartzman é que é uma trabalhadora incansável, que leva sempre a cabo os projetos a que se propõe e que foi com ela que aprendeu esse brio e essa disciplina – além de ter apanhado dela o gosto pela leitura, disciplina que antes não lhe interessava muito.

É possível que haja quem vá comparar Lenderman a todo o cantautor a alguma vez ter tingido levemente de country uma canção, dos Silver Jews a Kurt Vile passando pelo grande Jason Molina, mas é um erro: a fonte onde Lenderman vai beber é mais antiga, é a do cajun, da primeira country, das gravações pioneiras e sujas do género, que estabeleceram o som da América rural. Vai lá beber e depois traz de volta para o ano de 2024, com a ferocidade de quem tem de dizer coisas aqui e agora – e é isso que explica o milagre de On my knees, quando as guitarras pegam fogo e nós imploramos que nos queimem, que nunca nos deixem, que reverberem para sempre.

[o vídeo de “Joker Lips”:]

Dizemos que as comparações com os Silver Jews são um erro porque Lenderman criou um som diferente, o que não significa que não sejam uma influência – são, bem como Will Oldham (mais conhecido por Bonnie Prince Billy). Mas em Manning Fireworks uma comparação mais apta seria com Neil Young, até porque Lenderman tem um de guitarra semelhante e igualmente ácido no uso dos agudos.

Como é que chegámos aqui, a este momento em que MJ soa inteiro, feito, um cantautor por direito próprio e imediatamente reconhecível? Lenderman teve um bisavô saxofonista, de modo que talvez tenha umas semi-fusas extra no código genético, mas isso só por si não garante discos como este. Foi criado como católico e desenvolveu uma saudável panca pelos Sparklehorse de Mark Linkous e pelos múltiplos projetos de Jason Molina – mas isso também eu e não faço discos destes.

O que esses gostos indicam, no entanto, é uma tendência para a canção folky e talvez levemente country, mas distorcida por uma visão autoral. Linkous enchia as canções de ruído (e tinha uma visão negra do mundo), Molina enchia-as de solos e harmonias (e tinha uma visão negríssima do mundo). Os olhos de MJ Lenderman gastam o seu tempo a observar os deserdados, os patéticos, os solitários – os que, no fundo, não pertencem a coisa nenhuma e só podem contar consigo próprios para se safarem neste mundo.

Mowing the Leaves Instead of Piling ’em Up, um disco de versões que os Wednesday lançaram em 2022, dá-nos mais pistas para o som que interessa a Lenderman: lá encontramos o grande Chris Bell, os Drive-By Truckers, o extraordinário Vic Chesnutt; também encontramos os The Smashing Pumpkins, mas temos de perdoar – Lenderman é novo e a juventude comete disparates.

[o vídeo de “She’s Leaving You”:]

O dinheiro também é um ingrediente secreto de Manning Fireworks – Lenderman assinou pela ANTI e teve um orçamento ligeiramente maior do que o que tinha em discos anteriores, como Boat Songs ou o homónimo MJ Lenderman (o seu disco de estreia). Foram esses tostões extra que permitiram a presença de um contra-baixo e de um omnipresente violino, que soa a cajun e reconduz estas canções de novo à terra, a um qualquer tasco de beira de estrada onde os homens vão beber para esquecer.

Esses discos também foram escritos em condições pandémicas, que o obrigaram a safar-se por si próprio – desde que a pandemia foi embora, MJ tem voltado a apreciar o lado colaborativo, não só com Waxahatchee (ele fez parte da banda que gravou o último disco) como em Manning Fireworks, que soa a som de banda – pelo menos no sentido em que Neil Young com os Crazy Horse soa a banda.

Ajuda que os músicos com que MJ trabalha morem todos em Asheville, onde ele reside – o baterista vive na casa ao lado da de Lenderman, para onde todos os restantes músicos se dirigem com regularidade. Manning Fireworks não é, portanto, o trabalho de uns tipos que se juntaram porque estavam a ser pagos para tocar música, mas um reflexo de uma comunidade, uma comunidade onde durante anos MJ trabalhou na mesma gelataria, em que todos se conhecem.

E isso passa para o ouvinte – por mais ásperos que os riffs sejam, por mais estranhas que as personagens das canções sejam, há qualquer coisa de familiar nestas nove canções, como que um regresso a casa, a um lugar onde fomos felizes e do qual estamos ausentes há muito tempo. Lenderman devolveu a grandeza à música rural americana e a América, agora sim, volta a ser grande outra vez e parabéns a mim, por estar vivo e poder ouvir esta grande, grande música no exato instante em que explode nos nossos corações.

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