Da violência da escravatura e do último auto de fé em Portugal ao complexo urbano da Expo 98, o Museu de Lisboa atualizou a história da cidade com cerca de 150 novas peças, dando destaque aos direitos humanos.

Com sede no Palácio Pimenta, o museu reabre na quinta-feira o primeiro piso do edifício que se encontrava encerrado há três anos para obras de remodelação, apresentando a continuidade da exposição de longa duração agora renovada com 300 peças, cerca de metade raramente ou nunca vistas em público.

Numa visita guiada, a diretora do museu, Joana Sousa Monteiro, explicou que o novo percurso cronológico da história da capital vai para além do século XVII e chega à concretização da empreitada do Parque das Nações no século XX, para a realização da mostra internacional Expo 98.

“Fizemos uma maior inclusão de algumas das nossas peças que marcam a presença da escravatura na qual Portugal e Lisboa tiveram um papel muito forte, que mudou bastante a paisagem humana durante séculos na capital”, indicou a responsável, acrescentando que também foi dado “um destaque maior à ação da Inquisição” da Igreja Católica.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Neste contexto, estará exposta, por exemplo, a peça “Os Pretos de São Jorge”, do século XIX, de autor desconhecido, uma escultura em madeira pintada, papel e tecido, “que liga a presença de Lisboa em confrarias e à procissão do corpo de Deus”.

Por outro lado, a atividade da inquisição na capital fica registada com uma gravura que recorda o último auto de fé realizado no país, em 1761, com a execução do padre Gabriel Malagrida (1689-1761), que enfrentou a fogueira com uma mordaça e um barrete que o identificava como desonrado.

Nesse processo da Inquisição foram acusadas 57 pessoas, 48 das quais saíram em procissão do claustro do convento de São Domingos para o Rossio, onde se instalou o cadafalso.

O padre Malagrida, missionário jesuíta italiano, com trabalho desenvolvido no Brasil e já portador de demência em 1761, fora acusado por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, e a acusação aceite pelo inquisidor-mor, Paulo de Carvalho e Mendonça.

As repercussões desta execução alcançaram nível internacional, com críticas do filósofo e historiador francês Voltaire, que caracterizou o ato em Lisboa desta forma: “Ao excesso de absurdo, juntou-se o excesso de horror”.

Para a diretora do Museu de Lisboa, o destaque dado à marca da escravatura e da inquisição na história da capital serve para recordar “o tema dos direitos humanos ou a falta deles, e de como se foram gerindo estas questões até chegar a um tempo mais democrático e igualitário”.

Ao longo das salas do piso remodelado, os visitantes irão encontrar mobiliário, escultura, pintura, fotografia, cerâmica, desenho, gravura, muitas maquetes de projetos em Lisboa, nomeadamente, pela primeira vez em exibição, os chamados “Seis planos da Baixa”, depois da destruição pelo terramoto de 1755.

“Temos em exposição, não apenas a proposta ganhadora — de Manuel da Maia e Eugénio dos Santos —, como as outras que foram apresentadas em tempo recorde ao rei D. José e ao Marquês de Pombal como as ideais para a construção de uma cidade moderna”, apontou a diretora.

A seguir à sala dedicada reconstrução do coração da capital, é salientada a I República como momento fundador do Portugal atual e são apresentadas, pela primeira vez, salas dedicadas à expansão urbanística da cidade durante o Estado Novo, lembrando a construção de estruturas como a ponte sobre o Tejo, o aeroporto e a rede de metro.

“O percurso foi desenhado com destaques cronológicos, mas também cruzados, com interferências temáticas sobre muito do que nos parece o essencial da capital, não só da sua dimensão geográficas, mas em particular urbanística e social, na forma como foi sempre vivendo de maneiras tão diferentes a sua faceta multicultural, multiétnica e multirreligiosa”, explicou à Lusa Joana Sousa Monteiro.

“Muito do que se poderá ver no museu já se podia ver no percurso anterior, mas o modo de expor agora é radicalmente diferente, e as coleções são em boa parte diferentes. Teremos todo o século XX agora patente ao público, em vez de parar no século XIX”, sublinhou a responsável.

No museu, as salas preenchem-se com a grande maquete do projeto do Areeiro, do arquiteto Cristino da Silva — que desenhou o conjunto de edifícios, o seu interior, o jardim e a calçada —, um dos projetos para o Martim Moniz, um dos planos para o Bairro de Chelas.

Fica ainda registada a memória do incêndio do Chiado, o impacto da construção da primeira Torre das Amoreiras, duas maquetes do complexo do plano urbanístico do Parque das Nações, e outra da Estação do oriente, do arquiteto Santiago Calatrava.

A inauguração da nova exposição do Museu de Lisboa está marcada para as 18h00 de quinta-feira, com entrada gratuita na sexta-feira e no sábado, em visitas guiadas e oficinas para famílias, bem como o lançamento do livro “As três vidas do Palácio”, resultado do trabalho de investigação de historiadores do museu e de centros universitários.

Criado em 2015, o Museu de Lisboa é constituído por cinco lugares: Palácio Pimenta, Teatro Romano, Santo António, Casa dos Bicos e Torreão Poente.