Na solidão dos campos de algodão acontece no espaço do deal, da transação ilegal, quando quatro homens se encontram. Em dueto, em cânone, em eco ou em coro, os quatro alternam e sobrepõem-se nos papéis de dealer, de cliente e deles mesmos. Sobre eles não se sabe mais nada, nem sequer os seus nomes”, lê-se na sinopse da peça.

Interpretada por Daniel Martinho, Gio Lourenço, Hugo Narciso e Pedro Hossi, a peça conta com cenografia de Neusa Trovoada e música de Xullaji e vai estar em cena entre quarta-feira e 29 de setembro no Teatro Ibérico, que coproduz.

O Teatro GRIOT acrescenta que “na Cena, os quatro são como que animais acuados num território em que uns vigiam e os outros são vigiados, uns dominam e os outros são dominados”.

“Sem nunca nomearem o desejo, uns desejam e os outros também. Encaram-se corpo a corpo experimentando mecanismos discursivos e estéticos que possibilitem a erupção de pensamentos até então encerrados na memória dos seus corpos vezes demais retratados como marginais, estrangeiros enraivecidos e sujos. Este espetáculo também é, também pode ser, uma autópsia do que acontece dentro destes corpos brutalizados que tentam escapar à solidão do processo de desumanização a que estão sujeitos”, sublinha a companhia.

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A sinopse termina com um conjunto de questões: “Afinal, o que buscam estes homens? O que vendem e o que querem comprar? Qual o desejo que os queima? Qual o ódio que os move? Quão longe são capazes de ir?”

A sessão de domingo vai ter interpretação para Língua Gestual Portuguesa, seguindo-se uma conversa com o público.

Escrita em 1985, quatro anos antes da morte de Koltès por VIH, Na Solidão dos Campos de Algodão foi definida pelo dramaturgo francês como um “diálogo filosófico ao jeito do século XVII”, como lembra o Teatro Internacional de Amesterdão, que recebeu este ano uma versão da peça dirigida por Timofey Kulyabin.

“Se um cão encontra um gato — por acaso ou simplesmente por probabilidade, porque há tantos cães e gatos sobre um mesmo território que não podem deixar de se cruzar; se dois homens, duas espécies contrárias, sem história em comum, sem linguagem familiar, se encontrarem face a face — não na multidão nem em plena luz, porque a multidão e a luz dissimulam os rostos e as naturezas, mas sobre um terreno neutro e deserto, onde se vê ao longe, onde se ouve o andar, um lugar que interdita a indiferença; quando se deparam um face o outro não existe mais nada entre eles que hostilidade — que não é um sentimento, mas um ato, um ato de guerra sem motivo”, escreveu Koltès sobre esta peça.

Sobre uma versão do texto dirigida por Radoslaw Rychcik em Nova Iorque, em 2012, escrevia o New York Times que se tratava de um “encontro de alta velocidade, sexualmente intenso, entre um dealer e um cliente, onde os bens transacionados ficam por esclarecer, mas não o muito que há em jogo”.

A atriz e encenadora Maria João Luís, com o Teatro da Terra, Diogo Dória, com a Companhia de Teatro de Sintra, Rogério de Carvalho e o Teatro Oficina, Carlos Avilez, com o Teatro Experimental de Cascais, contam-se entre encenadores e estruturas portuguesas que abordaram o universo de Bernard-Marie Koltès, ao longo dos últimos anos, à semelhança de grupos como Teatro Experimental do Porto, Teatro Estúdio Fontenova e Companhia de Teatro de Almada.